Desconsideração da personalidade jurídica não exige prova de inexistência de bens do devedor
A desconsideração da personalidade jurídica pode ser decretada mesmo nos casos em que não for comprovada a inexistência de bens do devedor, desde que seja confirmado o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, caracterizadores do abuso de personalidade.
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso do Banco Sofisa, ao concluir que o incidente de desconsideração de personalidade jurídica não poderia ter sido obstado, liminarmente, sob o argumento de não ter sido demonstrada a insuficiência de bens de uma empresa do ramo de confecções em recuperação judicial.
Segundo os autos, o banco alegou a existência inequívoca de abuso da personalidade jurídica, com base em confusão patrimonial, existência de grupo econômico e fraude. Diante disso, a instituição financeira pretendia que a sociedade da qual a empresa faz parte respondesse pela dívida, no valor de R$ 246.670,90.
O banco interpôs recurso, nos autos de execução de título extrajudicial, argumentando que a insuficiência de bens do devedor não é requisito legal para instauração do incidente de desconsideração.
No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão de primeiro grau, segundo a qual não caberia a instauração do incidente pela ausência de comprovação acerca dos bens da empresa, sendo necessária maior investigação sobre a insuficiência patrimonial.
Matéria cível-empresarial
O relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou que a desconsideração da pessoa jurídica é uma medida excepcional que “se apresenta como importante mecanismo de recuperação de crédito, combate à fraude e, por consequência, fortalecimento da segurança do mercado, em razão do acréscimo de garantias aos credores”.
Salomão ressaltou que “os requisitos de desconsideração variarão de acordo com a natureza da causa, devendo ser apurados nos termos da legislação própria. Segue-se, entretanto, em todos os casos, o rito procedimental proposto pelo diploma processual”.
No caso em análise, o relator esclareceu que, por se tratar de matéria cível-empresarial, a desconsideração da personalidade jurídica é regulada pelo artigo 50 do Código Civil, o qual não pressupõe a inexistência ou a não localização de bens da devedora.
“À luz da previsão legal, o Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que a inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não caracteriza, por si só, quaisquer dos requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil, sendo imprescindível a demonstração específica da prática objetiva de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial”, esclareceu Luis Felipe Salomão.
Com esse entendimento, a Quarta Turma decidiu, por unanimidade, que o caso deve retornar ao primeiro grau para regular processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.226.675 - SP (2017/0306831-0)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
AGRAVANTE : BANCO SOFISA S/A
ADVOGADOS : HERNANI ZANIN JÚNIOR - SP305323
VITOR HUGO SILVA LEITE - SP331999
AGRAVADO : RRT INDUSTRIA E COMERCIO DE CONFECCOES LTDA - EM
RECUPERACAO JUDICIAL
REPR. POR : JOSE MARTONIO ALVES COELHO - ADMINISTRADOR
AGRAVADO : ANA MARIA CASTELO TRAJANO
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS - SE000000M
INTERES. : FIORI INDUSTRIA E COMERCIO DE CONFECCOES LTDA
INTERES. : FERNANDO SAMPAIO TRAJANO
INTERES. : MARIA TERESA SAMPAIO TRAJANO
DECISÃO
1. Cuida-se de agravo interposto por BANCO SOFISA S/A em face da
decisão que negou seguimento ao recurso especial, por sua vez manejado contra
acórdão assim ementado:
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA – Decisão agravada que indeferiu o pedido de
desconsideração da personalidade jurídica – Medida excepcional – Ausência
de esgotamento dos meios para localização de bens dos executados – Pleito
de desconsideração que se mostra prematuro – Recurso não provido.
Nas razões do recurso especial, o agravante sustenta violação ao disposto
nos arts. 133 e 134 do Código de Processo Civil de 2.015 e no art. 50 do Código Civil.
Alega, o recorrente, que a insuficiência de bens do devedor não é requisito
legal para instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica
segundo a dicção do novo Código de Processo Civil.
2. Em face das circunstâncias que envolvem a controvérsia e para melhor
exame do objeto do recurso, com fundamento no artigo 34, inciso VII, do Regimento
Interno do Superior Tribunal de Justiça, DOU PROVIMENTO ao presente agravo para
determinar a sua conversão em recurso especial, sem prejuízo de novo exame acerca
de seu cabimento, a ser realizado no momento processual oportuno.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 14 de fevereiro de 2018.
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator