Trânsito em julgado não impede sócio de questionar falta de requisitos para desconsideração da personalidade jurídica

Trânsito em julgado não impede sócio de questionar falta de requisitos para desconsideração da personalidade jurídica

O trânsito em julgado da decisão que desconstitui a personalidade jurídica de uma empresa (para possibilitar a execução contra seus sócios) não impede que os sócios posteriormente incluídos na ação discutam a ausência de requisitos para a decretação da medida, já que o trânsito em julgado não atinge quem não integrava a demanda originalmente.

Dessa forma, os sócios poderiam questionar a desconsideração por meio de embargos à execução, como ocorreu em um caso analisado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Na ação, o credor promoveu a execução de título extrajudicial contra uma empresa de assistência médica e, durante o processo, foi declarada incidentalmente a desconsideração da personalidade jurídica para que os sócios respondessem pela dívida, com base no artigo 50 do Código Civil de 2002 e na instauração de procedimento de liquidação extrajudicial contra a executada por parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Os sócios opuseram embargos à execução alegando a ausência de requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica e o cerceamento de defesa, pois, segundo eles, não foram chamados a se manifestar sobre o ato durante o prazo legal.

O tribunal de origem não acolheu as alegações por entender que a discussão sobre a desconsideração da personalidade jurídica já estaria preclusa por força do trânsito em julgado da decisão que decretou a medida e por não serem os embargos à execução adequados para tal contestação.

Partes diferentes

No STJ, o ministro relator, Villas Bôas Cueva, destacou que não há que se falar em preclusão da decisão para os sócios, pois nos autos ficou claro que a desconsideração aconteceu em fase processual anterior ao seu ingresso no processo.

“Verifica-se que o trânsito em julgado da decisão que determinou a desconsideração da personalidade jurídica tornou a matéria preclusa apenas quanto à pessoa jurídica originalmente executada, não sendo possível estender os mesmos efeitos aos sócios, que não eram partes no processo nem tiveram oportunidade de exercer o contraditório e a ampla defesa”, afirmou o relator.

Ação autônoma

Além disso, o magistrado ressaltou que a decisão que desconsiderou a personalidade jurídica foi proferida em caráter incidental, com natureza de decisão interlocutória. Nessas hipóteses, não ocorre coisa julgada, mas, sim, preclusão, que é o efeito processual que inviabiliza às partes a rediscussão do tema apenas naquele mesmo processo em que foi proferida a decisão.

Assim, não haveria vedação a rediscutir a licitude do ato em outro processo, sobretudo porque os embargos à execução ajuizados pelos sócios da empresa desconsiderada possuem natureza de ação autônoma, com partes distintas.

“Seria incoerente que tais particulares não pudessem questionar a licitude da própria decretação de desconsideração da pessoa jurídica, sobretudo tendo em vista que os embargos à execução possuem natureza de ação autônoma, por meio da qual o executado pode alegar qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento (artigo 745, inciso V, do CPC/1973)”, afirmou Villas Bôas Cueva.

Teoria maior

Em relação à alegação de falta de requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica, o ministro entendeu que houve o cerceamento de defesa para os sócios, visto que não tiveram a oportunidade de comprovar que não houve fraude ou abuso na gestão da empresa, requisitos exigidos no artigo 50 do Código Civil.

“Como se sabe, a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica exige a comprovação de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros) ou confusão patrimonial, requisitos que não se presumem mesmo em casos de dissolução irregular ou de insolvência da sociedade empresária”, afirmou.

A turma seguiu o voto do relator e determinou a desconstituição dos atos decisórios e o retorno dos autos ao primeiro grau, para que seja analisada a responsabilidade pessoal dos sócios à luz dos requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil de 2002, garantindo-se a eles a possibilidade de produção de provas conforme oportunamente requerido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.572.655 - RJ (2015/0106668-1)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : MARCOS ANTONIUS BARROS DE OLIVEIRA
RECORRENTE : LAURO TEIXEIRA JUNIOR
ADVOGADO : MARCUS VINICIUS DA SILVA COSTA E OUTRO(S) - RJ073980
RECORRIDO : DIAGNOSTICOS DA AMERICA S.A
ADVOGADOS : RENATO PEREIRA DE FREITAS - RJ086759
BRUNO MACHADO FRAGA E OUTRO(S) - RJ121160
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
DECRETAÇÃO INCIDENTAL. POSSIBILIDADE. EMBARGOS À EXECUÇÃO.
AÇÃO AUTÔNOMA. COGNIÇÃO AMPLA. ILEGITIMIDADE PASSIVA.
ALEGAÇÃO. POSSIBILIDADE. COISA JULGADA. ART. 472 DO CPC/1973. NÃO
CONFIGURAÇÃO. PRECLUSÃO. ART. 473 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA.
ART. 50 DO CC/2002. REQUISITOS. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE.
CERCEAMENTO DE DEFESA. CONFIGURAÇÃO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de
Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. O ato que determina a desconsideração da personalidade jurídica em caráter
incidental no curso de processo de execução não faz coisa julgada, por possuir
natureza de decisão interlocutória. Decisões interlocutórias sujeitam-se à
preclusão, o que impede a rediscussão da matéria no mesmo processo, pelas
mesmas partes (art. 473 do CPC/1973). Precedentes.
3. O trânsito em julgado da decisão que desconsidera a personalidade jurídica
torna a matéria preclusa apenas com relação às partes que integravam aquela
relação processual, não sendo possível estender os mesmos efeitos aos sócios,
que apenas posteriormente foram citados para responderem pelo débito.
4. A jurisprudência do STJ admite a desconsideração da personalidade jurídica de
forma incidental no âmbito de execução, dispensando a citação prévia dos sócios,
tendo em vista que estes poderão exercer seus direitos ao contraditório e à ampla
defesa posteriormente, por meio dos instrumentos processuais adequados
(embargos à execução, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de
pré-executividade). Precedentes.
5. Para aplicação da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica
(art. 50 do CC/2002), exige-se a comprovação de abuso, caracterizado pelo desvio
de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros) ou
confusão patrimonial, requisitos que não se presumem mesmo em casos de
dissolução irregular ou de insolvência da sociedade empresária. Precedentes.
6. Afastada a preclusão indevidamente aplicada na origem, deve ser garantida aos
sócios a possibilidade de produzirem prova apta, ao menos em tese, a demonstrar
a ausência de conduta abusiva ou fraudulenta no uso da personalidade jurídica,
sob pena de indevido cerceamento de defesa.
7. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a
Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze (Presidente), Moura Ribeiro e Paulo de
Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 20 de março de 2018(Data do Julgamento)
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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