Artesanato também se enquadra nos casos previstos para remição de pena na Lei de Execução Penal

Artesanato também se enquadra nos casos previstos para remição de pena na Lei de Execução Penal

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou um recurso do Ministério Público Federal e manteve decisão monocrática do ministro Ribeiro Dantas que considerou o trabalho artesanal como hipótese válida para remição de pena, sendo compatível com o artigo 126 da Lei de Execuções Penais.

Após decisão favorável em primeira instância, a remição de pena foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça de Rondônia, com a justificativa de que era impossível comprovar as horas efetivamente trabalhadas, por falta de fiscalização da administração carcerária. Para Ribeiro Dantas, o apenado não pode ser prejudicado pela ineficiência dos serviços inerentes ao Estado, como a fiscalização do trabalho exercido.

“Cabe ao Estado administrar o cumprimento do trabalho no âmbito carcerário, não sendo razoável imputar ao sentenciado qualquer tipo de desídia na fiscalização ou controle desse meio”, fundamentou Ribeiro Dantas, ao negar o recurso do MPF que buscava reestabelecer a decisão de segundo grau.

O relator lembrou que a administração carcerária atestou o trabalho realizado no âmbito carcerário na produção de tapetes e outros artesanatos, embasando o pedido de remição. O MPF alegou que a remição não era possível, pois não havia aferição da carga horária mínima, natureza do trabalho, finalidade econômica e o papel ressocializador.

Ressocialização

O objetivo da remição de pena, segundo o relator, é dar um incentivo a ressocialização do apenado, sendo descabido criar obstáculos para a concessão do benefício.

“No caso, o reeducando efetivamente exerceu o trabalho artesanal, tendo sido essa tarefa devidamente atestada pelo devido responsável. Por tal motivo, descabe ao intérprete opor empecilhos praeter legem à remição pela atividade laboral, prevista pelo citado artigo 126 da Lei de Execução Penal, uma vez que a finalidade primordial da pena, em fase de execução penal, é a ressocialização do reeducando”.

Ribeiro Dantas salientou a importância das atividades laborais desenvolvidas durante o cumprimento da pena, diante da finalidade primordial do cárcere, que é a ressocialização do preso.

“Certo é que o trabalho, durante a execução da pena, constitui relevante ferramenta na busca pela reinserção social do sentenciado, devendo o instituto ser interpretado de acordo com a relevância que possui dentro do sistema de execução penal, pois visa a beneficiar os segregados que optam por não se quedarem inertes no deletério ócio carcerário”.

No recurso analisado pelo colegiado, o apenado trabalhou na confecção dos tapetes por 98 dias, gerando uma expectativa de remição de 32 dias de pena.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.720.785 - RO (2018/0019270-9)
RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS
RECORRENTE : JONATHAN HENRIQUE DA SILVA VIEIRA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE RONDÔNIA
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto por JHONATAN VIEIRA DA
SILVA, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (n. 0004911-76.2017.8.22.0000) assim
ementado (e-STJ, fl. 111):
Agravo em execução penal. Remição. Confecção de artesanato. Controle
sobre as atividades artesanais. Comprovação. Inexistência. Recurso provido.
A ausência de comprovação do controle das horas das atividades laborais,
da aferição da rentabilidade econômica, bem como do modo como são
realizadas pelas autoridades responsáveis traduz óbice para a concessão da
remição da pena pelo trabalho artesanal.
Nas razões do apelo nobre (e-STJ, fls. 119-124), o insurgente aponta violação
ao art. 126 da LEP.
Em síntese, alega que, se a atividade de artesanato não fosse idônea, não
deveria ter sido permitida ao apenado.
Sustenta que o sentenciado não pode ser prejudicado por falha estatal.
Requer a reforma do acórdão recorrido, a fim de determinar a remição dos dias
trabalhados em atividades artesanais.
Contrarrazões às fls. 139-146 (e-STJ).
Após juízo de admissibilidade (e-STJ, fl. 159), os autos ascenderam a esta
Corte Superior.
O Subprocurador-Geral da República, Francisco Xavier Pinheiro Filho, opinou
pelo não provimento do inconformismo (e-STJ, fls. 171-177).
É O RELATÓRIO.
A irresignação merece prosperar.
Na origem, o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Rolim de
Moura/RO concedeu remição ao reeducando, ainda que a atividade não tenha atendido os
requisitos de ato administrativo penitenciário, pois houve certificação por parte da direção da
unidade prisional que o apenado prestou serviço de artesanato (e-STJ, fls. 24-25):
Vejamos. O relatório de atividades para remição de pena juntado pela
Unidade Prisional às fls. 359 204 dos autos, traz à menção expressa de que
se trata de "atividades laborais, (...) na confecção de artesanatos como jogos
de tapetes em crochê (...)
Pois bem. Ainda que não tenha sido atendido a Portaria da Sejus, restou
declarado pela Direção da Unidade Prisional que houve a realização de
trabalho por parte do apenado. Assim, não obstante tenha a Direção
descumprido as regras que a própria Sejus editou, o reeducando não tem
culpa pela ineficiência da Sejus, não deve ser prejudicado. Claro é que deve

adequar-se e empreender todas as medidas necessárias e cabíveis para
cumprir fielmente a Portaria sob pena deste juízo não mais aceitar as
Declarações.
No mais, ainda necessário fazer um ajuste na Certidão que enviada a este
juízo, pois é certo que não deve ser recepcionada na totalidade. Estabelece o
MASP, em seu artigo 92, parágrafo 1° que o trabalho, seja interno ou
externo à Unidade Prisional, não pode ser inferior a 06 (seis) horas nem
superior a 08 (oito) horas, com descanso aos domingos, feriados e dias
sagrados.
[...]
Destarte, em relação a remições de outubro/2016 a fevereiro de 2017, ficam
aceito para fins de remição 98 DIAS, o que equivale a um abatimento de 32
dias.
O Tribunal local, ao prover agravo em execução interposto pelo Ministério
Público, deixou de considerar os dias trabalhados para fins de abatimento de pena, tendo em
vista a ausência de fiscalização da produtividade, da finalidade educativa e econômica do
labor supostamente realizado pelo apenado, muito menos da carga horária cumprida (e-STJ,
fls. 113-114):
In casu, a remição foi concedida ao fundamento de que o apenado laborou,
por 8 horas diárias, excluídos os sábados, domingos, feriados e dias de
visitas, por 15 dias no mês de outubro/2016; 16 dias em novembro/2016; 17
dias em dezembro/2016; 17 em janeiro de 2017; 15 no mês de fevereiro e 18
no mês de março/2017, totalizando 98 dias, em serviços artesanais de
confecção de jogos de tapete de crochê, gerando expectativa de remição que
totalizariam 32 dias.
Em que pesem os judiciosos argumentos do magistrado a quo, examinando
os argumentos ministeriais, tenho que lhe assiste razão, porquanto a questão
posta esbarra na ausência de formalidade do procedimento adotado para
aferição do trabalho executado.
A propósito, tenho me posicionado no sentido de que as grandes mazelas da
gestão penitenciária estão calcadas nas ações coletivas ou no emprego da
improvisação na sua execução, sendo esse exatamente o caso dos autos.
Com efeito, do modo como feito, ficou evidenciado que a realização deu-se
sem nenhuma fiscalização da produtividade, isso porque além do relatório
de fls. 18 que atestou que o reeducando trabalhou na confecção de jogos de
tapete em crochê por 68 dias, não há nos autos nenhum outro documento
que se possa aferir a carga horária em que ele se dedicou a cada uma das
peças; a sua finalidade produtiva, educativa e, sobretudo, econõmica,
requisitos imprescindíveis para o reconhecimento do trabalho artesanal.
Ora, para o trabalho artesanal ser considerado válido para remição da pena,
deve a administração pública, em caso de eventual projeto com essa
finalidade, se cercar do mínimo de cuidado para dar transparência à
empreitada, de modo que permita ao órgão da execução penal aferir, além
da carga horária, as especificidades das atividades desempenhadas e seu
papel ressocializador, comunicando previamente ao juízo das execuções
penais quais os apenados farão parte daquele projeto.
[...]
Assim, não há como admitir a remição pelo artesanato pela inexistência de
controle formal das horas trabalhadas, pena de conceder remição ficta,

ferindo o princípio da legalidade.
Diante de tais considerações, DOU PROVIMENTO AO AGRAVO para
reformar a decisão atacada, excluindo os 32 dias de trabalho artesanal
concedidos, devendo, de consequência, ser efetuados novos cálculos de
liquidação da pena.
O art. 126 da Lei de Execução Penal determina que o condenado que cumpre a
pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por meio do trabalho ou do estudo,
parte do tempo de execução da pena.
Na hipótese em análise, a remição da pena pelo trabalho foi cassada, pelo
Tribunal a quo, em virtude da impossibilidade de a autoridade carcerária aferir o quantitativo
de horas trabalhadas em decorrência de problemas estruturais e de outros argumentos, para os
quais não contribuiu o apenado, que não pode ser prejudicado pela ineficiência dos serviços
inerentes ao Estado.
No ponto, confira-se o que atesta o Diretor-Geral da Penitenciária de Rolim de
Moura/RO acerca de como é aferido o trabalho dos internos na confecção do trabalho
artesanal de tapetes (e-STJ, fl. 43):
Informo que mensalmente é solicitado pelo diretor de segurança desta
unidade prisional, relação de todos os apenados relatando os tapetes
confeccionados, e repassado ao setor administrativo desta penitenciaria para
a confecção da folha de ponto dos mesmos. Sendo ainda que semanalmente
o senhor [...], tem autorização, para estar coletando os jogos de tapetes
confeccionados, bem com trazer linhas e barbantes para a confecção de
novos tapetes, autorização esta também concedida a familiar dos apenados
em dias específicos. Não existe um controle em que determine qual a
quantidade de confecções de tapetes devera o apenado realizar mensalmente
para obter a referida remição de pena, sendo apenas fiscalizados se
realmente os apenados está confeccionando tapetes nesta unidade prisional.
Ademais, verifica-se que a autoridade administrativa supramencionada atestou
que o ora recorrente - Jhonatan Vieira da Silva - exerceu atividade laborativa consistente em
confecção de jogos de tapetes artesanais (e-STJ, fl. 20):
Informo que o reeducando, JHONATAN VIEIRA DA SILVA, Autos: que
se encontra preso e recolhido nesta Unidade Prisional desde 28 de
NOVEMBRO de 2016, exerceu atividades laborais, conforme consta
abaixo, na confecção de jogos tapetes em crochê.
Certo é que o trabalho, durante a execução da pena, constitui relevante
ferramenta na busca pela reinserção social do sentenciado, devendo o instituto ser
interpretado de acordo com a relevância que possui dentro do sistema de execução penal, pois
visa a beneficiar os segregados que optam por não se quedarem inertes no deletério ócio
carcerário.
O labor, durante execução da sanção corporal, consiste em inegável
valorização do trabalho humano, preconizado pela Constituição da República em seu art. 170.
No caso dos apenados, traz, em sua essência, especial relevância, diante da finalidade
primordial de ressocialização do preso.
Nesse diapasão, cabe, pois, ao Estado, administrar o manuseio de tal
instrumento, que tem por meta a reinserção do preso no meio social, não sendo razoável

imputar ao sentenciado qualquer tipo de desídia na fiscalização ou controle desse meio, que
lhe refoge ao controle.
Conforme se pode notar, no caso, o reeducando efetivamente exerceu o
trabalho artesanal, tendo sido essa tarefa devidamente atestada pelo devido responsável. Por
tal motivo, descabe ao intérprete opor empecilhos praeter legem à remição pela atividade
laboral, prevista pelo citado art. 126 da Lei de Execução Penal, uma vez que a finalidade
primordial da pena, em fase de execução penal, é a ressocialização do reeducando.
Assim, diante da possibilidade de interpretação extensiva in bonam partem, não há falar em afastamento da possibilidade da concessão da benesse àqueles apenados que
estejam vinculados a atividades profissionalizantes, tais como a participação em atividades de
artesanato no interior do estabelecimento prisional.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E
PROCESSUAL PENAL. REMIÇÃO DA PENA. APROVAÇÃO NO
ENEM. INCENTIVO AO ESTUDO. CARÁTER DE RESSOCIALIZAÇÃO
DA PENA. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 126 DA LEP.
POSSIBILIDADE. RECOMENDAÇÃO 44/2013 DO CNJ. UTILIZAÇÃO.
AGRAVO DESPROVIDO.
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça tem admitido que a
norma do art. 126 da LEP, ao possibilitar a abreviação da pena, tem por
objetivo a ressocialização do condenado encorajando inclusive, como no
caso concreto, seu estudo por conta própria e consequente aprovação no
ENEM, sendo possível o uso da analogia in bonam partem, que admita o
benefício em comento em razão de atividades que não estejam expressas no
texto legal, nos termos da Recomendação n. 44/2013 do Conselho Nacional
de Justiça buscando, primordialmente, a readaptação do apenado ao
convívio social.
Precedentes.
2. Agravo desprovido. (AgRg no HC 416.050/SC, Rel. Ministro JOEL
ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 06/02/2018, DJe
19/02/2018)
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO. ATIVIDADE
REALIZADA EM CORAL. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA IN BONAM
PARTEM DO ART. 126 DA LEP. PRECEDENTES. REDAÇÃO ABERTA.
FINALIDADE DA EXECUÇÃO ATENDIDA. INCENTIVO AO
APRIMORAMENTO CULTURAL E PROFISSIONAL. AFASTAMENTO
DO ÓCIO E DA PRÁTICA DE NOVOS DELITOS. PROPORCIONAR
CONDIÇÕES PARA A HARMÔNICA REINTEGRAÇÃO SOCIAL.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL. PROVIMENTO.
1. Em se tratando de remição da pena, é, sim, possível proceder à
interpretação extensiva em prol do preso e da sociedade, uma vez que o
aprimoramento dele contribui decisivamente para os destinos da execução
(HC n. 312.486/SP, DJe 22/6/2015).
2. A intenção do legislador ao permitir a remição pelo trabalho ou pelo
estudo é incentivar o aprimoramento do reeducando, afastando-o, assim, do
ócio e da prática de novos delitos, e, por outro lado, proporcionar condições
para a harmônica integração social do condenado (art. 1º da LEP). Ao
fomentar o estudo e o trabalho, pretende-se a inserção do reeducando ao

mercado de trabalho, a fim de que ele obtenha o seu próprio sustento, de
forma lícita, após o cumprimento de sua pena.
3. O meio musical, além do aprimoramento cultural proporcionado ao
apenado, promove sua formação profissional nos âmbitos cultural e
artístico. A atividade musical realizada pelo reeducando profissionaliza,
qualifica e capacita o réu, afastando-o do crime e reintegrando-o na
sociedade.
4. Recurso especial provido para reconhecer o direito do recorrente à
remição de suas penas pela atividade realizada no Coral Decreto de Vida,
determinando ao Juízo competente que proceda a novo cálculo da
reprimenda, computando, desta feita, os dias remidos como pena
efetivamente cumprida. (REsp 1666637/ES, Rel. Ministro SEBASTIÃO
REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 09/10/2017)
À vista do exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, dou
provimento ao recurso especial, para cassar o acórdão impugnado, a fim de que volte a surtir
efeitos a decisão de fls. 24-25 (e-STJ), que concedera a remição de pena ao recorrente por
força do trabalho artesanal exercido no interior do presídio.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 12 de março de 2018.
MINISTRO RIBEIRO DANTAS, Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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