Ação civil pública por dano ambiental interrompe prescrição de ação individual sobre mesmo dano

Ação civil pública por dano ambiental interrompe prescrição de ação individual sobre mesmo dano

O ajuizamento de ação civil pública por dano ambiental interrompe o curso do prazo prescricional para a propositura de demanda individual acerca do mesmo fato.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que reformou sentença na qual o juízo havia declarado prescrita uma ação indenizatória. A autora da ação, uma dona de casa, alegou que a contaminação do solo e da água por substâncias tóxicas usadas na fabricação de postes causara danos a ela e à sua família.

Segundo a relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, que negou provimento ao recurso da fabricante de postes e de uma distribuidora de energia, a legislação prevê interferência entre os tipos de pretensões defendidas em juízo com base nos mesmos fatos.

“O ajuizamento de ação versando interesse difuso tem o condão de interromper o prazo prescricional para a apresentação de demanda judicial que verse interesse individual homogêneo”, disse. “A legislação em vigor prevê uma clara interferência entre os tipos de pretensões defendidas em juízo, sejam elas difusas, coletivas ou individuais homogêneas, surgidas com base nos mesmos fatos”, completou.

Contaminação

Perícias realizadas após o fechamento da fábrica atestaram a contaminação do solo e da água subterrânea por substâncias químicas danosas, como arsênio, cromo e cobre, que teriam provocado, além de prejuízos ambientais, danos aos moradores próximos. O Ministério Público ajuizou ação civil pública com a finalidade de reparação pelos danos ambientais.

Posteriormente, a dona de casa, que residia perto do pátio da fábrica, também ajuizou ação requerendo indenização por danos morais e materiais, sob a alegação de que ela e a família foram acometidos por diversos problemas de saúde por conta da contaminação ao longo dos anos. Segundo disse, as gestações de dois bebês foram interrompidas, e a filha desenvolveu problemas no sangue. Sustentou também que o filho e o pai, que trabalhava nas empresas, morreram por conta de câncer no cérebro e intestino.

Prazo prescricional

O juízo de primeira instância, com fundamento no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil de 2002, julgou extinto o processo da dona de casa, considerando a prescrição de três anos. Segundo o juízo, o acidente ambiental foi amplamente divulgado na época do fechamento da fábrica, mas a pretensão indenizatória foi ajuizada fora do prazo.

O TJRS, pelo fato de a demanda ser individual, considerou correta a aplicação da prescrição trienal. Entretanto, destacou que a sentença se equivocou ao não considerar a interrupção do prazo prescricional a partir do ajuizamento da ação civil pública e a contagem do termo inicial da prescrição, que deve ser a partir da ciência do dano. Segundo a petição inicial, a ciência ocorreu apenas quatro anos depois do fechamento da fábrica, por meio de perícia requerida pela Justiça do Trabalho e também em razão do ajuizamento da própria ação civil pública.

No recurso ao STJ, as empresas alegaram violação dos artigos 189 do Código Civil e dos artigos 96 a 99 e 103, parágrafo 3º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Segundo elas, o TJRS “inventou” nova causa de interrupção de prescrição, uma vez que a ação coletiva do MP interessa apenas à reparação por danos difusos ambientais, e não individuais.

A ministra Nancy Andrighi explicou que o dano ambiental pode ser caracterizado como individual ou coletivo. No caso do dano coletivo, a prescrição não deve incidir “em função da essencialidade do meio ambiente”. Já nas demandas de cunho individuais, mesmo que causados por danos ambientais, a corte tem aplicado a prescrição prevista no Código Civil. “A depender de como é formulada a pretensão em juízo, o dano ambiental individual mostra-se como um verdadeiro direito individual homogêneo”, disse.

Nova instrução

A relatora, entretanto, ressaltou que o julgamento em definitivo do recurso ficou prejudicado, pois as decisões das instâncias ordinárias não deixaram os fatos incontroversos, já que não esclareceram, por exemplo, se os danos sofridos pela dona de casa foram realmente causados pela contaminação existente na fábrica de postes.

A ministra, então, ao manter a anulação da sentença, determinou o retorno dos autos ao primeiro grau para que seja realizada nova instrução do feito para a prolação de nova sentença. “Dessa forma, ao autor incumbe a tarefa de provar seu prejuízo e seu exato valor”, finalizou.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.641.167 - RS (2014/0329474-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : AES SUL DISTRIBUIDORA GAÚCHA DE ENERGIA S/A
RECORRENTE : AES FLORESTAL LTDA
ADVOGADO : ROBERTA FEITEN SILVA - RS050739
ADVOGADOS : PATRICIA VASQUES DE LYRA PESSOA ROZA - DF020213
RÔMULO GREFF MARIANI E OUTRO(S) - RS081105
RECORRIDO : GENECI DE SOUZA SILVA
ADVOGADOS : GLAUCO DOS REIS DA SILVA - RS067472
TATIANA DE SOUZA OLIVEIRA - RS056438
CARLA GRAZIELA MACHADO - RS081253
INTERES. : COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA
ELÉTRICA CEEED RS
INTERES. : CEEE- GT COMPANHIA ESTADUAL DE GERAÇÃO E
TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO
AMBIENTAL POR PRODUTOS QUÍMICOS UTILIZADOS EM
TRATAMENTO DE MADEIRA DESTINADA À FABRICAÇÃO DE POSTES.
OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. PRINCÍPIO
DA ADSTRIÇÃO OU CONGRUÊNCIA. INTERPRETAÇÃO AMPLA DA
INICIAL. POSSIBILIDADE. DANO AMBIENTAL INDIVIDUAL.
PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. PRECEDENTES.
AÇÃO COLETIVA. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO DE AÇÕES
INDIVIDUAIS. POSSIBILIDADE.
1. Ação ajuizada em 07/12/2012. Recurso especial interposto em 05/02/2014 e
atribuído a este gabinete em 25/08/2016.
2. Inviável o reconhecimento de violação ao art. 535 do CPC/73 quando não
verificada no acórdão recorrido omissão, contradição ou obscuridade apontadas
pelos recorrentes.
3. A decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes não
viola os arts. 128 e 460 do CPC, pois o pedido é o que se pretende com a
instauração da ação. Precedentes.
4. O dano ambiental pode ocorrer na de forma difusa, coletiva e individual
homogêneo este, na verdade, trata-se do dano ambiental particular ou dano por
intermédio do meio ambiente ou dano em ricochete.
5. Prescrição: perda da pretensão de exigibilidade atribuída a um direito, em
consequência de sua não utilização por um determinado período.
6. O termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de
indenização por dano ambiental suportado por particular conta-se da ciência
inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo. Precedentes.
7. O ajuizamento de ação versando interesse difuso tem o condão de interromper
o prazo prescricional para a apresentação de demanda judicial que verse interesse
individual homogêneo.
8. Necessidade, na hipótese dos autos, da completa instrução processual

9. Recurso especial conhecido e não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e
negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros
Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e
Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dra. PATRICIA VASQUES DE
LYRA PESSOA ROZA, pela parte RECORRENTE: AES SUL DISTRIBUIDORA
GAÚCHA DE ENERGIA S/A e AES FLORESTAL LTDA.
Brasília (DF), 13 de março de 2018(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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