Mantida nulidade de testamentos por debilidade mental da testadora
Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que declarou a nulidade de quatro testamentos firmados por idosa que, de acordo com os autos, apresentava quadro de debilidade mental à época da confecção dos documentos públicos. Para o colegiado, o tribunal mineiro aplicou corretamente as disposições do artigo 1.627 do Código Civil de 1916, que estabelece as hipóteses de incapacidade para testar.
Por meio de ação de nulidade de testamento, as netas afirmaram que a avó fez seis testamentos públicos – dois quando seu marido ainda estava vivo e mais quatro após a sua morte. Segundo as autoras, os quatro últimos documentos seriam nulos, já que a avó sofria de demência à época desses testamentos. Elas também alegaram que um dos herdeiros teria se aproveitado da debilidade mental da avó para assumir os negócios e bens da família.
De acordo com os autos, o último testamento determinava que metade do patrimônio disponível seria destinado à Santa Casa de Misericórdia, e outra metade ficaria com o herdeiro contestado pelas netas.
Dificuldades
O pedido de anulação foi julgado procedente em primeira instância, com sentença mantida pelo TJMG, que entendeu que a testadora tinha perdido a capacidade mental para praticar atos da vida civil, inclusive a produção de testamentos.
A relatora do recurso especial da Santa Casa de Misericórdia, ministra Nancy Andrighi, lembrou que a importância da preservação da última vontade do testador foi objeto de normatização pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio do Provimento 56/16. O documento impõe a obrigatoriedade de consulta ao Registro Central de Testamentos On-linepara o processamento de inventários e partilhas.
“É inegável a relevância que o ordenamento jurídico pátrio emprega em favor de se preservar a vontade de disposição patrimonial dos sujeitos que assim desejarem fazer. Por outro lado, questão de alta indagação na doutrina e na jurisprudência se coloca acerca da demonstração inequívoca de que o testador, ao testar, se encontrava ou não em perfeito juízo, isto é, se tinha pleno discernimento da formalidade que o testamento encerra”, apontou a ministra ao lembrar que as dificuldades são ainda maiores quando o testador é falecido ou não é possível realizar provas técnicas.
Relatos médicos
No caso analisado, a ministra apontou que o TJMG, ao confirmar a sentença, concluiu que a testadora, após a morte do marido, não reconhecia os próprios membros da família. Além disso, o tribunal mineiro registrou o relato de médicos que acompanharam a senhora e a diagnosticaram com demência já à época dos últimos testamentos registrados.
“Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado suficientemente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há como alterar a conclusão obtida mediante análise aprofundada de fatos e provas acerca da ausência de perfeito juízo da testadora na lavratura dos quatro últimos testamentos”, concluiu a ministra ao manter a declaração de nulidade.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.694.965 - MG (2015/0176261-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BELO HORIZONTE
ADVOGADOS : JULIANA CORDEIRO DE FARIA - MG063427
ESTER CAMILA GOMES NORATO REZENDE - MG109738
RECORRENTE : MARIO GENIVAL TOURINHO
ADVOGADOS : MÁRIO GENIVAL TOURINHO - MG005994
THIAGO PINTO CUNHA - MG098851
RECORRIDO : ADRIANA BESSONE SADI PEREIRA DA SILVA
ADVOGADOS : SÉRGIO MURILO DINIZ BRAGA - MG047969
MARCO ANTONIO MENDES DE ARAUJO - MG100559
RECORRIDO : ANDRÉA BESSONE SADI
ADVOGADO : ANDRÉA BESSONE SADI (EM CAUSA PRÓPRIA) - MG053865
INTERES. : BRANCA PACHECO DE OLIVEIRA ANDRADE - ESPÓLIO
ADVOGADOS : CAROLINA ANDRADE DE MAGALHAES BERNARDES E
OUTRO(S) - MG096857
RAUL DE ARAUJO FILHO - MG005915N
LETICIA HADDAD MARTINS - MG154430
REPR. POR : JOAO BATISTA MENDONCA RODRIGUES DE MENEZES - INVENTARIANTE
INTERES. : MARILIA DE OLIVEIRA ANDRADE SADI
INTERES. : LEOPOLDO PACHECO BESSONE
ADVOGADOS : RICARDO SOARES MOREIRA DOS SANTOS - MG045817
KARINA TEIXEIRA MAIA E OUTRO(S) - MG070843
EMENTA
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
NULIDADE DE TESTAMENTO. COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO
DAS CUSTAS RECURSAIS POSTERIOR À INTERPOSIÇÃO DA
APELAÇÃO. DESERÇÃO. RECONHECIDA. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. OBSCURIDADE. NÃO
OCORRÊNCIA. CAPACIDADE PARA TESTAR. DEMÊNCIA SENIL.
INTERVALOS DE LUCIDEZ. CC/16. PROVA ROBUSTA. NECESSIDADE.
SÚMULA 7/STJ.
1. Ação ajuizada em 07/06/02. Recursos especiais atribuídos ao gabinete em
25/08/2016. Julgamento: CPC/73.
2. O propósito recursal é definir se deve ser preservada a validade de testamentos
públicos lavrados por testadora que não foi declarada incapaz para testar por meio
de prova técnica acerca da insanidade mental contemporânea ao negócio jurídico.
3. A comprovação do pagamento do preparo relativo à apelação deve ser feita no
ato de interposição do recurso, não se admitindo juntada posterior do
comprovante sem qualquer justificativa da parte.
4. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC/73, rejeitam-se os embargos de
declaração.
5. É inegável a relevância que o Ordenamento Jurídico pátrio emprega em favor
de se preservar a vontade de disposição patrimonial dos sujeitos que assim
desejarem fazer. Por outro lado, questão de alta indagação na doutrina e na
jurisprudência se coloca acerca da demonstração inequívoca de que o testador, ao
testar, se encontrava ou não em perfeito juízo, isto é, se tinha pleno discernimento
da formalidade que o testamento encerra.
6. A capacidade para testar é presumida, tornando-se indispensável prova robusta
de que efetivamente o testador não se encontrava em condições de exprimir, livre
e conscientemente, sua vontade acerca do próprio patrimônio ao tempo em que
redigido o testamento.
7. Na hipótese, o Tribunal de origem registrou que, sem risco de equívocos, a
prova foi robusta diante do comprovado estado precário de sanidade mental da
testadora em momento anterior à lavratura dos testamentos públicos. Rever essa
conclusão demandaria o reexame de fatos e provas (Súmula 7/STJ).
8. Recursos especiais conhecidos e não providos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento aos recursos
especiais, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). ESTER CAMILA GOMES NORATO
REZENDE, pela parte RECORRENTE: SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE
BELO HORIZONTE.
Brasília (DF), 05 de dezembro de 2017(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora