STJ pode decretar prisão preventiva contra governador
Na sessão que confirmou o decreto de prisão preventiva contra o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e de outras cinco pessoas, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou uma questão que fixou um relevante precedente envolvendo a possibilidade de o Judiciário autorizar a adoção de medidas cautelares contra governadores dos estados, sem a prévia autorização das assembléias legislativas estaduais.
A dúvida foi levada à apreciação dos integrantes da Corte pelo ministro Nilson Naves na forma de uma questão preliminar e poderia ter mudado o resultado do julgamento caso o órgão tivesse acatado o entendimento manifestado pelo magistrado. Naves defendeu a impossibilidade de o STJ decretar a prisão contra Arruda.
Para ele, o Tribunal só poderia adotar a medida contra o governador e os demais envolvidos se houvesse, antes, autorização da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Esse requisito está expresso no artigo 60, inciso XXIII, da Lei Orgânica do Distrito Federal. O dispositivo prevê a competência privativa da CLDF para autorização de abertura de processo contra o governador, seu vice e secretários de Estado. O quórum necessário é de dois terços dos parlamentares.
Na defesa de seu ponto de vista, Naves mencionou alguns precedentes do próprio STJ no julgamento de questões semelhantes, entre as quais duas ações penais envolvendo ex-governadores da Bahia e de São Paulo. Ambas foram prolatadas no sentido defendido pelo ministro.
Em contraposição ao entendimento de Naves, o ministro Fernando Gonçalves, relator do inquérito que investiga as acusações contra Arruda, defendeu o decreto de prisão. Para o ministro, como a prisão preventiva é uma medida cautelar necessária para assegurar a regularidade das investigações, sua decretação não estaria vinculada a uma autorização prévia do Legislativo local.
Fernando Gonçalves lembrou que a autorização prévia para processar governadores (condição de procedibilidade) está prevista em algumas constituições estaduais em razão da adoção, por alguns desses entes federativos, do princípio da simetria. Dito de outro modo, os estados repetiram em suas constituições o artigo 51, inciso I, da Constituição Federal, que prevê essa autorização no caso de ações movidas contra o presidente da República, vice e ministros.
Para o relator, a norma expressa na Constituição Federal tem caráter “excepcionalíssimo”. Por isso, argumentou ele, o dispositivo não pode ser estendido aos governadores, sob pena favorecer a impunidade contra agentes públicos e de comprometer a credibilidade do sistema eleitoral.
Na mesma linha de raciocínio de Fernando Gonçalves, o ministro Luiz Fux, presente à sessão, ponderou que a licença prévia da Câmara prevista na Lei Orgânica do DF refere-se ao recebimento da denúncia pelo Judiciário e não a adoção de uma medida cautelar como a prisão preventiva. “A (prisão) preventiva não pressupõe a existência de denúncia ou o recebimento de ação penal, ao contrário”, disse.
Também favoráveis ao entendimento de Fernando Gonçalves, as ministras Eliana Calmon e Nancy Andrighi invocaram na sessão um precedente recente do Supremo Tribunal Federal (STF) no Habeas Corpus 89417/ RO. Relatado pela ministra Carmen Lúcia, a ação questionava a competência do STJ para decretar prisão contra deputado estadual. O Supremo afastou a regra constitucional da autorização prévia por entender que se tratava de uma situação excepcional. Ali, 23 dos 24 deputados da Assembléia Legislativa de Rondônia estavam indiciados em diversos inquéritos, o que naturalmente poderia comprometer o resultado da votação para a licença.
A situação excepcional das acusações contra Arruda e vários integrantes de seu governo, com grande parte dos deputados distritais envolvidos nas denúncias, também foi levada em consideração pelos ministros do STJ no julgamento da questão preliminar. Dos 14 membros da Corte Especial, dez votaram favoravelmente à posição de que é possível ao STJ decretar a prisão preventiva de governadores em situações como a do governador Arruda. Outros três (João Otávio Noronha, Teori Albino Zavascky e Castro Meira) seguiram o entendimento do ministro Naves.