TST mantém reintegração de empregada com AIDS
Presume-se discriminatória a dispensa sempre que o empregador tem ciência de que o empregado é portador do HIV e não demonstrou que o ato foi orientado por outra causa. Com base neste entendimento, a Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho não conheceu dos embargos propostos pela empresa Cryovac Brasil Ltda., mantendo decisão que, considerando discriminatória a dispensa, determinou a reintegração ao emprego de empregada com AIDS.
A ação trabalhista foi ajuizada por uma analista fiscal da Cryovac, contratada em dezembro de 1994, com salário de R$ 1.093,00, e dispensada sem justa causa em março de 1999. Segundo contou na petição inicial, em 1996 a empregada descobriu ser portadora do vírus HIV e ficou um ano afastada do trabalho, em licença médica. Disse que, ao retornar, passou a sofrer discriminação por parte da empresa, que colocou-a em uma sala isolada, sem ventilação, afastada dos demais colegas. Afirmou que foi destituída das funções anteriormente exercidas e passou a ser tratada “como um verdadeiro estorvo, passando de setor em setor”, até ser despedida.
A analista alegou, ainda, que, como soropositiva, não consegue novo emprego e, estando desempregada, não tem suportado o alto custo da assistência médica que necessita. Disse que a dispensa foi discriminatória e pediu indenização por danos morais no valor de 100 vezes sua última remuneração, reintegração ao emprego na mesma função inicialmente contratada e indenização por danos materiais no valor de 18 vezes sua remuneração mensal.
A empresa, em contestação, negou a existência de discriminação. Disse que, ao contrário do alegado pela empregada, assim que soube da doença providenciou médico especializado para acompanhá-la, psicólogo e assistente social. Sustentou que, mesmo no tempo em que a empregada esteve afastada por licença médica, manteve o acompanhamento especializado, pagando inclusive os medicamentos caríssimos de que ela necessitava, dentre eles o AZT, não fornecido pelo INSS. Alegou que a demissão se deu por motivos de reestruturação na empresa, o que levou à dispensa de vários empregados.
A ação foi julgada improcedente pela Vara do Trabalho. Segundo o juiz, as provas dos autos eram no sentido de que a empresa amparou a empregada sempre que necessário, sem praticar qualquer ato que causasse lesão à moral, à honra, à reputação ou à dignidade da trabalhadora. Insatisfeita, a empregada recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), que manteve a sentença. De acordo com o acórdão, “não há preceito legal vigente que estenda ao portador do vírus HIV qualquer modalidade de estabilidade”.
Ao recorrer ao TST, a empregada saiu vitoriosa no pedido de reintegração com pagamento dos salários vencidos. Segundo o voto do ministro Lelio Bentes Corrêa, “em circunstâncias nas quais o trabalhador é portador do vírus da Aids e o empregador tem ciência desse fato, o mero exercício imotivado do direito potestativo da dispensa faz presumir discriminação e arbitrariedade”.
A empresa interpôs, sem sucesso, embargos à SDI, insistindo na tese de que não há norma jurídica que estabeleça a obrigação de manter empregado ou readmitir o portador de HIV, estando dentro da legalidade o exercício do poder de dispensa imotivada. A relatora do recurso na SDI-1, ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, destacou em seu voto que “o sentimento discriminatório não é tratado pelo Direito como causa irrelevante, no que se refere à denúncia do contrato de trabalho pelo empregador. Ao contrário, constitui fator repudiado com veemência pela ordem jurídica e cuja presença no ato da dispensa implica a sua ilicitude”. Segundo a ministra, a dispensa imotivada nesses casos é, na verdade, uma despedida motivada, “mas por motivo torpe, que vicia o ato, ensejando a sua nulidade”.