A exceção do não adimplemento do contrato administrativo

A exceção do não adimplemento do contrato administrativo

O art. 54, da Lei nº 8.666/93, abre espaço para a aplicação dessa exceção aos contratos administrativos, pois prevê que a essa categoria contratual, serão aplicados, “supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado”.

Sabe-se que no universo privado, mais especificamente no que concerne aos contratos bilaterais, vige a cláusula tácita da exceptio non adimpleti contractus, “pela qual cada um dos contraentes deverá respeitar o conjunto indivisível da relação a ponto de não poder reclamar a prestação do outro contratante sem que esteja disposto a executar a sua”. (ROSENVALD, Nelson. Comentário ao art. 476, do Código Civil de 2002. In.: Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Coord. Cezar Peluso. 4. ed. Barueri, SP: Manole, 2010. p. 536.)

A exceção do contrato não cumprido, fundada no art. 476, do Código Civil de 2002, implica na faculdade de uma das partes contratantes pleitear a suspensão do dever de cumprir suas obrigações e até mesmo a rescisão da avença, acaso a outra parte deixe de cumprir seus deveres contratuais.

Mas será que essa exceção, comum no âmbito dos contratos de direito privado, pode ser invocada no campo dos contratos administrativos pelos particulares contratados, como fundamento para a paralisação de suas atividades ou mesmo para a rescisão de tais ajustes, em caso de atraso no pagamento, por parte da Administração Pública?

O art. 54, da Lei nº 8.666/93, abre espaço para a aplicação dessa exceção aos contratos administrativos, pois prevê que a essa categoria contratual, serão aplicados, “supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado”.

Entretanto, a invocação da exceção do contrato não cumprido, no universo dos ajustes administrativos, sofre moderações. Fazemos aqui remissão à previsão do art. 78, XV, da Lei de Licitações, o qual elege como hipótese de rescisão contratual “o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados”. (Destacou-se).

O dispositivo em comento vincula a rescisão do ajuste administrativo aos atrasos de pagamentos devidos pela Administração os quais sejam superiores a 90 (noventa) dias, o que permite a formação da presunção de que, ao se deparar com atrasos inferiores a 90 (noventa) dias, o particular não pode invocar a exceptio non adimpleti contractus, devendo, durante esse período, cumprir todos os seus deveres contratuais, inclusive a manutenção das condições de habilitação.

Apenas em caso de atrasos superiores a 90 dias é que seria admitido o pleito de paralisação das atividades e de rescisão do ajuste, com base na exceção do contrato não cumprido.

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Exceção do Contrato não cumprido

Já quanto aos contratos administrativos, em regra, não se aplica tal cláusula. Assim, não é lícito ao particular, portanto, interromper a execução da obra ou do serviço contratado, ainda que a Administração permaneça sem contraprestacionar essa obra ou serviço. Com isso, rendem-se homenagens ao princípio da continuidade do serviço público, corolário da supremacia do interesse público.

Contudo, essa situação revelou-se bastante rigorosa e prejudicial ao particular contratado, motivo pelo qual a Lei n° 8.666/1993 a atenuou substancialmente, a ponto de hoje podermos falar em relativa ou temporária inoponibilidade da exceção ao contrato não cumprido.

Assim, passou a ser autorizada de forma expressa a oposição dessa cláusula, quando o atraso do pagamento pela Administração seja superior a 90 (noventa) dias (inciso XV) ou, para alguns da doutrina, quando a Administração suspende a execução do contrato por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias (inciso XIV), possibilitando ao contratado a suspensão do cumprimento de suas obrigações ou mesmo a rescisão judicial ou amigável por culpa da Administração, com indenização do particular (cf. incisos do art. 79 da Lei n° 8.666/1993).

Nesse último caso (rescisão contratual), o contratado, nos termos do art. 79, § 2º da Lei n° 8.666/1993, terá direito a ser ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido (danos emergentes), tendo ainda direito à devolução da garantia, pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão e pagamento do custo da desmobilização.

Há também uma terceira e uma quarta hipóteses apontadas pela doutrina e pela jurisprudência, quais sejam, quando a inadimplência do poder público impeça de fato e diretamente a execução do serviço ou da obra e quando o contrato não tenha por objeto a execução de serviço público, pois não se aplica o princípio da continuidade. Inclusive, a referida cláusula de exceção pode ser aplicada antes mesmo de decorridos os 90 (noventa) dias, nas hipóteses em que se torne impossível ou extremamente oneroso para o contratado a prestação do serviço, em virtude de ato ou omissão da Administração Pública (CARVALHO FILHO, 2011).

Em se suspendendo a execução do serviço, o Superior Tribunal de Justiça entende que o particular não necessita ir ao Poder Judiciário para somente após a decisão suspender o contrato, já que essa prerrogativa estaria garantida a ele de pleno direito, obviamente com a ressalva de lhe serem impostas sanções se não aceita em juízo posteriormente a exceção do contrato não cumprido. Cite-se a seguinte decisão, retirada do REsp nº 910.802/RJ, de relatoria da Ministra Eliana Calmon:

José dos Santos Carvalho Filho (2011), porém, é mais cauteloso quanto à autoaplicabilidade da exceção, aduzindo que, a fim de se evitar contestações por parte da Administração, o particular deve recorrer ao Judiciário e, por meio de uma ação cautelar, pretender uma tutela preventiva imediata, o que o livraria do risco de arcar com as consequências do inadimplemento.

Por fim, merece registro o fato de sempre caber para a Administração Pública, no caso de inadimplemento do particular, a arguição da exceção do contrato não cumprido em seu favor, deixando automaticamente de cumprir suas obrigações em face do contratado, como, por exemplo, suspender os pagamentos a ele devidos.

Conclui-se, de tudo quanto exposto retro, que a utilização da exceção do contrato não cumprido pelo particular em face da Administração Pública, com o advento da Lei n° 8.666/1993 e com a evolução da doutrina e jurisprudência, há de ser aceita no meio jurídico com os devidos limites legais, não se podendo falar em inoponibilidade absoluta dessa cláusula, como ocorre no modelo francês. Ademais, quando se tratar de serviços essenciais ou que urgem interesses maiores, deve-se observar o modo pelo qual a execução do contrato seja suspensa, mantendo-se um mínimo para a continuidade do serviço público qualificado como essencial.

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Marcelo Sales Santos
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