Impunidade e deficiência da lei
Quando questionamos a impunidade logo vem à lembrança as deficiências do Código Penal, que apesar de ter sido alterado inúmeras vezes desde os idos de 1984, envelheceu.
Não tenho aqui a pretensão de discorrer com profundidade sobre o instituto da criminologia ou, em última análise, da criminalidade em geral. A imensidão do tema me impede. Proponho-me, modéstia à parte, expor pelo menos uma verdade sobre a impunidade clamorosa no Brasil, que tanto nos atormenta.
Quando questionamos a impunidade logo vem à lembrança as deficiências do Código Penal, que apesar de ter sido alterado inúmeras vezes desde os idos de 1984, envelheceu. Incultos às vezes advogam apaixonadamente que o nosso Código Penal deveria impor maior severidade aos criminosos, com penas excessivas, porque no país a lei é paternalista e a punição é branda.
A grande verdade é que a questão da impunidade tem outra vertente, que não está apenas no Código Penal, mas no Código de Processo Penal, nas leis ordinárias processuais penais. Ao contrário do que muitos pensam, o instrumento jurídico brasileiro que estimula a impunidade é, sem dúvida, nossa codificação processual penal. Aqui reside o cerne da questão. É uma legislação processual que em nome da liberdade, do princípio da inocência (onde o bandido se nivela ao cidadão) e dos direitos e garantias fundamentais privilegia o criminoso em detrimento da cidadania ofendida, agredida e vilipendiada.
Não adianta se aumentar e/ou alterar as penas de um crime para 50 ou 100 anos de reclusão, porque a lei processual é que vai (vamos dizer assim) “guardar” o criminoso no xadrez de um presídio. São leis processuais com defeitos formais gritantes.
Como leciona o professor de Ciências Penais e Segurança Pública, Jeferson Botelho Pereira, “vivemos numa sociedade cujo modelo reinante é o processo de descarcerização, privilegiando, não raras vezes, a liberdade das pessoas infringentes da norma penal. No Brasil, em nome de uma teoria do “Direito Penal Mínimo”, editam-se, cada vez mais, normas para beneficiar os delinqüentes. É preciso que nos afastemos de falácias cabotinas e de discursos antissociais adotados com o intuito de beneficiar delinquentes em prejuízo do povo”.
Assim, em aplauso à superlotação dos presídios, no enaltecimento de um sistema prisional deficiente e ineficiente, editam-se a cada dia mais e mais normas processuais em atenção a uma jurisprudência e a uma orientação jurídica ultrapassada que sustenta no sentido de que a prisão processual somente deverá ocorrer em casos graves, em que a periculosidade do réu é externada e extremada por reincidência ou pela gravidade do delito, porque, hoje, segundo os “feitores” dessas leis, sabemos que tudo o que for para substituir a prisão, especialmente a cautelar, é salutar ao sistema de justiça e ao próprio Poder Judiciário, que está sobrecarregado. Por conta de tudo isso, a prisão não pode ser tida como a finalidade da persecução criminal. E enquanto isso, crime aumenta...; a violência alarma-se...; a criminalidade desagrega...; o banditismo impera...! Ninguém se entende nessa “guerra” jurídica.
Recentemente, apresentou-se ao Congresso Nacional proposição visando que o recurso contra a condenação por crimes graves em concreto não impedirá, como regra, a prisão. A proposição levará em conta ainda o fato de que o juiz leve em consideração, para a imposição ou não da prisão, fatos relevantes para a sociedade e para a vítima como ter sido ou não recuperado integralmente o produto do crime ou terem sido ou não reparados os danos dele decorrente.
Na opinião dos juízes federais Sérgio Moro e Antônio Cesar Bochenek, “o Brasil vive momento peculiar. A crise decorrente do escândalo criminal assusta. Traz insegurança e ansiedade. Mas ela também oferece a oportunidade de mudança e de superação. Se a crise nos ensina algo, é que ou mudamos de verdade nosso sistema de Justiça Criminal, para romper com sua crônica ineficiência, ou afundaremos cada vez mais em esquemas criminosos que prejudicam a economia, corrompem a democracia e nos envergonham como País”.