O princípio da celeridade processual e seu exacerbado enaltecimento

O princípio da celeridade processual e seu exacerbado enaltecimento

Ora, cabe ao Poder Judiciário, na sua atividade precípua, ser uma máquina de produzir sentenças? Logicamente, não. Deve o processo durar o tempo razoável e necessário para oferecer o provimento jurisdicional.

O Princípio da razoável duração do Processo, tão festejado e almejado, seja por leigos ou por estudiosos e operadores do Direito, está positivado na Constituição Federal, em seu inciso LXXVIII, do art. 5º. Este princípio, não inserido pelo Constituinte originário, foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004 (Reforma do Judiciário). Consiste na busca por uma prestação rápida e efetiva através do processo, com o escopo de evitar que os processos se eternizem no tempo sem alguma solução.

Parafraseando Rui Barbosa, logicamente justiça tardia é injustiça institucionalizada. Inúmeros serão os casos, alguns históricos, de que a demora desarrazoável e desproporcional na prestação jurisdicional gera situações que maculam qualquer definição do que seja justiça. Casos que, se relatados, causariam espanto.

Todavia, o que se aborda aqui não é de um culto à morosidade para que se busque um ideal de justiça. O que se pretende é que a celeridade seja discutida de forma eficiente e eficaz, provendo o Poder Judiciário de meios que o torne célere, porém sem se desvencilhar dos outros princípios tão ou mais importantes na prestação jurisdicional. A legislação não deve ser apenas semântica, uma soma de significados e propósitos inalcançáveis. Deve ser um instrumento na efetivação do que se propõe.

Ora, cabe ao Poder Judiciário, na sua atividade precípua, ser uma máquina de produzir sentenças? Logicamente, não. Deve o processo durar o tempo razoável e necessário para oferecer o provimento jurisdicional. A “lentidão” sem nenhuma explicação é passível de punição, mas devemos atentar para o fato de que para um país que incentiva a litigância como forma de resolução de toda a sorte de conflitos, cobrar a pura e simples rapidez não atende a busca por um ideal mínimo de justiça. Nesse passo, indaga-se: qual é o melhor meio para combater a morosidade processual? Será que as reformas, feitas em nossa legislação processual, seriam a melhor solução? Para responder a tais questões, nesse momento, traz-se o presente estudo.

Medidas como a ampliação do número de magistrados e servidores são soluções sempre bem vindas, mas não a principal solução, como pode parecer à primeira vista. Otimização da mão de obra existente, bem como formas de atrair os melhores quadros para atuação no Poder Judiciário são formas mais eficazes que qualquer inserção de legislação na resolução da morosidade. Outro meio que não deve ser olvidado pelo Poder Judiciário é a utilização de ferramentas tecnológicas como forma de efetivar a tutela jurisdicional. Meios como penhora on line são provas inequívocas de que o bom uso de ferramentas tecnológicas são mais eficientes que qualquer inovação legal.

Infelizmente, como uma forma de propagar uma imagem distorcida do cotidiano das Varas e circunscrições em um país de dimensões continentais e população imensa como o nosso, dissemina-se uma imagem de que a lentidão na prestação de sua atividade-fim é culpa pura e simples de uma engrenagem formada por servidores e magistrados despreocupados com a atividade que exercem. Tal argumento, infectado pelo senso comum e por pessoas que preferem espalhar essa falsa constatação, não merece prosperar. Uma engrenagem que incentiva o litígio e não dispõe de meios para desafogar os Tribunais não é culpa do Poder Judiciário. Há de se buscar formas alternativas na resolução de conflitos. Cabe mencionar a conciliação como uma destas alternativas.

Como exemplo de celeridade processual alçada à máxima efetividade, temos a Justiça do Trabalho. Como é notório, este ramo deve equilibrar a hipossuficiência do trabalhador em sua relação de emprego com o empregador. Na maioria das vezes, o embate se dá entre o capital e a força de trabalho, não querendo aqui adentrar no estudo de concepções marxistas, sendo este embate apenas uma constatação do que ocorre na prática. Aspectos relevantes são a unicidade da audiência, o princípio da oralidade e da instrumentalidade das formas. Tais premissas fazem deste ramo um exemplo a ser seguido na resolução das lides em outros ramos do Judiciário.

Entretanto, o cotidiano da Justiça do Trabalho em nada difere dos outros ramos. A busca incessante do provimento jurisdicional como, praticamente, a única forma de resolução de conflitos, aliada à necessidade de intervenção do magistrado para dar uma roupagem efetivamente segura à decisão traz milhões de ações ajuizadas, fato este que dificultará a propagada celeridade. Vê-se claramente que é uma questão mais matemática do que jurisdicional. A demanda é muito maior que o quantitativo de servidores e magistrados podem suportar.

Porém, no caso concreto, além da grande demanda que dificulta o ideal inicialmente imaginado pelo legislador, pode haver um conflito que ofende diretamente outros princípios constitucionais que são de notória e maior importância, quais sejam: a ampla defesa, a isonomia processual e o contraditório e ampla defesa. A respeito deste aspecto, vejamos o que diz o doutrinador Sérgio Pinto Martins:

De outro lado, a audiência una prejudica o reclamante, que muitas vezes não tem como falar sobre um número excessivo de documentos naquele momento. Prejudica também o andamento de outras audiências que se seguem àquela, quando a primeira demora muito, fazendo com que fiquem atrasados os trabalhos e haja impaciência das partes e advogados.

Outro fato que merece destaque, em se tratando da exaltação a pura e simples celeridade processual, como um fim inequívoco em sim mesma, é a quantidade imensa de acordos realizados. Logicamente, a busca pela conciliação é um dever a ser observado pelo juiz na condução da audiência. Cabe registrar novamente Sérgio Pinto Martin, conforme segue:

Em Varas que realizam audiências unas, há grande incidência de acordos, pois as partes sabem que têm de trazer testemunhas na primeira audiência e muitas vezes as testemunhas não comparecem, acabando as partes transigindo. Muitas vezes, por inexistir outra oportunidade para se fazer a prova é que os acordos acabam saindo.

Em se tratando de um tema difícil que é a justiça no processo, há de se ter em mente que tal questão não atinge somente preocupações como o contraditório e a ampla defesa, mas também objetiva a interpretação da lei. Vejamos o que diz o grande doutrinador Humberto Theodoro Júnior:

Na interpretação e aplicação do direito positivo, ao julgar a causa, cabe-lhe, sem dúvida, uma tarefa integrativa, consistente em atualizar e adequar a norma aos fatos e valores em jogo no caso concreto. O juiz tem, pois, de complementar a obra do legislador, servindo-se de critérios éticos e consuetudinários, para que o resultado final do processo seja realmente justo, no plano substancial. É assim que o processo será, efetivamente, um instrumento de justiça.

Trazendo ao trabalho recente julgado, há uma certa tendência que a jurisprudência vem manifestando no sentido de que mesmo que o art. 849 da CLT preveja a unidade das audiências trabalhistas, para que não ocorra o cerceamento de defesa, as partes devem ser cientificadas, previamente, da unicidade:

NULIDADE. ALEGAÇÃO DE OCORRÊNCIA DE AUDIÊNCIA UNA. CERCEAMENTO DO DIREITO DE PRODUZIR PROVA. INEXISTÊNCIA. O art. 849 da CLT preceitua a unidade das audiências trabalhistas, de forma que, se a audiência foi contínua, e a parte foi cientificada da unicidade, não há falar em nulidade da sentença por cerceio do direito de produzir prova, pois a ela cabia diligenciar no sentido de levar suas testemunhas ou, ainda, pugnar pela sua oitiva, por carta precatória. (TRT-3 - RO: 01998201204103000 0001998-51.2012.5.03.0041, Relator: Luis Felipe Lopes Boson, Sétima Turma, Data de Publicação: 14/06/2013 13/06/2013. DEJT. Boletim: Não.)

Assim, a parte deve ser devidamente cientificada sobre a unicidade da audiência, para que produza as provas necessárias na data marcada, ou seja, caso não ocorra a informação prévia de que a audiência será una (rito ordinário), se estará prejudicando rigorosamente o direito à defesa da parte. Portanto, caso existente o cerceamento de defesa, o processo ficará passível de nulidade, requerida em tempo útil pela parte lesada.

Desta forma, com o exemplo aqui posto da Justiça Trabalhista, para se alcançar o verdadeiro ideal de justiça deve existir um equilíbrio entre a celeridade processual e os direitos fundamentais da defesa das partes, caso contrário, a sociedade estará se sujeitando a uma lenta deterioração, ofendendo a uma luta histórica pela conquista dos Direitos Trabalhistas, sob a justificativa da redução do acúmulo de processos nas varas trabalhistas.

Sendo assim, uma busca exacerbada da celeridade processual com um fim em si mesmo, não deve ser a única forma de mensurar a efetividade na prestação jurisdicional. O Poder Judiciário não é uma fábrica de sentenças. Princípios como o contraditório e a ampla defesa tem um grau de importância muito grande na condução de um processo que busca o ideal de justiça. A celeridade deve ser incentivada e buscada pelos mais diversos meios, pois não deve o jurisdicionado esperar infinitamente pela tutela jurisdicional na entrega do bem da vida, mas não deve se sobrepor aos demais princípios.

Em suma, deve-se intentar uma plena adequação ao que se propõe tutelar na legislação, com o que efetivamente ocorre nas varas trabalhistas neste país. É louvável o desapego ao exacerbado formalismo, à instrumentalidade das formas, à celeridade processual. Mas não deve a busca de um ideal de justiça ater-se apenas a uma interface. Espera-se que o objetivo da norma, conjugado à prática nos tribunais e a disposição de meios eficientes torne o Judiciário célere e eficiente na condução de seu importante papel.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

<http://www.tex.pro.br/home/artigos/287-artigos-nov-2014/6830> acessado em 2 de fev. 2015.

PEREIRA, Leone. Manual de Processo do Trabalho. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

THEODORO Junior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 51.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, V. I.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 32.ed São Paulo: Atlas. 2011.

Sobre o(a) autor(a)
Rogerio Ribeiro da Silva
Rogerio Ribeiro da Silva Estudante da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília
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