A Emenda Constitucional nº 66 e seus reflexos na separação judicial

A Emenda Constitucional nº 66 e seus reflexos na separação judicial

Com a aprovação da Emenda Constitucional em questão, o pedido de divórcio passou a ser um direito potestativo do cônjuge, independentemente de benefícios ou desvantagens à facilitação do divórcio.

A Emenda Constitucional nº 66, promulgada em 13 de julho de 2010, contendo um único artigo, promoveu uma interessante alteração no artigo 226 da Constituição Federal, extinguindo qualquer pré-requisito temporal ou fático para a concessão do divórcio, possibilitando, portanto que um casal contraia matrimonio em um dia e se divorcie no dia seguinte.

A separação judicial promove a dissolução da sociedade conjugal, enquanto o divórcio põe fim ao vínculo conjugal, permitindo aos cônjuges contrair novo matrimônio. Até a promulgação da referida emenda, o divórcio poderia ser decretado como conversão da separação judicial decretada há mais de 1 (um) ano, ou após 2 (dois) anos da separação de fato do casal, mediante pleito de divórcio direto.

A separação judicial como fase intermediária vinha sido mantida por ser o Brasil um país tradicionalmente fiel às concepções da Igreja Católica, no qual muitos de seus fies mostravam-se contra a dissolução do casamento sacramentado, motivo pelo qual a lei dificultava o divórcio imediato, na expectativa de que o casal, repensando seu casamento nesse período, decidisse por reatar a sociedade conjugal.

De outra banda, a desburocratização do divórcio traz um reflexo econômico significativo, já que não mais precisarão as partes arcas com custas processuais, cartorárias, nem honorários advocatícios por duas vezes.

Com a aprovação da Emenda Constitucional em questão, o pedido de divórcio passou a ser um direito potestativo do cônjuge, independentemente de benefícios ou desvantagens à facilitação do divórcio.

Entretanto, uma dúvida persiste e a doutrina se pergunta: Com a promulgação da Emenda a separação judicial ainda existe no ordenamento brasileiro, ou não, uma vez que a lei silencia-se quanto ao referido instituto?

Certo resta que esse tema do qual tratou a emenda nº 66/2010 possui uma intensa carga histórica e teológica, não que o Direito como um todo não possua, mas o assunto em especial desafia a percepção humana sobre a importância e a razão de ser da família. Entretanto, os hábitos familiares são sempre cambiantes e o direito tende a observar esse dinamismo e adequar-se aos anseios sociais de cada época.

Em sua origem histórica, o Brasil tornou-se um Estado laico com o Decreto nº119-A/1890 idealizado por Ruy Barbosa e até o advento do Decreto, a religião Católica Romana era tida como oficial, havendo liberdade de crença, mas os cultos de religiões diferentes, só podiam ser realizados no âmbito dos lares. Decorre dessa realidade, que independentemente de sermos um Estado laico, aonde o mundo civil não se vincula às confissões religiosas, nenhuma estrutura já existente se rompe bruscamente de uma hora para outra, toda mudança deixa vestígios que podem ou não serem apagados com o tempo ou mesmo serem mantidos intactos por determinados grupos. Em relação à solubilidade do vinculo matrimonial não poderia ser diferente, denotando tradições ainda regidas pelos ditames e ensinamentos da Igreja Católica decorrentes de resquícios da não laicidade do Estado, grande número de fieis e lenta adaptação dos preceitos cristãos à nova realidade que se traduz em uniões casa vez mais efêmeras. O Direito vem tentando adequar-se a tudo isso, pouco a pouco, através de diversas alterações legislativas que retiram cada vez mais a interferência do Estado na vida e nas escolhas pessoais dos cidadãos, sem, contudo perder a noção de que o direito de família possui normas de interesse publico que visam proteger e dar supedâneo à existência da célula base de toda e qualquer sociedade.

Desta forma, a família, coluna vertebral da sociedade como afirmou Ives Gandra merece especial atenção, proteção e zelo, mas será que isso decorre da

blindagem casamento (como solenidade) a qualquer custo? Fato é, que a discussão acerca de subsistir ou não a separação judicial dentro do ordenamento jurídico só se faz necessária porque as pessoas entendem que família é sinônimo de casamento “de papel passado”. E isso se protrai em uma mentalidade inquietante por parte dos juristas quanto ao real significado da Emenda 66/2010, pois o fim do casamento seria sinônimo de fim da família. Entretanto, na prática o fim da família se dá, efetivamente, no processo de convivência de um casal que em muito antecede o Divórcio. Aos que prezam por sua manutenção, em analogia ao Direito Penal, o divórcio seria a consumação do fim de uma família e a simples existência da separação judicial ainda que não condicionante após a emenda, se prestaria como uma circunstancia alheia a vontade do agente que poderia evitar a consumação. E mais, antes da alteração do texto constitucional, esperava-se que separação judicial funcionasse como o “arrependimento eficaz” do Direito de Família.

Quanto à técnica legislativa, convenhamos que não foi o primor do mundo jurídico, mas fato é que qualquer alteração Constitucional se revogadora tácita, a será em relação ao que lhe for realmente incompatível. Ou seja, os únicos incompatíveis, portanto, seriam os dispositivos infraconstitucionais que condicionassem o divórcio de qualquer maneira, não permitindo aos cônjuges fazer uso de seu direito potestativo de dissolução do vinculo conjugal.

Dessa forma, se um cônjuge que obtivesse prova de séria violação de um dos deveres do casamento poderia utilizar-se livremente da separação judicial com culpa (dispositivo não obstador, portanto, em tese ainda vigente) para coibir a prestação de alimentos ao outro cônjuge e utilização do nome de casado.

Entretanto, há uma situação nebulosa a ser pensada: Sendo o divórcio agora um direito potestativo como já mencionado, caso um dos cônjuges faça uso da separação judicial com culpa, arguindo quebra de um dos deveres do casamento, pleiteando abster-se do pagamento de alimentos e outras implicações, bastaria o cônjuge- réu, ao invés de contestar tal ação, valer-se de uma Ação de Divórcio (que não induziria litispendência haja vista terem causas de pedir e pedidos diversos), e obter a dissolução do vínculo e da sociedade conjugal, fazendo com que a ação de separação perdesse o objeto central, sendo extinta sem resolução de mérito por falta de interesse de agir.

Parece simples a questão, mas não é, tanto que os magistrados decidem de formas diversas quando se deparam com uma ação de separação judicial nova ou em curso após a promulgação da emenda. E isto é o que não pode ocorrer, pois não estamos falando de divergência fático - probatória que confere ou não a uma parte a procedência de seu pedido a partir da análise da subsunção. Estamos entrando no campo da garantia constitucional que é o direito de Ação (art. 5º, XXXV, CF/88), pois como uma parte pode entrar com uma ação em uma vara (cujo juiz entenda que a ação de separação judicial subsista) e em outra não? Essa questão pede uma rápida uniformização, ainda que venha a ser discutido e mudado o entendimento posteriormente. O que não se pode conceber é mitigação do direito de ação, preocupando-se os juristas mais doutrinar, criando teses e explanações sobre o que seria melhor para a família de acordo com suas convicções pessoais – por mais que de suma importância seja a calorosa discussão – deixando de lado as próprias famílias da vida real em razão de uma técnica legislativa incompleta e dúbia.

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Karla Cortez de Souza
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