A contratação de escritórios de advocacia por prefeituras

A contratação de escritórios de advocacia por prefeituras

O Superior Tribunal de Justiça considerou válida a contratação de escritório de advocacia sem licitação ante a natureza intelectual e singular dos serviços, a moderação nos honorários e a relação de confiança entre o contratante e contratado.

A contratação de escritórios de advocacia por prefeituras ganhou relevo nos últimos anos em razão do número elevado de ocorrências, os valores pactuados, a discussão sobre a possibilidade ou não destas licitações excepcionais e os aspectos subjetivos que permeiam estas relações.

O art. 37 da Constituição Federal de 1988 foi redigido de forma a impor, como regra geral no processo licitatório, a primazia da competição e os requisitos mínimos elencados no art. 37, inciso XXI. Mas, mesmo o dispositivo citado prevê ressalvas em casos específicos na legislação, hipóteses em que a licitação pública seria dispensada ou inexigida, a fim de cumprir as especialidades dos objetivos requeridos, o que levanta a polêmica acerca das licitações ou dispensa delas nas contratações de escritórios de advocacia por prefeituras.

A ressalva que se refere o tema está regulada pela Lei n.º 8.666/93, nos artigos 24 (incisos II e IV) e 25, à contratação direta, ou seja, aquela que não exige licitação. A regra geral exige a escolha da modalidade mais adequada, desde concorrência, tomada de preço até carta convite.

As dispensas ao processo licitatório ocorrem sob a alegação da hipótese de incidência do art. 25 da Lei n.º 8.666/93. Mas, na realidade, tais contratos representam serviços que dizem respeito à simples consultorias jurídicas costumeiras, cujos procuradores do município seriam plenamente capazes de responder ou cuja realização prescindiria da realização de processo de licitação regular.

Os dispositivos citados:

Art. 24.  É dispensável a licitação:

II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I – omissis;

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

III -omissis

§ 1o Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.”

A forma mais adequada para a contratação de serviços advocatícios é aquela prevista no art. 25, II, § 1º c/c art. 26, § único c/c art. 13, II, III e V, todos da Lei 8.666/93, onde o profissional escolhido deverá possuir reputação ilibada e notável saber jurídico.

Contudo, não é isso que se observa nas contratações ao redor do país, sendo tais licitações objeto de censura pelo Ministério Público.

As Ações Civis Públicas promovidas pelo MP contêm invariavelmente pedidos subsidiários de devolução dos valores recebidos, o ressarcimento pelos danos causados ao patrimônio público, à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos por 8 (oito) anos, à proibição de contratar com o Poder Público por 5 (cinco) anos.

A condenação dos réus, aplicando as sanções previstas no artigo 12, II, da Lei 8.429/92, incluem a devolução ao município do valor do contrato de prestação de serviço:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

I - omissis

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - omissis

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

De outro lado, a Lei n.º 8.906/94 impede que o advogado angarie ou capte clientes (art. 34, IV) e impõe o cumprimento dos deveres éticos sob as mais diversas penas, conforme o Código de  Ética (art.33). E, sendo o advogado instrumento indispensável à administração da justiça, é incompatível o exercício da advocacia com qualquer procedimento de mercantilização (art. 5º).

Neste contexto, os honorários devem ser fixados com moderação (art. 36), mas nunca abstraídos ou em patamar inferior ao mínimo estabelecido pela OAB, devendo o advogado evitar o aviltamento dos honorários profissionais (art. 41).

O Superior Tribunal de Justiça considerou válida a contratação de escritório de advocacia sem licitação ante a natureza intelectual e singular dos serviços, a moderação nos honorários e a relação de confiança entre o contratante e contratado, elementos que legitimaram a dispensa de licitação para a contratação de profissionais de direito. A Primeira Turma do STJ decidiu que por motivo de interesse público, pode o ente municipal fazer uso da discricionariedade que lhe foi conferida pela Lei n.º 8.666/93 para escolher o melhor profissional.

A justificativa é que o advogado se enquadrava nas hipóteses excepcionais de inexigibilidade do processo licitatório, pela experiência profissional e os conhecimentos individuais, a moderação na quantia contratada. Eis um trecho do acórdão:

“A singularidade dos serviços prestados pelo advogado consiste em seus conhecimentos individuais, estando ligada à sua capacitação profissional, sendo, desta forma, inviável escolher o melhor profissional, para prestar serviço de natureza intelectual, por meio de licitação, pois tal mensuração não se funda em critérios objetivos (como o menor preço)” REsp 1192332

Em Cacoal, localizada no interior de Rondônia, o Ministério Público ofereceu denúncia contra o prefeito da cidade, Francesco Vialleto e o Procurador Geral do Município, Edinaldo da Silva Lustoza, por realizarem contratação ilegal de escritório de advocacia, com o intuito de prestar serviços ao município.

A denúncia imputou infração ao artigo 89 da Lei n.º 8.666/93 – Lei das Licitações e Contratos Públicos. No caso, considerou-se irregular a dispensa de licitação, pois os serviços objetos da contratação não eram singulares, mas corriqueiros às atividades praticadas pelo Procurador do Município. De outro giro, não foi comprovada a notória especialização exigida pela legislação.

Em Itabira (MG), foi determinada judicialmente multa diária caso a administração pública municipal não suspendesse os pagamentos ao escritório de advocacia contratado, em atendimento ao pedido do Ministério Público na ação civil por ato de improbidade administrativa. Em caso de descumprimento da ordem, seriam responsabilizados o prefeito, o advogado, o chefe fé gabinete, o secretário municipal de administração e os membros da Comissão de Licitação.

Na cidade de Iporá o promotor de Justiça, intentou mesma demanda de improbidade administrativa contra o ex a o atual prefeito, por contratos irregulares e superfaturados firmados pela municipalidade.

O MPE também se insurgiu contra as contratações ocorridas em Santa Cruz do Rio Pardo, através da ACP promovida contra o prefeito Adilson Donizeti (PSDB), onde eram fechados contratos altíssimos para contratação de advogados particulares. O prefeito de Teixeira de Freitas, João Bosco Bittencourt (PT), sofreu ação de improbidade administrativa, em menos de 10 meses à frente da prefeitura, pelas mesmas razões.

A Justiça de Douradoquara (Minas Gerais) determinou a suspensão imediata do contrato entre a Prefeitura e o escritório particular de advocacia, com o bloqueio de bens até o valor de R$ 360 mil. O juiz entendeu que não ficou caracterizado o "cunho singular, específico e excepcional da prestação do serviço contratado", indispensável para avalizar a dispensa de licitação pela Prefeitura. E, a identidade de datas entre a publicação do edital de inexigibilidade de licitação e a celebração do contrato reforçava ”ainda mais a constatação de que os requeridos praticaram ato administrativo apto a dilapidar o erário público e ainda atentaram contra os princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade." (FONTE Ministério Público Estadual de Minas Gerais)

A sobrecarga de trabalho na rotina diária dos procuradores municipais não é escusa legal prevista na legislação nem tampouco constitui motivo razoável para as contratações irregulares e tão prejudiciais ao erário.

Algumas contratações chegavam a prever percentuais de recebimento em condenações favoráveis ao município, tornando os advogados verdadeiros “sócios” do ente municipal ou chegaram a ter como valor global o importe de R$ 860 mil. Em Minuçu (Goiás), as quantias a serem devolvidas perfaziam o montante de R$ 603 mil, sem prejuízo dos R$ 30 mil, a serem pagos individualmente, por danos morais.

Não é incomum que tais escritórios de advocacia tenham prestado serviços jurídicos expressamente ou não aos contratantes durante o período eleitoral ou em suas respectivas campanhas eleitorais prévias. As contratações futuras parecem compensações de favores privados com dinheiro público.

Outro perigo neste tipo de contratação foi o que ocorreu em Trairi, o MPE, através da Operação Trairi Limpo II, apurou que 90% do valor das indenizações destinadas aos clientes da prefeitura ficavam com os advogados, que retinham um total de R$ 631 mil e, noutras circunstâncias buscar efetivamente tais valores torna-se uma missão quase impossível, vez que esvaídos por diversos meios.

A questão é tão relevante e controversa que a OAB chegou a publicar as Súmulas n.º 04 e 05/2012, ambas de 23/10/2012, a respeito do tema, manifestando-se favoravelmente a este tipo de contratação e deixando de considerar o advogado passível de responsabilização cível ou criminal caso o faça:

“ADVOGADO. CONTRATAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. Atendidos os requisitos do inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, é inexigível procedimento licitatório para contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública, dada a singularidade da atividade, a notória especialização e a inviabilização objetiva de competição, sendo inaplicável à espécie o disposto no art. 89 (in totum) do referido diploma legal.”

“ADVOGADO. DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. CONTRATAÇÃO. PODER PÚBLICO. Não poderá ser responsabilizado, civil ou criminalmente, o advogado que, no regular exercício do seu mister, emite parecer técnico opinando sobre dispensa ou inexigibilidade de licitação para contratação pelo Poder Público, porquanto inviolável nos seus atos e manifestações no exercício profissional, nos termos do art. 2º, § 3º, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB).”

O argumento é de que é inexigível procedimento licitatório para contratação de serviços advocatícios, em função da singularidade da atividade, a notória especialização e a inviabilização objetiva de competição. Mas, mesmo dentro da instituição existem correntes divergentes, visto que flagrantemente representa o aviltamento dos honorários, infração ética disciplinar na categoria. Cabe ressalvar que tais Súmulas não possuem qualquer poder legal vinculante.

As praticas indicam invariavelmente o direcionamento da contratação, baixa produtividade e fragilidade da descrição dos serviços tidos como realizados, ausência de justificativa relevante, singular e emergencial para a contratação. Na maioria dos casos são patentes as ofensas aos princípios da moralidade, isonomia, eficiência e indisponibilidade do interesse público. As exceções existem e são permitidas, como bem ponderou o STJ, perceptíveis geralmente pela moderação dos valores recebidos, mas a regra geral é assustadora, contratos com valores astronômicos e constituídos de forma processualmente irregulares, visivelmente em descompasso com os interesses da população e diametralmente opostos a proteção de qualquer interesse da municipalidade.

Fontes

1- Ministério Público

2 – Ordem dos Advogados do Brasil

3 – Superior Tribunal de Justiça

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Guilherme Pessoa Franco de Camargo
Guilherme Pessoa Franco de Camargo
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