Aspectos controversos quanto ao sujeito ativo e passivo da Lei Maria da Penha

Aspectos controversos quanto ao sujeito ativo e passivo da Lei Maria da Penha

Não se pode deduzir, porém, que a mulher seja a única e exclusiva vítima potencial ou real de violência doméstica, familiar ou de relacionamento íntimo.

O artigo 5º da Lei 11.340/2006 determina que, para seus efeitos, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, psíquico, sexual e dano moral ou patrimonial, praticada no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto[1].

Em um primeiro momento, diante desse conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher, pode-se afirmar que os sujeitos do crime previsto na Lei 11.340/2006, são:

·  sujeito passivo: somente a mulher que tenha sido vítima de agressão decorrente de violência doméstica e familiar;

·  sujeito ativo: somente o homem.

Contudo, há opiniões doutrinárias que não encaram de forma tão simples essa afirmação, devido ao disposto no art. 5º, parágrafo único, da Lei Maria da Penha: “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”, ou seja, quando se fala em violência doméstica e familiar contra a mulher, o foco principal de tudo isso é o sujeito passivo, a mulher, sendo que independe se o sujeito ativo da violência é homem ou mulher.

Como se destaca na sequência, alguns doutrinadores defendem que o sujeito passivo também pode ser o homem, assim como o sujeito ativo pode ser a mulher. Sem dúvida, existem controvérsias. Souza descreve, com propriedade, a controvérsia quanto ao sujeito ativo dos crimes tratados nessa lei:

O tema tem dado ensejo a uma aberta divergência quanto à pessoa que pode figurar como autor dos crimes remetidos por esta Lei, havendo uma corrente que defende que, por se tratar de crime de gênero e cujos fins principais estão voltados para a proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar, com vistas a valorizá-la enquanto ser humano igual ao homem e evitar que este se valha desses métodos repugnáveis como forma de menosprezo e de dominação de um gênero sobre o outro, no pólo ativo pode figurar apenas o homem e, quando muito, a mulher que, na forma do parágrafo único deste artigo, mantenha uma relação homoafetiva com a vítima, ao passo que uma segunda corrente defende que a ênfase principal da presente Lei não é a questão de gênero, tendo o legislador dado prioridade à criação de “mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, sem importar o gênero do agressor, que tanto pode ser homem, como mulher, desde que esteja caracterizado o vínculo de relação doméstica, de relação familiar ou de afetividade[2].

Contudo, para Luiz Flávio Gomes, que é adepto da segunda corrente citada por Souza:

O Sujeito ativo da violência pode ser qualquer pessoa vinculada com a vítima (pessoa de qualquer orientação sexual, conforme o art. 5º, parágrafo único): do sexo masculino, feminino ou que tenha qualquer outra orientação sexual. Ou seja, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo da violência, basta estar coligada a uma mulher por vínculo afetivo, familiar ou doméstico, todas se sujeitam à nova lei. Mulher que agride outra mulher com quem tenha relação íntima, aplica-se a nova lei.

A essa mesma conclusão se chega, na agressão de filho contra mãe, de marido contra mulher, de neto contra avó, de travesti contra mulher, empregador ou empregadora que agride empregada doméstica, de companheiro contra companheira, de quem está em união estável contra a mulher, etc..[3]

Já para Silva Júnior, nos crimes de gênero definidos no art. 5º, da Lei 11.340/2006, somente a mulher pode ser sujeito passivo e somente o homem pode ser sujeito ativo, desde que entre eles exista uma relação de afetividade, independentemente de qualquer preferência sexual dos sujeitos.[4]

Para este estudioso, a mulher que tiver orientação sexual diversa da tradicional não perde a proteção da lei, bem como o homem não pode invocar sua opção sexual para tentar se eximir dos preceitos da lei. Para ele, outra interpretação do parágrafo único do artigo 5º da Lei Maria da Penha, pode levar à inconstitucionalidade da lei, pois discrimina a isonomia dos sexos.

Não obstante tais argumentos, a posição de Luiz Flávio Gomes parece ser a melhor interpretação, porque qualquer pessoa pode ser sujeito ativo da violência; bastando estar coligada a uma mulher por vínculo afetivo, familiar ou doméstico.

É importante ressaltar, que não é qualquer mulher e nem qualquer homem que podem ser sujeitos dos crimes previstos na Lei Maria da Penha. Entre eles deve existir uma relação pessoal, ou seja, de afetividade ou doméstica (art. 5º, I e III), que tanto pode decorrer do parentesco, do relacionamento amoroso e da convivência ou ex-convivência no lar. Um homem que agride uma mulher na rua para roubar sua bolsa, não é processado e julgado nos termos da Lei Maria da Penha, mas sim pela suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003.

NOTAS

[1]CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), comentada artigo. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

[2] SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência contra a Mulher. Curitiba: Editora Juruá, 2007.

[3] GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Lei da Violência contra a mulher: inaplicabilidade da lei dos juizados criminais. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1192, 6 out. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9009. Acesso em: 25 maio. 2011

[4] SILVA, JÚNIOR, Edison Miguel da. Direito penal de gênero. Lei 11.340/2006: Violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1231, 14 nov. 2006. Disponível em: http://jus2.com.br/doutrina/texto.asp?id=9144. Acesso em: 19 maio. 2011.

Sobre o(a) autor(a)
Alexandre Joaquim de Brito
Alexandre Joaquim de Brito, Consultor Jurídico, Pós Graduado em Ciências Penais.
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