Da confissão no direito processual penal

Da confissão no direito processual penal

A confissão está prevista no título das provas no Código de Processo Penal, artigos 197 a 200, encontrando ainda, sobre a confissão, resquícios no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código Penal, e nas legislações extravagantes.

CONCEITO E REFERÊNCIA LEGAL

No dicionário, a palavra confessar significa “declarar, revelar; reconhecer a verdade, a realidade”. Por confessado ou confesso entende-se “aquele que confessou”; confessando, “aquele que vai confessar-se” e confessor aquele que ouve a confissão (FERREIRA, p. 168, vide também GUIMARÃES, p. 195/196).

Pois bem. Ao ato de assumir a responsabilidade penal de um fato delituoso, dá-se o nome de confissão. Ou, em outras palavras, consiste na admissão como verdadeiro dos fatos imputados contra o confesso.

Nesse contexto, Nestor TÁVORA e Rosmar ANTONNI apresentam detalhadamente o conceito de confissão (p. 359):

É a admissão por parte do suposto autor da infração, de fatos que lhe são atribuídos e que lhe são desfavoráveis. O reconhecimento da infração por alguém que não é sequer indiciado não é tecnicamente confissão, e sim auto-acusação. Confessar é reconhecer a autoria da imputação ou dos fatos objeto da investigação preliminar por aquele que está no polo passivo da persecução penal.

A confissão está prevista no título das provas no Código de Processo Penal, artigos 197 a 200, encontrando ainda, sobre a confissão, resquícios no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código Penal, e nas legislações extravagantes.

Destarte, a confissão nada mais é que a aceitação pela parte passiva da persecução penal dos fatos delituosos que lhe são desfavoravelmente imputados, vale dizer, é o reconhecimento da imputação que lhe é feita.

OBJETO, FUNDAMENTO HISTÓRICO E NATUREZA JURÍDICA

O objeto da confissão é o fato criminoso e não sua capitulação jurídica. “A confissão recai sobre fatos, pois apenas dos fatos o réu se defende” (TÁVORA e ARAÚJO, p. 268).

Sobre o fundamento histórico da confissão, Aury LOPES JR ensina que “No fundo, a questão situava-se (e situa-se, ainda) no campo da culpa judaico-cristã, em que o réu deve confessar a arrepender-se, para assim buscar a remissão de seus pecados (inclusive com a atenuação da pena, art. 65, III, “d”, do Código Penal). Também é a confissão, para o juiz, a possibilidade de punir sem culpa. É a possibilidade de fazer o mal através da pena, sem culpa, pois o herege confessou seus pecados” (p. 646).

Por fim, quanto à natureza jurídica, embora o interrogatório seja considerado também um meio de defesa, “a confissão é um meio de prova, como outro qualquer, admissível para a demonstração da verdade dos fatos” (TÁVORA e ANTONNI, p 359).

REQUISITOS DA CONFISSÃO REGULAR

A doutrina tem estabelecido alguns requisitos para que as alegações do confessado possam ser tidas como confissão regular, isto é, para que seja admitida (válida) a confissão é necessário que preencha os requisitos formais e intrínsecos.

Em um breve parêntese, alguns desses requisitos confundem-se com as características da confissão, que serão tratadas a seguir.

Sobre os requisitos, eis a lição de Norberto AVENA (p. 490):

Com vista à validade da confissão, aponta a doutrina a necessidade da presença de requisitos intrínsecos e de requisitos formais. Como requisitos intrínsecos, destacam-se a verossimilhança, que se traduz como a probabilidade de o fato efetivamente ter ocorrido da forma como confessada pelo réu; a clareza, caracterizada por meio de uma narrativa compreensível e com sentido inequívoco; a persistência, que se revela por meio da repetição dos mesmos aspectos e circunstâncias, sem modificação no relato quanto aos detalhes principais da ação delituosa; e a coincidência entre o relato do confitente e os demais meios de prova angariados ao processo. Por outro lado, como requisitos formais estão a pessoalidade, devendo a confissão ser realizada pelo próprio réu, não se admitindo seja feita por interposta pessoa, como o defensor e o mandatário; o caráter expresso, pois deve ser reduzida a termo; oferecimento perante o juiz competente, qual seja, o que está oficiando no processo criminal; a espontaneidade, impondo-se que seja oferecida sem qualquer coação; e a saúde mental, possibilitando-se o convencimento do juízo de que o relato não está sendo fruto da imaginação ou de alucinações do acusado.

Desses requisitos, convém destacar a pessoalidade e a espontaneidade. O primeiro se refere ao caráter personalíssimo da confissão: somente o acusado pode confessar o fato delituoso, sendo vedada a confissão por procuração, fato esse que diferencia da confissão do processo civil.

A propósito, confira-se o magistério de TOURINHO FILHO (p. 293):

No Processo Civil, admite-se, até, a confissão por intermédio de mandatário com poderes especiais, conforme prescreve o art. 349, parágrafo único do CPC. No Processo Penal, isso não é possível, não só porque a confissão, no campo penal, é um ato processual personalíssimo, como também porque há em jogo interesse público e, por isso mesmo, indisponível. Não é possível, pois, confessar por intermédio de procurador, por mais extensos e especiais que sejam os poderes a ele conferidos.

Já a espontaneidade, que também se confunde com uma característica da confissão, nas palavras de Renato Brasileiro de LIMA, significa que “não pode haver qualquer forma de constrangimento físico e/ou moral para que o acusado confesse a prática do fato delituoso. Aliás (...) constitui crime de tortura constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa” (p. 982).

Portanto, para que a confissão seja válida é necessário o preenchimento dos requisitos formais e intrínsecos.

CARACTERÍSTICAS GERAIS

Além da pessoalidade e da espontaneidade, duas outras características são de extrema relevância na figura da confissão. É a divisibilidade e a retratabilidade, consoante regra do artigo 200 do CPP.

A divisibilidade, segundo Edilson Mougenot BONFIM, “traduz-se na possibilidade, fundada na vigência do princípio do livre convencimento motivado, de que o juiz aceite a confissão parcialmente, repudiando, ao mesmo tempo, a parte que reputar inverossímil” (p. 347).

Já a retratabilidade consiste na possibilidade do confessado de se retratar, ou seja, de desdizer a sua afirmação anterior, a qualquer momento. Nesse raciocínio, Norberto AVENA informa que “a retratabilidade quer dizer que se o réu, mesmo confesso em juízo, voltar atrás, caberá ao magistrado confrontar a confissão e a retratação que lhe sucedeu com os demais meios de prova incorporados ao processo, verificando, então, qual delas deve prevalecer. Assim, tal circunstância não significa que uma vez retratada a confissão de um crime, perca ela seu valor como prova. Nada impede, assim, que venha o juiz, a partir de seu livre convencimento, considerar como verdadeira a confissão e falsa a retratação” (p. 493).

Ainda sobre esse tema, convém destacar o posicionamento de Aury LOPES JR (p. 647):

(...) A questão mais relevante diz respeito à confissão obtida na fase policial e, posteriormente, retratada em juízo. Seguindo a linha de pensamento desenvolvida, somente a confissão feita em juízo poderia ser utilizada no julgamento (junto com as demais provas, é claro). Assim, quando houver confissão na fase pré-processual e retratação na fase processual, não existiu confissão alguma a ser valorada na sentença. Advertimos, contudo, que ainda predomina o entendimento na jurisprudência que o juiz pode formar seu convencimento a partir da confissão feita na fase policial, o que nos parece um absurdo. (...)

Assim, pode-se concluir que a confissão tem como características principais, além da pessoalidade e da espontaneidade, a divisibilidade e a retratabilidade.

CLASSIFICAÇÃO

É possível classificar a confissão de várias formas, quanto: a) ao momento, local ou autoridade; b) à natureza; c) à forma; e d) ao conteúdo ou efeitos.

Quanto ao momento, ao local ou autoridade perante a qual é feita, a confissão pode ser a) judicial: quando feita em juízo, perante o Magistrado, em regra, no interrogatório; b) extrajudicial: “realizada no transcurso do inquérito policial ou fora dos autos, ou ainda perante outras autoridades, como dentro de procedimento administrativo correicional ou perante CPI. Terá que ser reproduzida no processo para surtir algum efeito na esfera penal” (TÁVORA e ANTONNI, p. 360).

Quanto à natureza, pode ser: a) real ou expressa: ou seja, aquela efetivamente realizada pelo confessando, perante a autoridade, reconhecendo a responsabilidade penal; b) implícita: “ocorre quando o acusado paga a indenização. No âmbito do processo penal, essa confissão não tem qualquer valor” (LIMA, p. 982), porém, nessa hipótese, para TOURINHO FILHO, “equivale a prova indiciária de alto valor” (p. 293); e c) ficta: também chamada de presumida, “contumaz no processo civil, não se verifica no âmbito do processo penal, por falta de amparo legal. Ainda que o acusado deixe o processo correr a sua revelia, esse fato não importa na presunção da veracidade daquilo que foi alegado pela acusação” (CAPEZ, p. 152/153). Pelo princípio da presunção de inocência (ou não culpabilidade), portanto, não há que se falar em confissão implícita e ficta na esfera criminal.

Quanto à forma, a confissão pode ser: a) escrita: “realizada pelo próprio réu por meio de cartas, bilhetes ou qualquer documento escrito que venha a ser juntado aos autos, ou então, por meio de petições redigidas pelo advogado reconhecendo total ou parcialmente a acusação inserta à inicial acusatória, embora invocando, como é necessário (sob pena de nulidade processual por falta de defesa), excludentes, minorantes ou privilegiadoras em seu favor” (AVENA, p. 492); b) oral: é a confissão verbalizada, ou seja, falada e ocorre nos casos de interrogatório ou registradas por interceptações telefônicas ou ambientais.

Por fim, quanto ao conteúdo ou efeitos da confissão: a) simples: “é a confissão quando o réu admite a imputação sem fazer qualquer ressalva, sem buscar acrescer-lhe causas justificantes ou dirimentes da culpa. É a confissão plena” (SOUZA e TICIANELLI, p. 177); b) complexa: ocorre quando o réu reconhece vários fatos delituosos, objetos do processo-crime pelo qual responde; e c) qualificada: quando o réu reconhece a acusação “mas apresenta em seu favor circunstâncias que excluam ou atenuem sua responsabilidade (p.ex.: admite que matou, mas alega tê-lo feito em legítima defesa)” (BONFIM, p. 348).

VALOR PROBATÓRIO, RAINHA DAS PROVAS, CORPO DE DELITO E DIREITO AO SILÊNCIO

Tempos atrás, a confissão era considerada como a rainha das provas (regina probationum), pois, gozava de valor probatório absoluto, equiparando-se, nas palavras de Farinácio, à força de coisa julgada. Quão importante era a confissão que era possível a prática de tortura, para arrancar do confessando o reconhecimento da sua culpabilidade. Nesses tempos de tarifação da prova, a confissão, portanto, possuía valor probatório absoluto.

Houve uma época na história da humanidade em que a confissão era conhecida como rainha das provas, equivalendo a dizer que, uma vez obtida a confissão, já se permitia a condenação, pois ninguém melhor do que o próprio acusado para dizer se é ou não culpado. (TÁVORA e ARAÚJO, p. 269).

Contudo, atualmente, no sistema do livre convencimento motivado do juiz, a confissão passa a ter valor probatório relativo, devendo ser confrontada com as demais provas para ter validade. Em outras palavras, “a confissão tem o mesmo valor probatório dos demais meios de prova” (LIMA, p. 983).

Assim, ante o valor relativo da confissão, é imprescindível que seja confrontada, isto é, corroborada pelas demais provas produzidas no processo. Vale dizer que não é possível manter uma condenação com base exclusivamente na confissão do réu, sendo necessário que a confissão esteja confirmada pelos outros meios de prova.

Eugênio Pacceli de OLIVEIRA acresce que a confissão do réu “constitui uma das modalidades de prova com maior efeito de convencimento judicial, embora, é claro, não possa ser recebida como valor absoluto”. Prossegue advertindo que é necessário “se confrontar o conteúdo da confissão com os demais elementos de prova” (p. 403) e que “deverá ser também contextualizada junto aos demais elementos probatórios, quando houver, diante do risco, sempre presente, sobretudo nos crimes societários, de autoacusação falsa, para proteger o verdadeiro autor” (p. 404).

Sobre a confrontação com o exame de corpo de delito, a questão importante a ser esclarecido é: a confissão supre o exame de corpo de delito?

Embora haja divergência tanto jurisprudencial quanto doutrinária sobre o assunto, o Código de Processo Penal é claro ao estabelecer da indispensabilidade do exame pericial para comprovação da materialidade do delito, sendo insuficiente a confissão do réu. De se notar que “se o crime deixar vestígios, a materialidade não pode ser provada pela confissão, pois é necessária a realização do exame de corpo de delito” (TÁVORA e ANTONNI, p. 362).

Finalmente, quanto ao silêncio do réu, pode-se afirmar com certeza de que o artigo 198, in fine, do CPP não foi recepcionado pela Constituição Federal, uma vez que é assegurado ao acusado o direito ao silêncio, e desse direito, não pode resultar qualquer prejuízo.

Assim, nas palavras de Aury LOPES JR, “o silêncio não importará confissão, e tampouco pode ser (des)valorado pelo juiz. Ou seja, é substancialmente inconstitucional a última parte do referido artigo, quando afirma que o silêncio do acusado ‘poderá constituir elemento para formação do convencimento do juiz’. Não, isso não sobrevive a uma filtragem constitucional. Assim, o silêncio não pode prejudicar, em nenhuma hipótese, o réu, e tampouco pode ser utilizado como elemento para o convencimento do juiz”. (p. 647).

ATENUANTE DE PENA

Com relação à confissão espontânea como atenuante de pena, vide artigo de minha autoria, intitulado como “Da Atenuante da Confissão Espontânea”, publicado em diversos periódicos, em especial no link http://jus.com.br/revista/texto/20151/da-atenuante-da-confissao-espontanea.

DELAÇÃO (CHAMADA DE CORRÉU) E DELAÇÃO PREMIADA

Como o tema sobre a delação (confissão delatória ou chamada de corréu) e a delação premiada são temas bastante complexos, importante ressaltar, por ora, que ambas as delações podem ter valor probatório relativo. Oportunamente, serão analisados esses dois institutos, em estudo próprio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal Esquematizado. São Paulo: Método, 2009.

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CAPEZ, Fernando. Processo Penal. 16. Ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2006.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira/Folha de São Paulo, 1994/1995.

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 9. Ed. São Paulo: Rideel, 2007.

LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2011. Vol. 1.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

SOUZA, Gilson Sidney Amâncio de. TICIANELLI, Marcos Daniel Veltrini. Prova. In Direito Processual Penal Parte 1. Col. Processo e Execução Penal. Coord. Luiz Régis Prado. São Paulo: RT, 2009.

TÁVORA, Nestor. ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 3. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2009.

TÁVORA, Nestor. ARAÚJO, Fábio Roque. CPP Para Concursos. Salvador: Jus Podivm, 2010.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 29. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 3.

Sobre o(a) autor(a)
Irving Marc Shikasho Nagima
Bacharel em Direito. Especialista em Direito Criminal. Advogado Licenciado. Ex-Assessor de Juiz. Assessor de Desembargador. Autor do livro "Ações Cíveis de Direito Bancário" publicado pela Editora Del Rey.
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