A responsabilidade da Administração Pública quanto aos créditos trabalhistas originários de intermediação de mão de obra

A responsabilidade da Administração Pública quanto aos créditos trabalhistas originários de intermediação de mão de obra

Trata-se de uma antítese ao adotado pela Advocacia Geral da União quanto à defesa a ser adotada nas ações trabalhistas que visem a manutenção da responsabilidade subsidiária da Administração Pública quanto aos créditos trabalhistas originários de intermediação de mão de obra.

A Administração Pública, em seu atuar e na busca de atendimento ao interesse público para o qual se volta, tem todo um complexo regramento a obedecer. Nessa complexidade de normas inclui-se a Lei nº 8.666/1993, muito discutida em outros aspectos, mas recentemente analisada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16-DF (informativo nº 610 do STF). Dessa Lei, mereceu atenção o disposto no § 1º do seu artigo 71 e o entendimento adotado pelo Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, através do item IV do Enunciado nº 331. Vejam o contraste entre a norma e o entendimento pretoriano:

Art. 71 da Lei 8.666/93: "O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato"

§ 1º: "A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de imóveis".

Enunciado 331: "Contrato de prestação de serviços. Legalidade".

..."O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21/6/1993)".

Baseada na falsa premissa de que o resultado danoso ao patrimônio dos empregados das empresas contratadas para a intermediação de mão de obra decorreria da incidência do disposto no § 6 º do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil ("As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa"), ou na "responsabilidade objetiva do Estado", a Justiça do Trabalho garantiu a esses trabalhadores que a Administração cumpriria a obrigação, na ausência do devedor direto. Tal premissa foi afastada recentemente pela ADC-16/DF, quando o Supremo Tribunal Federal, em Plenário, entendeu como constitucional o preceito presente no § 1º do artigo 71 da Lei de Licitações e, consequentemente, afastou a incidência do item IV do Enunciado 331 da Súmula de Jurisprudência do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, onde incidiriam efeitos sobre a Administração Pública. Este entendimento da Corte Máxima, inclusive, foi o fundamento para as procedências da Reclamação nº 7.517 – DF, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, j. 24/11/2010 – Informativo 610 – STF, e também da Reclamação 11.711 – SP, Relatora Ministra Carmen Lucia – j. 09/05/2011 – DJ de 16/05/2011.

Hodiernamente, contudo, permanece a controvérsia quanto à manutenção da responsabilidade subsidiária se, por deficiência do exercício da devida fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas, os empregados das empresas prestadoras de intermediação de mão de obra não cumprirem diretamente com o seu pagamento. Sobre esse assunto passarei a discorrer a partir de agora.

O dever de fiscalização (e aqui se ressalta o preceito presente no inciso II do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil – "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei" há de ser entendido como o exercício de ações que se encontram dentro da esfera obrigacional da Administração, não competindo ao Supremo Tribunal Federal, com a devida vênia, já que este não detém a Função Legislativa para tanto, ou para o detentor de atribuições para a expedição de regulamentos de hierarquia inferior à lei, criar tal dever. A Lei, assim, seria a própria de nº 8.666/1993, que em seu artigo 67 determina, com conjugação verbal no imperativo, que a Administração deverá fiscalizar a execução do contrato. Resta, assim, saber: como interpretar os limites do exercício desta fiscalização? Creio que a melhor forma de se conquistar toda a intenção do legislador é adotar como limite para se exercer a fiscalização o da execução do objeto pactuado, não se estendendo tal fiscalização sobre aspectos inerentes à intimidade da empresa, esta constitucionalmente assegurada (inciso X, art. 5º, CRFB). Não há que se falar, assim, em dever de fiscalizar pagamentos de salários aos seus empregados (salvo denúncia prévia ou qualquer outro meio de convicção da insolvabilidade) e outras verbas de natureza salarial. Seria até ilógico assim entender, já que a maior parte das demandas trabalhistas em que é pleiteada a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, quando tomadora de mão de obra por interposta pessoa, tem como marco temporal a ocorrência de fato posterior à caducidade/resilição do contrato firmado com a empresa. Ora, extinto o contrato encontra-se concomitantemente extinto o dever de fiscalizar. Como, então, responsabilizar subsidiariamente a Administração por ausência de fiscalização, se esta deveria ocorrer sobre fatos como verbas rescisórias, por exemplo, e com rescisões de contrato de trabalho decorrentes, justamente, pela extinção do contrato entre Administração e empresa?

A fiscalização, em continuidade de raciocínio ao contido acima, há de se ater sobre pontos que recaem sobre a Administração, se não adimplidos pelo devedor no momento devido. As contribuições sociais (FGTS e INSS) hão de sofrer a incidência de ações de fiscalização da Administração, já que leis específicas (§ 3º do artigo 18, da Lei nº 8.036/1990 e art. 42 da Lei nº 8.212/1991) lhe impõem a solidariedade sobre tais créditos.

O dever de fiscalização quanto ao efetivo pagamento de salários e demais obrigações trabalhistas de natureza salarial há de ser realizado por profissionais especializados e com poderes para tanto (fiscais do Ministério do Trabalho e da Previdência Social oficial, p. e.). Não é dado, seja aos integrantes do Supremo Tribunal Federal ou ao detentor de atribuições de edição de regulamentos, transferir para a Administração (que não possui em seus quadros servidores capacitados para tal mister – nem mesmo a faculdade de deslocar servidores para outra atividade que não a finalidade a que se destina a missão institucional a que se vincula) o dever de fiscalizar ações inerentes, repete-se, à intimidade da empresa.

Outro ponto que merece destaque é a chamada culpa "in vigilando". A responsabilidade de reparação decorrente de culpa (responsabilidade subjetiva) é tratada por lei ordinária geral (Código Civil, artigo 927). A excludente de responsabilidade presente no § 1º do artigo 71 também está em lei ordinária (nº 8.666/93, já citada). Esta última, porém, especial para a situação fática que origina pretensões como a responsabilidade subsidiária da Administração Pública decorrente de inadimplementos de obrigações trabalhistas por empresas por ela contratada. É princípio de solução de conflito aparente de normas a preferência de aplicação da lei especial sobre a geral. Continuando nesse sentido, chega-se à conclusão de que há de ser aplicada à excludente de responsabilidade, não à que cria a responsabilidade. Não há que se falar em culpa alguma. A Lei assim afirma. Negar aplicação à lei é desonrar o Princípio Democrático a que estamos vinculados como Estado e Nação, é violar a separação de Poderes do Estado, presente no Preâmbulo de nossa Constituição, mais precisamente em seu artigo 2º. Se a lei é equivocada, que seja mudada! Até lá, a lei há de ser cumprida.

Em conclusão, a Administração não tem que apresentar provas do exercício de fiscalização do contrato para eximir-se de responsabilidade por inadimplência de empresa por aquela contratada como intermediadora de mão de obra. Não tem que designar servidor conhecedor de fatos para representá-la, porque a matéria a ser discutida em demandas trabalhistas não se volta para fatos. Volta-se, sim, para a devida interpretação jurídica de normas legais. Não há fatos a se tornarem controvertidos nem efeitos de revelia e confissão ficta a incidirem (salvo a simples existência ou não do contrato alegado com a empresa). É desarrazoado o deslocamento de servidor para funcionar como preposto em audiências quando a sua presença é dispensável, sendo esta mais útil no desempenho de suas naturais funções na instituição representada judicialmente por procuradoria especializada.

Sobre o(a) autor(a)
Marcos Alencar Martins Friaça
Marcos Alencar Martins Friaça - Procurador Federal desde 2001. Coordenador de Consultoria da Procuradoria Federal junto a Fundação Oswaldo Cruz desde julho de 2.005.
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