Da invalidade da cláusula de garantia nos contratos de fomento mercantil

Da invalidade da cláusula de garantia nos contratos de fomento mercantil

A cláusula de regresso não deve fazer parte dos contratos de fomento mercantil e, se for imposta, pode e deve ser combatida judicialmente.

De fato, a questão não é nova. Ao contrário, havia certa sedimentação na jurisprudência no sentido de não admitir a cláusula de garantia de regresso nos contratos de fomento mercantil. Ocorre que, recentemente, houve algumas decisões dos tribunais no sentido de que, desde que pactuada, a garantia de regresso nos contratos de fomento mercantil seria válida.

Cláusula de regresso é aquela pela qual, o cedente/endossante do título se responsabiliza pela inadimplência do devedor e, como se verá abaixo, nos contratos de fomento mercantil é inválida, pois contraria a natureza do contrato.

A atividade de fomento mercantil (factoring) constitui instrumento valioso de desenvolvimento social. As factorings prestam serviço muito útil à pequena e média empresa, administrando os créditos a receber e, por vezes, adquirindo tais créditos, viabilizando a atividade empresarial, na medida em que adiantam valores que são utilizados como capital de giro, possibilitando ao pequeno empresário melhores condições de negociação, vez que pode pagar a vista aos seus fornecedores e, com isso, obter descontos.

Ocorre que, diferentemente dos bancos, que ou recebem os títulos em endosso-mandato, isto é, para fazer simplesmente a cobrança, ou fazem desconto, cobrando juros e recebendo o título em cessão - atividade que lhes é privativa -, a factoring recebe os títulos de crédito em endosso puro, isto é, o crédito sai da titularidade da empresa endossante e passa para a titularidade da factoring, com os riscos inerentes. Evidentemente, a factoring, antes de adquirir o crédito, faz criteriosa análise da solvabilidade do devedor e cobra um percentual sobre o valor do crédito por ter adiantado as importâncias e por assumir os riscos da inadimplência.

Nas palavras do eminente Arnald Wald: “o contrato de factoring, ou de faturização, consiste na aquisição, por uma empresa especializada, de créditos faturados por um comerciante ou industrial, sem direito de regresso contra o mesmo. Assim, a empresa de factoring, ou seja, o factor, assume os riscos da cobrança e, eventualmente, da insolvência do devedor, recebendo uma remuneração ou comissão, ou fazendo a compra dos créditos com redução em relação ao valor dos mesmos.” (Curso de Direito Civil, Vol. II, n. 235, p. 466, ed. RT, 1992)

Certas empresas de factoring, todavia, exigem do endossante (factorizado) garantias de que, caso o devedor não pague o débito, ele, endossante, faça-o. Tal garantia seria autorizada pelos artigos 296 e § único do 914, do Código Civil.

Porém, não se afigura correta tal interpretação. A princípio cabe destacar que a regra é que o cedente ou endossante não se responsabilize pela solvência do devedor, mas sim, pela existência do crédito, então, a responsabilidade pela solvência é exceção. Em segundo plano, o contrato de fomento mercantil não contempla simples cessão de crédito ou endosso. A factoring presta serviços e adquire créditos, como atividade empresarial; o endosso dos títulos é o instrumento da realização de um dos objetos sociais da empresa de fomento mercantil.

É comezinho que o empresário deve assumir o risco de suas atividades e, só por isso, a cláusula de garantia de regresso não pode existir em contrato de fomento mercantil. Mas não é só: o artigo 113 do Código Civil assegura que os negócios jurídicos devem ser interpretados em conformidade com a boa-fé e o artigo 122 do mesmo código informa que não são lícitas as condições que privem de todo efeito o ato. Ora, excluir o risco do negócio da factoring é privar de efeito a contratação do fomento mercantil e, neste sentido, não há dúvida de que a cláusula de garantia ou quaisquer outros subterfúgios utilizados por algumas empresas de factoring para não assumir o risco de sua atividade, é ilícita.

De outro lado, se as empresas de factoring fizessem desconto, isto é, recebessem os títulos em cessão, cobrando juros, estariam praticando atividade privativa de banco, o que pode caracterizar crime.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, em mais de uma oportunidade, já decidiu que a nota promissória dada em garantia de contrato de Factoring é inválida e, por isso, não pode ser cobrada, veja a decisão abaixo que é recente.

Ementa: Contrato de “factoring”. Emissão de nota promissória vinculada ao contrato, como garantia de recebimento dos créditos em face da faturizada. Inadmissibilidade. Contrato cuja natureza impede o exercício do direito de regresso contra a cedente, já que é própria do “factoring” a assunção do risco pelo adimplemento dos créditos, recebendo em troca sua remuneração. Instituto que não se confunde com desconto bancário, próprio das instituições financeiras, nem com a cessão civil. Alegação não provada de que foram recebidos créditos representados por duplicatas simuladas. Nota promissória inexigível. Apelo improvido”(Apelação 991060074941 - Relator(a): Soares Levada - Julgamento: 20/05/2010) g.n.

E, como a decisão acima, há várias outras, inclusive do Superior Tribunal de Justiça.

E é claro que nem todas as Factorings agem desta forma, isto é, nem todas exigem garantia para adquirir o crédito. Como se disse acima, as empresas de Factoring fazem uma análise profunda da qualidade do crédito e da solvabilidade da empresa devedora e, se entender por bem, adquire o crédito e assume o risco.

Assim, a cláusula de regresso não deve fazer parte dos contratos de fomento mercantil e, se for imposta, pode e deve ser combatida judicialmente.

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Faiçal Awada
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