Da incidência do ISSQN sobre o fomento mercantil
Aborda as diversas nuances que adjetivam à incidência do ISSQN sobre a atividade de fomento mercantil (factoring).
A relação de dependência entre o Direito Tributário e demais
conceitos oriundos do Direito Privado faz do fenômeno tributário um
dos elementos mais fascinantes e complexos do universo jurídico.
Tudo por que, muitas vezes, a devida compreensão da incidência
tributária é condicionada ao estudo paralelo de institutos
provenientes da esfera cível, exigindo que ambos sejam considerados
lado a lado pelo intérprete.
Neste contexto está imerso o cerne do presente ensaio, já que a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN sobre o fomento mercantil só restará univocamente desenhada ao considerarmos, de modo harmônico, os elementos que norteiam a descrita exação, bem como as características que perfazem o instituto de natureza privada.
Todavia, parte da doutrina e jurisprudência pátria insiste em vislumbrar o fomento mercantil somente pelo aspecto da aquisição de créditos (obrigação de dar), fechando os olhos para as demais atividades operadas pelo factor, culminando em interpretações equivocadas no tocante a incidência do ISSQN sobre o factoring.
Noutra face, a incidência do tributo é justificada pelo simples fato da lista de serviços, anexa à lei complementar 116/03, inserir o factoring em 2 (dois) de seus 40 (quarenta) grupos de serviços, prevalecendo, portanto, a generalidade desta atividade para confirmar os supostos efeitos na esfera tributária.
Assim, vislumbra-se que nenhum dos posicionamentos doutrinários acima expendidos possui fundamento concreto para determinar ou não a incidência do ISSQN sobre o factoring, exigindo, então, que se conheça a aludida atividade empresarial para depois inseri-la no campo de incidência do tributo municipal em análise.
Deste modo, o fomento mercantil, em regra, compreende (no âmbito de suas atribuições) as seguintes operações: venda e compra de créditos e a prestação de serviços convencionais ou diferenciados. Em outras linhas, o factoring congrega tanto obrigações de dar, quanto obrigações de fazer, respectivamente.
A complexidade que caracteriza o instituto do fomento mercantil, a
nosso sentir, não constitui fundamento válido a fim de afastar a
incidência do ISSQN sobre esta atividade, já que o objeto da exação
pode ser perfeitamente destacado nas tarefas diárias (intrínsecas
ao campo de atuação do factor).
Conforme é cediço, o critério material do ISSQN é adstrito a
“efetiva prestação de serviços”, denotando, portanto, uma
obrigação de fazer. De sorte que, a aquisição de créditos,
realizada pela casa de fomento mercantil, não delineia uma obrigação
de fazer, motivo pelo qual não ensejará o tributo em análise.
Nem mesmo o fato do factoring estar contido no rol dos serviços alcançados pelo ISSQN autoriza a extensão dos efeitos da aquisição de créditos para fins de incidência do tributo, haja vista o instituto não ser disposto de forma genérica na referida lista, mas inserido em grupos econômicos específicos, cujo objeto remete invariavelmente a obrigações de fazer.
Uma vez estabelecido que a incidência do ISSQN sobre o fomento
mercantil dá-se apenas com relação aquelas obrigações de fazer,
a escorreita aferição do que é ou não tributável, somente
ocorrerá se analisadas individualmente as modalidades que perfazem o
factoring no Brasil.
Na modalidade “factoring convencional”,
a incidência do ISSQN não transcenderá o âmbito dos chamados
serviços convencionais (tais como análise de crédito e sua
respectiva cobrança) que, por sua vez, caracterizam obrigação de
fazer inerente ao critério material da exação. Desta maneira, a
aquisição de crédito pelo factor ficará a margem não
apenas do critério material do ISSQN, mas, ainda, de seu critério
quantitativo, sendo o quantum debeatur representado pelo preço
(ad valorem) ajustado pela prestação dos serviços
convencionais.
No “factoring trustee”
a incidência do ISSQN não enfrenta maiores problemas, pois nesta
modalidade manifestam-se apenas os chamados serviços diferenciados
(tais como assessoria empresarial ou administração conjunta), cujo
objeto remonta obrigações de fazer, logo, afetas ao critério
material do tributo, bem como guarda correspondência ao item 17.23
da lista de serviços.
Já na modalidade “factoring maturity”, o critério
material do ISSQN não é destacado com a facilidade observada na
variação anterior, justificando a tese formulada neste trabalho,
que induz a necessidade de compreender, com a devida parcimônia,
tanto o tributo quanto o fomento mercantil.
Embora ceda ao factor um dado título de crédito, o cliente não o faz no intuito de receber antecipadamente o valor descrito na face, mas por razões de conveniência, visto que a cobrança do título demanda know-how e inevitáveis dispêndios, optando, então, por deixar a execução deste serviço aos cuidados da casa de fomento mercantil.
Em outras palavras, não há efetiva cessão de crédito, mas sim
prestação do serviço de cobrança, que satisfaz o critério
material do ISSQN por se tratar de inconteste obrigação de fazer.
Não obstante, o critério quantitativo não afetará o valor de face
descrito no título, mas o quantum (percentual) deduzido daquilo que
foi pago ao cliente por ocasião da cobrança.
Não menos controvertida é a tributação do ISSQN sobre o
“factoring
matéria-prima”, cujo escopo é a intermediação para a
aquisição de insumos necessários a produção do cliente. Muito
embora a descrita antecipação de recursos não financeiros possa
supostamente denotar uma obrigação de dar, constitui-se, de pleno
iure, num serviço de intermediação, já que o factor
interpõe-se entre cliente e fornecedor, adquirindo o insumo de
acordo com as especificações do primeiro.
Destarte, o factor negocia o insumo de forma direta junto ao fornecedor, recebendo, ao final, um percentual sobre o faturamento do produto acabado. Ao agenciar a compra destes insumos, o factor executa latente serviço de intermediação (obrigação de fazer), submetendo-se, por óbvio, ao critério material do ISSQN, ora ilustrado no item 15 da lista de serviços alcançada pelo tributo.
Por derradeiro surge o “international factoring”, modalidade caracterizada pela importação – exportação do fomento mercantil, subdividindo-se nas seguintes subespécies: “Sistema de Dois Factors, Direct Import Factor e Direct Export Factor”.
Nesta, a incidência do ISSQN restringe-se a última subespécie, pela qual empresa-exportadora com sede no Brasil contrata casa de fomento mercantil brasileira para assessorá-la e cobrar o crédito diretamente à empresa-importadora domiciliada no exterior. Com efeito, a prestação do serviço é toda executada e direcionada no Brasil, satisfazendo-se o critério material do tributo.
Ao revés, não há que se falar em ISSQN em sede de fomento
mercantil quando operado o refactoring entre export-factor
brasileira e import-factor estrangeira, eis que, embora caracterizada
a prestação de serviços, a cobrança do crédito é executada pelo
último, constituindo atividade-meio do primeiro.
Também se afasta a incidência do ISSQN quando o import-factor
é casa de fomento mercantil brasileira contratada diretamente por
cliente ou export-factor estrangeiro. Isto porque os serviços
prestados pelo factor brasileiro serão objetos de exportação,
manifestando efeitos econômicos (resultado) no exterior, domicílio
do credor, razão pela qual exsurge a isenção expressa no artigo
2º, I, da lei complementar 116/03.
Finalmente, depreende-se que a incidência do ISSQN sobre o fomento
mercantil é observada em todas as modalidades de factoring,
contudo não atinge a totalidade de suas operações, eis que
afastadas a aquisição de créditos, os casos em que o serviço
constitui atividade-meio do factor e a exportação de
serviços convencionais.
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