Trancamento do inquérito policial

Trancamento do inquérito policial

A doutrina comumente trata do arquivamento do inquérito policial, no entanto, são poucos os autores que tratam do trancamento do inquérito policial. Este texto traz alguns aspectos do trancamento do inquérito policial de acordo com aquilo que os Tribunais tem decidido.

Neste texto abordar-se-á as questões referentes ao trancamento do inquérito policial, distinguindo-o da hipótese de arquivamento, esclarecendo seu cabimento e seus efeitos.

Primeiramente, se faz necessário relembramos alguns conceitos que estão diretamente ligados ao tema.

A lei 2033 de 20 de setembro de 1871 definia inquérito policial como sendo “todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito”. Modernamente, o inquérito policial, na lição de Tourinho Filho, é “um conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária, visando elucidar as infrações penais e sua autoria”. É o instrumento que apura a materialidade delitiva e a autoria, servindo de base para a propositura de uma futura ação penal.

Para que seja possível a propositura da ação penal, devem estar presentes certas condições, quais sejam, a legitimidade de partes, possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e justa causa. Atualmente, tem-se o entendimento que a materialidade delitiva (que é a comprovação da ocorrência do crime) e os indícios de autoria constituem a justa causa.

A ausência de justa causa constitui constrangimento ilegal, o que permite a impetração do remédio heróico, o habeas corpus, nos termos dos artigos 647 e 648 do Código de Processo Penal, a fim de que o inquérito policial seja trancado.

O termo habeas corpus deriva do latim que significa tenha o corpo. Constitui uma garantia jurídica que protege o direito constitucional do cidadão de ir, vir ou permanecer, bem como o direito de locomoção contra a coação ilegal de autoridade. Tanto a coação – que é a pressão psicológica – como a coerção – que é a violência física – ensejam a invocação do habeas corpus.

Os tribunais de nosso país já se manifestaram no sentido de que, em casos especialíssimos, o habeas corpus pode ser impetrado visando obstar o andamento de inquéritos policiais manifestamente fadados ao fracasso, por se verificar, de imediato, a atipicidade do fato ou mediante prova cabal e irrefutável de não ser o indiciado o seu autor.

O trancamento é a situação de paralisação do inquérito policial, a suspensão temporária, determinada através de acórdão proferido no julgamento de habeas corpus. Embora já tenha havido decisões que determinaram o trancamento do inquérito policial por fundar-se em provas ilícitas (HC 42693-PR), a jurisprudência é pacífica no sentido de que somente caberá o trancamento do inquérito policial quando o fato for atípico, quando verificar-se a ausência de justa causa, quando o indiciado for inocente ou quando estiver presente causa extintiva da punibilidade (HC 20121/MS, Rei. Ministro Hamilton Carvalhido,6aTurma,STJ). No nosso entender, uma quinta hipótese de cabimento do trancamento do inquérito policial seria a situação em que este, para melhor apuração dos fatos investigados, dependa da resolução de questão estranha aos autos.

Importante salientar que, conforme já decidiu nossa Suprema Corte, o habeas corpus é remédio inadequado para a análise da prova (HC- Rei. Celso de Mello – RT 701/401). Desse modo, quando o objetivo é o trancamento do inquérito policial, o motivo para tal decisão deve estar claro e objetivamente demonstrado nos autos.

Visto que o habeas corpus é remédio constitucional que não exige capacidade postulatória para a sua impetração, o próprio investigado poderá propô-lo visando o trancamento do inquérito policial que o investiga. Diferentemente do pedido de arquivamento de inquérito que só pode ser requerido pelo Ministério Público, pois este é o titular da ação penal pública. A título apenas de lembrança, nos casos de ação penal privada, visto estar presente o princípio da oportunidade, não há necessidade do ofendido solicitar o arquivamento do inquérito, porque caso entenda que não há elementos para dar início ao processo, basta deixar de promover o oferecimento da queixa-crime.

Embora o despacho que determina o arquivamento do inquérito policial não faça coisa julgada, este transmite uma idéia de “encerramento”. Enquanto que o trancamento do inquérito policial parece indicar somente uma interrupção temporária do procedimento investigativo e das diligências. Excepcionalmente quando o trancamento do inquérito policial acarretar a extinção da punibilidade, por exemplo com a ocorrência da prescrição, entendemos que o trancamento se transformará em arquivamento, impossibilitando a propositura da ação penal.

Em que pese as diferenças entre o arquivamento e o trancamento do inquérito policial no tocante à titularidade, à suas denominações e à natureza da decisão que concede cada instituto (arquivamento: despacho – trancamento: acórdão), seus efeitos assemelham-se.

A doutrina ao abordar o arquivamento do procedimento administrativo em questão, normalmente, refere-se também aos seus efeitos.

Infelizmente, a doutrina não aborda os efeitos decorrentes do trancamento do inquérito, ficando ao encargo da jurisprudência defini-los.

Na análise dos acórdãos recém proferidos pelos Tribunais, nota-se que, comumente, os desembargadores ou ministros têm que esclarecerem que os efeitos do acórdão que determinou o trancamento do inquérito policial em que certa pessoa é investigada, não se estendem aos fatos típicos que não foram objeto de investigação no inquérito anteriormente trancado em desfavor da mesma pessoa. É obvio que novos fatos típicos ou fatos típicos não investigados poderão ser objetos de posteriores apurações.

Como dito anteriormente, os efeitos do arquivamento e do trancamento do inquérito policial são similares. De forma que, assim como no arquivamento, no trancamento a autoridade policial poderá continuar proceder a novas pesquisas, desde que surjam outras provas (provas novas) que, nos dizeres de Mirabete, “alterem o panorama probatório” dentro do qual foi concedido o acórdão de trancamento do inquérito policial (HC 990.09.150971-0 TJSP – “(...) a sustação do indiciamento não impediu o prosseguimento das investigações (...)”).

Assim, pode-se aplicar a súmula 524 do Supremo Tribunal Federal à hipótese de trancamento do inquérito policial, desde que observadas suas peculiaridades e feitas as adaptações necessárias (“Arquivado o inquérito policial, por despacho do Juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas” – Súmula 524/STF).

Enquanto o inquérito policial estiver trancado, o titular da ação penal não poderá propô-la. Somente quando efetuadas novas investigações e estas forem apensadas aos autos e desde que supram ou resolvam o motivo determinante de seu trancamento, é que se poderá falar em propositura da ação penal.

Pelo que foi brevemente exposto neste texto, pode-se concluir que o trancamento do inquérito policial constitui medida excepcional, geralmente, em caráter temporário, requerido por meio de habeas corpus. Vimos, ainda, que o trancamento do inquérito policial acarreta os mesmos efeitos que o arquivamento do inquérito policial, assegurando-se à autoridade policial a liberdade de continuar a proceder diligências referentes àquele caso, nos termos do disposto no artigo 18 do Código de Processo Penal.



Referências bibliográficas:


  • Livros:

    • BURLE FILHO, José Emanuel. O arquivamento do inquérito policial/ José Emanuel Burle Filho, Eduardo Silveira Melo Rodrigues.-1.ed.- São Paulo: Fiuza Editores, 1996.

    • CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal/ Fernando Capez.-14.ed.rev.e.atual.-São Paulo: Saraiva, 2007.

    • DAURA, Anderson Souza. Inquérito Policial: competência e nulidades dos atos de policia judiciária./ Anderson Souza Daura.-2.ed.(ano 2007),1ª reimpr.-Curitiba: Juruá, 2008.

    • Dicionário técnico jurídico/organização Deocleciano Torrieri Guimarães.-6.ed.rev.eatual.- São Paulo: Rideel, 2004.

    • TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal/ Fernando da Costa Tourinho Filho.-9.ed.rev.eatual.-São Paulo: Saraiva, 2007.


  • Jurisprudência consultada:

  • STJ - HC 2701-9 - Rei. Costa Lima - DJU 5.09.94, yd 23.113

  • TJSP - HC - Rei. Gonçalves Nogueira - j . 5.12.94 -RT 714/361

  • HC - Rei. Celso de Mello -RT 701/401

  • HC 2012l/MS, Rei. Ministro Hamilton Carvalhido, 6a Turma,STJ


Sobre o(a) autor(a)
Aline Albuquerque Ferreira
Advogada. Pós-graduada em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público. Possui graduação em direito pela Universidade Paulista (2011). Aprovada no IV Exame da Ordem. Tem experiência em direito, com ênfase em direito...
Ver perfil completo
O conteúdo deste artigo é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
Lista de leitura
Adicione este artigo à sua lista de itens para ler depois
Adicionar à lista

Artigos relacionados

Leia mais artigos sobre o tema publicados no DN

Termos do Dicionário Jurídico

Veja a definição legal de termos relacionados

Economize tempo e aumente sua produtividade com o DN PRO Seja um assinante DN PRO e tenha acesso ilimitado a todo o conteúdo que agiliza seu processo de elaboração de peças e mantém você sempre atualizado sobre o mundo jurídico. 7.430 modelos e documentos essenciais para o seu dia a dia Atualizados regularmente por especialistas em Direito Ideal para advogados e profissionais da área jurídica Apenas R$ 24,90 por mês Veja exemplos gratuitos