A menoridade e os seus reflexos na união estável frente o advento da lei 12.015/09

A menoridade e os seus reflexos na união estável frente o advento da lei 12.015/09

A união estável, caso fosse reconhecida, somente poderia ter início a partir dos 14 anos de idade, uma vez que não há regra que vede este reconhecimento, diferente do que ocorre no casamento, mas deve-se salientar também que nunca poderá ser admitida antes dos 14 anos de idade.

Tema polêmico e ainda obscuro na doutrina e jurisprudência é a possibilidade de Reconhecimento de União Estável quando um ou ambos os companheiros são absolutamente incapazes, fato que, per si, seria um óbice quando se trata de casamento, mas que na órbita civil não encontra nada que torne defeso referido Reconhecimento.

O art. 226, § 3º da CRFB/88 reconhece o instituto da União Estável nos seguintes termos:

Art. 226 [...]
§3º.Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

A União Estável, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ganhou novos contornos, erigindo uma instituição que até então era reconhecida pelos Tribunais, ampliando o conceito de família, como já definido por JACQUES LACON citado por Rodrigues da Cunha Pereira, tratando o conceito de família como hodiernamente é encarado, no qual a mesma, não se forma apenas pelo homem, mulher e filhos, mas sim por meio de uma estruturação psíquica, em que os membros que compõe a família se encontram definidos em sua função e lugar, sem estarem ligados pelo vínculo consangüíneo.

Ou seja, a finalidade da CRFB/88 foi justamente a preservação da família, independentemente dos laços pelos quais os indivíduos estão ligados, relevando o interesse do Estado na proteção e preservação daquela.

A lei 12.010/09, trouxe o conceito de família extensiva ou ampliada, que seria aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.

Nesse contexto, avulta a ansiedade do legislador em preservar os laços familiares, independente da sua ligação, se por afinidade ou do mesmo sangue.

Dentro deste aspecto surge a questão, como caracterizar o relacionamento amoroso entre uma adolescente e um homem como União Estável.

O Código Civil é silente com relação a este fator, no entanto, há que ser levado em consideração uma interpretação sistêmica, considerando o ordenamento jurídico como um todo, no qual as normas se interpenetram para fins de sua melhor interpretação, e mantendo uma coerência dentro do Direito Pátrio.

Já foi visto que a CRFB/88 protege o instituto da União Estável, facilitando a sua conversão em casamento. Pois bem, o Código Civil, em seu art. 1726, já reconhece esta conversão, mediante simples pedido dos companheiros no Cartório de Registro Civil competente, sendo que, para tanto, não devem estar impedidos de casar.
Quanto ao casamento, há que se observar, alguns requisitos formais, notadamente quanto à idade dos nubentes.

A idade núbil começa aos 16 anos, no entanto, para que seja exercida a capacidade, torna-se necessário o consentimento dos pais, ex vi do disposto no art. 1517 do Código Civil, sendo que, excepcionalmente, é admitido o casamento para quem ainda não atingiu a idade núbil, em caso de gravidez, ou para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal. Há que salientar, no entanto, que esta última medida não mas tem guarida em nosso ordenamento, uma vez que, a lei 11.106/05, aboliu do Código Penal a possibilidade de extinção da punibilidade quando houvesse o casamento do sujeito ativo dos crimes contra os costumes com a vítima.

Nessa seara, mesmo com a vigência do dispositivo penal, o Supremo Tribunal Federal também não admitia a extensão desta extinção de punibilidade, quando se tratava de União Estável, conforme ementa a seguir transcrita:

EMENTA: PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ESTUPRO. POSTERIOR CONVIVÊNCIA ENTRE AUTOR E VÍTIMA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE COM BASE NO ART. 107, VII, DO CÓDIGO PENAL. INOCORRÊNCIA, NO CASO CONCRETO. ABSOLUTA INCAPACIDADE DE AUTODETERMINAÇÃO DA VÍTIMA. RECURSO DESPROVIDO. O crime foi praticado contra criança de nove anos de idade, absolutamente incapaz de se autodeterminar e de expressar vontade livre e autônoma. Portanto, inviável a extinção da punibilidade em razão do posterior convívio da vítima - a menor impúbere violentada - com o autor do estupro. Convívio que não pode ser caracterizado como união estável, nem mesmo para os fins do art. 226, § 3º, da Constituição Republicana, que não protege a relação marital de uma criança com seu opressor, sendo clara a inexistência de um consentimento válido, neste caso. Solução que vai ao encontro da inovação legislativa promovida pela Lei n° 11.106/2005 - embora esta seja inaplicável ao caso por ser lei posterior aos fatos -, mas que dela prescinde, pois não considera validamente existente a relação marital exigida pelo art. 107, VII, do Código Penal. Recurso extraordinário conhecido, mas desprovido.(RE 418376, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 09/02/2006, DJ 23-03-2007 PP-00072 EMENT VOL-02269-04 PP-00648).

Admitindo essas interpretações, reside a cizânia justamente na possibilidade de se reconhecer exempli gratia a União Estável que teve início quando a mulher era uma adolescente com 13 anos de idade e um jovem com 18 anos, vindo esse relacionamento a ser dissolvido futuramente quando a mulher atingir a maioridade e durante este relacionamento adquirir bens e obter filhos em comum.

O art. 217-A do Código Penal, inserido pela lei 12015/09, trouxe a figura do estupro de vulnerável, configurada pelo conjunção carnal ou ato libidinoso praticado contra menor de 14 anos. Esta figura., nada mais fez que condensar os artigos 213, 214 e 224 do Código Penal.

O crime se configura pela simples pratica da conjunção carnal ou ato libidinoso contra menor de 14 anos, independente de violência ou grave ameça a pessoa, elemento constitutivo do tipo básico do art. 213 do referido diploma, pois, naquela situação, considera-se que há uma presunção de violência, não havendo assim, margem para discricionariedade da adolescente em aceitar ou não manter um relacionamento sexual com o parceiro adulto.

Nesse liame, como garantir um direito de partilha dos bens da adolescente, agora mulher, frente a um relacionamento que desde o início configurava crime.

A meu ver, a solução do caso, na esfera penal, antes do advento da lei 12.015/09, ficaria condicionada a uma renúncia ao direito de queixa por parte da mulher, ou seja,  se a ação foi ajuizada logo após ter completado os 18 anos de idade, seria necessária a renúncia expressa da querelante para, só assim, pleitear os direitos advindos da União Estável, ou seja, na própria inicial da ação declaratória, a mulher já renunciaria ao seu direito de queixa, expurgando assim a punibilidade do crime frente ao seu companheiro. No entanto, se a mesma já tinha 18 anos e 6 meses completos, já não poderá mais exercer o seu direito de queixa, podendo a ação ser ajuizada sem qualquer retaliação no âmbito penal ao companheiro da mulher, uma vez que houve a extinção da punibilidade pela decadência.

Entretanto, com o advento da lei 12.015/09, a ação, que outrora era privada, passou a ser pública incondicionada, ex vi do disposto no art. 225, parágrafo único do Código Penal, razão pela qual, a solução supra citada, não tem mais guarida, restando, assim, a configuração do crime.

Destarte, a União Estável não pode ser reconhecida, uma vez que a sua declaração estaria pactuando com a prática criminosa, e colocando em conflito as normas do ordenamento jurídico que, como já dito acima, devem ser interpretadas como um sistema, ficando, nesta situação, a obrigatoriedade do Ministério Público em promover a respectiva ação penal para ser processado e julgado o crime de estupro de vulnerável.

Mas como garantir os direitos patrimoniais da mulher que se originaram com esse relacionamento. A meu ver a partilha dos bens deve ser feita mediante a propositura de Ação Indenizatória, para evitar justamente o enriquecimento ilícito por parte do companheiro adulto. Destarte, se para fins de responsabilidade civil, o incapaz responde pelos prejuízos que causar, ex vi do disposto no art. 928 do Código Civil, também terá ele direito de ser ressarcido dos valores dispendidos para a aquisição do patrimônio advindo do relacionamento amoroso. Assim sendo, deve ser levado em consideração um marco divisório, para fins de indicar qual a presunção que deve ser levada em consideração para atribuição do valor devido.

Quanto aos bens adquiridos antes da completude dos 14 anos, deve ser levado em consideração o esforço de cada parte, ou seja, deve haver a comprovação por parte da menor de que contribuiu financeiramente para a aquisição do patrimônio, ao passo que para os bens adquiridos posteriormente à completude dos seus 14 anos, devem ser avaliadas as regras patrimoniais atinentes à União Estável, ou seja, haveria uma presunção de contribuição, independente de participação financeira, considerando, para tanto, o dispêndio moral da adolescente para a construção do acervo patrimonial da sociedade, exempli gratia, as atividades laborativas exercidas no âmbito da família.

Destarte, deve-se deixar claro que a União Estável, caso fosse reconhecida, somente poderia ter início a partir dos 14 anos de idade, uma vez que não há regra que vede este reconhecimento, diferente do que ocorre no casamento, mas deve-se salientar também que nunca poderá ser admitida antes dos 14 anos de idade.

Referências Bibliográficas:

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável. 6ª ed. Rev. Atual. E ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

Sobre o(a) autor(a)
Rafael dos Santos Sá
Bacharel em direito pela Universidade Tiradentes, especialista em Direito Púbico pela UNISUL-IDP-servidor público do TJ/SE
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