Denunciação à lide no Juizado Especial Cível

Denunciação à lide no Juizado Especial Cível

Visa desenvolver bases para modificação na interpretação do texto legal que regula o procedimento do Juizado Especial Cível, mormente com relação a possibilidade de denunciação à lide/celeridade/efetividade processual.

Pelo que se apreende da dicção do artigo 10, da Lei n° 9.099/95, a intervenção de terceiros é vedada perante o microssistema processual, e sendo a denunciação à lide lídimo exemplo de intervenção de terceiros a mesma é obstada em não raros casos onde é realizado o pedido pela parte interessada.

Entendemos, conforme adiante se verá, que a mera vedação da denunciação à lide, dentro do gênero intervenção de terceiros merece atenção mais aprofundada do que uma simples interpretação literal da norma em comento.

Com efeito, para o exame do caso, necessário que se tenha presente o contexto histórico quando do advento da Lei n° 9.099/95 e por isso mesmo, os motivos de sua existência e dos próprios princípios que a informam.

Conforme ensina Luis Cláudio Silva, (Os juizados especiais cíveis na doutrina e na prática forense. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1998) Os Juizados Especiais Cíveis, vieram acabar com algumas distorções sociais, facilitando a vida daqueles que tinham dificuldades financeiras para buscar a prestação jurisdicional e que hoje podem ter acesso a essa prestação, sem o ônus das custas processuais e sucumbência em honorários advocatícios, permitindo-se-lhes propor e contestar as reclamações sem a necessidade de assistência de advogado quando o valor atribuído à causa não for superior a 20 salários mínimos.

Até porque, nos termos da lição de Capelletti e Garth, não adianta permitir-se às partes o acesso aos órgãos judiciários se não existirem mecanismos que tornem seus direitos exeqüíveis, para que primordialmente se alcance a justiça social.

Nesse passo, dentre os princípios informadores do procedimento perante o Juizado Especial, já conhecidos, destacam-se para o deslinde da questão, os princípios da economia processual e celeridade, assim como o princípio da instrumentalidade e sua aplicação no caso em concreto, quando há aparente conflito com a regra positivada no artigo 10.

É da lição de Rui Portanova (Princípios do processo civil. 2ª tiragem. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 14) que se extrai a seguinte diretiva, no sentido de que “princípios não são meros acessórios interpretativos”, mas normas “que consagram conquistas éticas da civilização e, por isso, estejam ou não previstos na lei aplicam-se cogentemente a todos os casos concretos” devendo ser utilizados mesmo quando em conflito com a regra positivada.

Ou seja, princípio é, por definição, o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo (V. Crisafulli, La constituzione e le sue disposizioni di principio, Milão, 1952, citado por Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional. 13. ed., São Paulo,p. 257)

Aliás, Lorenzetti (Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos do direito privado, São Paulo: RT, 1998. p. 315), ao abordar o tema dos princípios, enfatizou que, ao longo da história, os princípios revelaram duas virtudes básicas, que serviram por estruturá-los, dando-lhe força:

A primeira é a sua simplicidade, ou ao menos a aspiração de ter um conjunto de idéias que orientem o cálculo jurídico. A segunda é a sua hierarquia superior (grifei).

Prosseguindo no raciocínio, segundo ainda Rui Portanova (1997-48) o princípio da instrumentalidade mantém o processo preocupado com a lógica do procedimento e sua celeridade, mas também busca ser mais acessível, mais público e mais justo ... o processo ajusta-se à realidade sócio - jurídica através de um instrumentalismo substancial fundada numa ética social ... e busca sua efetividade (onde se ressalta o acesso ao Judiciário e a justiça das decisões).

E continua, com relação ao princípio da celeridade, dizendo que a celeridade é uma das quatro vertentes que constituem o princípio da economia processual. As outras são a economia de custo, economia de atos e eficiência da administração judiciária.

Indubitavelmente, o deferimento da denunciação à lide, se afigura como efetiva aplicação ao caso concreto dos princípios referidos alhures, considerando, como também já foi referido, sua hierarquia superior com relação à regra.

Obviamente, não basta apenas a previsão legal de aplicação dos referidos princípios, mas acima de tudo, é necessária a modificação da visão do processo e seu formalismo, mormente quanto a soberania da regra em detrimento dos princípios, para que se consiga alcançar os objetivos precípuos do microssistema processual.

A tendência do direito moderno é a libertação das amarras impostas pelo positivismo jurídico, especialmente, no foco em questão, onde os princípios que informam o procedimento determinam a celeridade e a economia processual, mas a regra que direciona o processo veda a denunciação da lide (instituto que visa, sabidamente e paradoxalmente, a celeridade e a economia processual), mormente naqueles casos em que há contrato escrito de seguro.

Dito isso, resta evidente que o aparente conflito entre o que determina a regra e o que dispõem os princípios informadores do procedimento, deve ser resolvido tendo por base o desiderato de todo o microssistema, ou seja, uma justiça célere para todas as partes envolvidas.

Sobre o(a) autor(a)
Marco Aurelio Martins Rocha
Advogado, Juiz Leigo no RS., especialista em direitos reais, especializando em direito processual civil.
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