Consideração sobre o trabalho dos religiosos

Consideração sobre o trabalho dos religiosos

Explica a regulação do trabalho dos religiosos, como padres, freiras, pastores, ministros de comunhão etc.

Quando eu era criança duas situações me marcavam com imensa interrogação: como a televisão (emissora) ganha dinheiro, se assistimos de graça? E a outra era: Quem paga o Padre?

Após minha formação em Direito e afinidade que nutro pela disciplina trabalhista, tecerei alguns comentários acerca da segunda pergunta: Quem paga os Padres? Eles são empregados de quem?

Espero ajudar na compreensão dessa dúvida que permeou minha infância e causa interrogação também a alguns indivíduos na sociedade.

De início faz-se mister ressaltar que diante da Legislação pátria empregado é aquele que se enquadra perfeitamente no Art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho:

“Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. [1]

Diante da categoria de “religiosos”, o legislador se posicionou com tratamento diferenciado, preconizando que os membros de institutos de vida consagrada, de congregação, de ordem religiosa e os ministros de confissão religiosa passam a ser regidos e compreendidos como contribuintes individuais à Previdência Social, conforme dispositivo 9º, V, “c”, do Decreto nº 3.048/99 (Previdência Social), e considerados autônomos de acordo com a Lei 6.696/79.

A jurisprudência e a doutrina atual vêm entendendo que labor de caráter religioso não se constitui em vínculo de emprego, uma vez que o ofício do religioso é prestar auxílio espiritual e assistir a comunidade nos seus anseios, além de divulgar a fé que acredita.

Compreende-se que ao ingressar em entidades religiosas o indivíduo abre mão completamente de bens terrenos e se dedica tão somente ao cotidiano religioso, que em muitas ocasiões se realiza às atividades com os atributos: “Pobreza, obediência e castidade”.

O ilustre Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Granda Martins Filho, assevera: “as pessoas que se dedicam às atividades de natureza espiritual a fazem com o sentido de missão, atendendo a um chamado divino e nunca por uma remuneração terrena”.

Destarte, entendemos de acordo com o entendimento majoritário atual que de início já se exclui o quesito “mediante salário” tão bem lecionado no Art. 3º da CLT. Então, até aqui, não há vínculo de emprego entre religiosos e entidades.

O legislador Brasileiro adotou, então, o sistema italiano ao editar a lei 9.608/98. Essa lei veio com o objetivo de elucidar o trabalho voluntário e o art. 2º dispôs quais as formas de atividade voluntária:

“A atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social.”

E o parágrafo único do mesmo artigo fixou:

“O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciário ou afim”.

Assim, a posição atual apregoa que os religiosos se adequam à categoria de trabalhadores voluntários.

Diante de tal premissa, é cediço que os tribunais vêm negando os vínculos suscitados e declarando não encontrarem nenhum indício ou possibilidade de relação de emprego entre os “religiosos” e suas respectivas entidades.

Nesse sentido a jurisprudência demonstra:

PASTOR EVANGÉLICO. RELAÇÃO DE EMPREGO. Inexiste vínculo de emprego entre o ministro de culto protestante – pastor – e a igreja, pois o mesmo como órgão se confunde com a própria igreja. (RO. 14322 – TRT 1º Região – 4º Turma – Relator Juiz Raymundo Soares de Matos – Publicado no DORJ 08/10/02)

RELAÇÃO DE EMPREGO –PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS RELIGIOSOS – INEXISTÊNCIA. Não gera vínculo de emprego entre as partes a prestação de serviços na qualidade de pastor, sem qualquer interesse econômico. Nesta hipótese, a entrega de valores mensais não constitui salário, mas mera ajuda de custo para a subsistência do religioso e de sua família, de modo a possibilitar maior dedicação ao seu ofício de difusão e fortalecimento da fé que professa. Recurso Ordinário que se nega provimento. (RO. 17973/98 – TRT 3º Região – 2º Turma – Relator Juiz Eduardo Augusto Lobato – Publicado no DJMG em 02/07/1999)

VÍNCULO DE EMPREGO. ATIVIDADE RELIGIOSA. O exercício de atividade religiosa diretamente vinculada aos fins da Igreja não dá ensejo ao reconhecimento de vínculo de emprego, nos termos do artigo 3º da CLT. Recurso do reclamante a que se nega provimento. (RO 01139-2004-101-04-00-5TRT 4a Região – Relator Juiz João Alfredo B. A. De Miranda – Publicado no DORGS em 02/06/2006)

PASTOR. TRABALHO VOLUNTÁRIO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DEFINIDORES DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. O alegado desvirtuamento da finalidade da igreja e o enriquecimento de seus "líderes" com recursos advindos dos fiéis, embora constitua argumento relevante do ponto de vista da crítica social, não afasta a possibilidade de haver, no âmbito da congregação, a prestação de trabalho voluntário, motivado pela fé, voltado à caridade e desvinculado de pretensões financeiras. Assim, estando satisfatoriamente provada a ausência dos requisitos definidores do vínculo empregatício, deve ser afastada a tese da existência de relação de emprego com a entidade religiosa. (RO 7024/2005 – TRT 12a Região – Relatora Juíza Gisele P. Alexandrino – Publicado no DJSC em 20-06-2005)

De acordo com tais pronunciamentos assim vêm se posicionando nossos tribunais, desconhecendo em todas as situações vínculos de empregos entre os que professam a fé e suas congregações.

Passarei a tratar agora das exceções encontradas em nosso ordenamento jurídico e suas lições.

A profícua doutrinadora Alice Monteiro de Barros ensina que a entidade religiosa não pode ser totalmente imune ao fato de ser empregadora, pois se houver prestação de serviços por um indivíduo não pertencente à congregação, a vinculação do emprego não pode ser afastada, caso ocorra todas aqueles requisitos do art. 3º, CLT. [2]

Neste sentido também corrobora a eminente magistrada Vólia Bonfim Cassar:

“A igreja pode ser considerada por alguns como intocável, ou do “outro mundo”. Mas a realidade jurídica é algo deste mundo e regida pelas leis terrenas. A igreja é considerada pessoa jurídica de direito privado pelo Código Civil – art. 44, I, CC, logo, pode ser empregadora. Aliás, a CLT não distingue entre o empregador que explora atividade lucrativa daquele que tem finalidade beneficente ou sem finalidade econômica ou lucrativa – art. 2º, CLT. [3]

É neste sentido que encontramos decisões favoráveis a obreiros que prestam serviços não-beneficentes às entidades religiosas:

PASTOR – CONTRATAÇÃO TAMBÉM COMO MÚSICO – VÍNCULO DE EMPREGO – POSSIBILIDADE A atividade de gravação de CD’s em estúdios da igreja não se insere no espectro das funções eclesiásticas, razão pela qual, uma vez caracterizados os requisitos do art. 3º da CLT, não há obstáculo ao reconhecimento de vínculo de emprego entre o pastor e sua igreja no trabalho como músico. (ACO 08298 – 2004 – TRT 9º Região – Relatora Juíza Sueli Gil El-Rafihi – Publicado no DJPR em 14/05/2005)

Neste sentido é cediço entre os juízes que algumas igrejas possuem estatutos internos, regulando alguns eclesiásticos às atividades extra-religiosas e ao pagamento de certa quantia em pecúnia mensalmente por serviços prestados, além de um regimento que regula a ascensão funcional. Também é encontrado nesse estatuto a necessidade de exclusividade por parte do religioso e sua total aquiescência às ordens de bispos ou entidades hierarquicamente superiores, sob pena de punição. Uma das formas de punição é o desconto em suas remunerações. As igrejas permitem que os seus agregados recolham renda em gravações de CDs, edições de livros, eventos e shows, etc. 

Destarte, podemos diagnosticar a configuração dos pressupostos típicos da relação empregatícia: prestação por pessoa física, subordinação, habitualidade, e a onerosidade.

Neste aspecto sobre onerosidade assevera Maurício Godinho:

“É claro que o pagamento que descaracteriza a graciosidade será aquele que, por sua natureza, sua essência, tenha caráter basicamente contraprestativo”. [4]

Outrossim, vem lecionando a jurista Vólia Bonfim Cassar:

“Entendemos que caso o pastor, o padre, ou o representante da igreja receba pagamento em dinheiro, moradia ou vantagens em troca dos serviços prestados, o trabalho será oneroso. Seu trabalho é de necessidade permanente para o tomador de serviços, logo, também é habitual. Além de ser pessoal, o pastor, padre ou representante da igreja presta serviços de forma subordinada. Sujeita-se aos mandamentos filosóficos, idealistas e religiosos de sua igreja, sendo até punido caso contrarie alguns mandamentos. Também está subordinado a realização de um número mínimo de reuniões, cultos, encontros semanais na paróquia. Se aliado aos demais requisitos, não correr o risco da atividade que exerce, será empregado”. [5]

Por último ela chama a atenção do princípio da Alteridade que leciona ser isento de qualquer risco o empregado em relação à empresa que trabalha.

Diante de tais premissas os tribunais vêm decidindo que existindo liame entre o prestador de serviços e o tomador, caracterizando assim todos os elementos típicos da relação, outra atitude não deve ser tomada senão a de prover a decisão de vinculação de emprego.

Assim, encontramos a seguinte decisão:

VÍNCULO EMPREGATÍCIO – CARACTERIZAÇÃO – PASTOR EVANGÉLICO. Em princípio, a função de pastor evangélico é incompatível com a relação de emprego, pois visa a atividades de natureza espiritual e não profissional. Porem, quando desvirtuada passa a submeter-se à tipificação legal. Provado o trabalho do reclamante de forma pessoa, continua, subordinada e mediante retribuição pecuniária, tem-se por caracterizado o relacionamento empregatício nos moldes do art. 3º da CLT. (RO – 27889/2002-002-11-00 – TRT 11ª Região – Relator Juiz Eduardo Barbosa Penna Ribeiro – Publicado no DJAM em 10/12/2003)

Caminhando nessa evolução em abril de 99, o Sindicato dos Ministros de Cultos Religiosos Evangélicos e Trabalhadores assemelhados de São Paulo (SIMEESP) conseguiu registro sindical, e conta atualmente com cerca de 3% de 130.000 pastores evangélicos do Estado de São Paulo. Através desse movimento, muitos hoje partem em busca de reivindicações trabalhistas. Dentre os pedidos mais vistos, estão: anotação da CTPS, reconhecimento de vínculo, regulação do piso salarial, prestação da gratificação natalina, férias e depósito do FGTS.

Recentemente um pastor evangélico de Salvador (BA) pleiteou a condição de empregado da Igreja Universal do Reino de Deus, perante a Justiça do Trabalho. O processo tramitou até chegar ao TST, sendo examinado pelo colendo ministro Ives Granda Martins Filho.

O ínclito Ministro discorreu acerca desse fato:

“Todas as atividades de natureza espiritual desenvolvidas pelos “religiosos”, tais como administração dos sacramentos (batismo, crisma, celebração de missa, atendimento de confissão, extrema-unção, ordenação sacerdotal ou celebração de matrimônio) ou pregação da Palavra Divina e divulgação da Fé (sermões, retiros, palestras, visitas pastorais, etc.), não podem ser consideradas serviços a serem retribuídos mediante uma contraprestação econômica, pois não há relação entre bens espirituais e materiais”.

E também ponderou:

“O reconhecimento do vínculo empregatício só é admissível quando há desvirtuamento da instituição, ou seja, quando a igreja estabelece o comércio de bens espirituais, mediante pagamento. Pode haver instituições que aparentam finalidades religiosas e, na verdade, dedicam-se a explorar o sentimento religioso do povo, com fins lucrativos. Apenas nessa situação é que se poderia enquadrar a igreja evangélica como empresa e o pastor como empregado”.

O Ministro encerrou suas sábias palavras lecionando-nos:

“Sob o ponto de vista jurídico a organização do trabalho divide-se em seis modalidades: assalariado, eventual, autônomo, temporário, avulso e voluntário. A última, o voluntário, é caracterizada pela prestação de serviços sem remuneração a entidade pública ou particular sem fins lucrativos, mediante termo de adesão, que não resulta em vínculo de emprego”.

Com essa decisão do conspícuo Ministro, podemos observar que deve se separar o trabalho voluntário prestado a entidades religiosas, do serviço de caráter oneroso e com todos os elementos do art. 3º, da CLT. Sendo com certeza concedido ao empregado típico os seus direitos e garantias assegurados pela Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho.

Outro aspecto que acena com bastante atenção constitui-se no labor de padres e freiras diante do magistério e do auxílio hospitalar. A pergunta contundente é, então, proferida: Existe vínculo de emprego entre o padre ou freira e o colégio que leciona, ou o hospital que toma seus serviços de enfermeiro (a)?

A célebre jurista Alice Monteiro de Barros preconiza: o simples status de eclesiástico não impede a possibilidade de se firmar um contrato de trabalho, como qualquer outro trabalhador subordinado laico. [6]

Neste âmbito podemos discorrer que a Ciência Trabalhista já demonstrou em outros casos que atividades não se confundem. Exemplo típico dessa demonstração é a súmula 369, III, TST:

“O empregado de categoria diferenciada eleito dirigente sindical só goza de estabilidade se exercer na empresa atividade pertinente à categoria profissional do sindicato para o qual foi eleito dirigente”.

Dessa forma, concluímos que as atividades não devem se confundir. Para que o obreiro possua estabilidade faz-se mister que este exerça o mesmo ofício pelo qual assiste aquele sindicato da categoria que ele foi eleito. Assim como a atividade de eclesiástico não obsta que esse mesmo seja contratado por uma empresa para trabalhar nos moldes do art. 3º, CLT. Configurando, assim, vínculo de emprego.

Por fim, demonstramos o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do trabalho prestado por religiosos no âmbito de suas congregações ou em condições laicas. Mostramos quais os direitos, garantias e decisões concedidas a respeito das relações de emprego dos que exercem a atividade religiosa.

Referências

[1] CLT & CONSTITUIÇÃO. São Paulo: Saraiva, p. 9-10

[2] BARROS. Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR. 2005, pag. 444

[3] CASSAR. Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro. Impetus. 2008. pag. 275

[4] DELGADO. Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 4º Ed. São Paulo: LTR, 2004, pag. 344

[5] CASSAR. Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus. 2007, p. 279

[6] BARROS. Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2º Ed. São Paulo: LTR, 2006, pag. 444
Sobre o(a) autor(a)
Roberto Victor Pereira Ribeiro
Advogado, Professor, Bacharel em Direito Público. Pós-graduado em Direito Processual. Pesquisador de Ciência das Religiões, Teologia e Filosofia. Membro da Associação Brasileira dos Bibliófilos, Membro da Associação Cearense de...
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