Recusa ao uso do bafômetro - Fundamentação legal
Esclarece em que ponto da Constituição Federal está situado o princípio de que "ninguém é obrigado a produzir provas contra si", já que não há nenhuma referência a ele no texto da Carta Magna.
Em
função de um artigo meu intitulado Lei Seca e Presunção
de Inocência que foi publicado no Diário de Santa Maria,
várias pessoas me desafiaram a esclarecer em que ponto da
Constituição Federal estava situado o princípio
de que “ninguém é obrigado a produzir provas contra
si”, já que elas haviam procurado no texto da Carta Magna e
nenhuma referência haviam encontrado.
Realmente, referido mandamento não está contido de forma explícita no texto constitucional. Ocorre que ele tem origem na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose de Costa Rica) que, em seu art. 8º, ao tratar das garantias judiciais, na letra g, dispõe literalmente que toda pessoa tem “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.”
Alguém dirá que dita Convenção
nada tem a ver com a Constituição Federal/88. Ledo
engano. Tem sim.
A Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, instituída pelo Pacto de São José da
Costa Rica, recebeu a adesão do Brasil em 25 de setembro de
1992, sendo incorporada ao nosso sistema de direito positivo interno
pelo Decreto nº 678 de 06 de novembro de 1992, o qual, editado
pelo Presidente da República, formalmente consubstanciou a
promulgação desse ato internacional.
Acontece
que os tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo
Brasil ou aos quais o nosso País aderiu entre a promulgação
da Constituição de 1988 e a superveniência da EC
nº 45/2004, conforme podemos aferir em diversos votos proferidos
pelos eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal, assumem, na
legislação interna brasileira, qualificação
constitucional. Todas as convenções internacionais em
matéria de direitos humanos celebradas pelo Brasil antes do
advento da EC nº 45/2004, como ocorre com a Convenção
Americana de Direitos Humanos, revestem-se de caráter
materialmente constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção
conceitual do denominado “bloco de constitucionalidade”.
Como
se pode ver, o princípio em questão, tem o mesmo
“status” constitucional de todos os outros direitos e garantias
fundamentais inseridas no art. 5º da Constituição
Federal de 1988. Como tal, tem o condão de paralisar a
eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina
normativa infraconstitucional com ela conflitante, tal qual ocorre
com algumas inovações do Código de Trânsito
Brasileiro.
De qualquer forma, se assim não fosse, ele
está contido implicitamente em outros princípios
constitucionais, entre eles, o da ampla defesa. E qualquer advogado
que milite na área do Direito Penal sabe que o primeiro ato de
defesa de um réu, é justamente o seu depoimento na fase
de interrogatório. Nele, o acusado pode, inclusive quedar-se
inerte, ficar calado ou até mesmo relatar os fatos de modo
como lhe aprouver, eis que apenas as testemunhas têm o
compromisso da verdade. No processo criminal, por estarmos tratando
da liberdade do ser humano, quem tem o ônus de provar as
acusações é justamente o representante do
Ministério Público. E mais, se o réu silenciar,
seu silêncio não importará em confissão e
não poderá ser interpretado em prejuízo da
defesa, conforme determina o art. 186, parágrafo único
do Código de Processo Penal.
Assim sendo, entendo que as sanções administrativas previstas no § 3º do art. 277 do Código de Trânsito Brasileiro para quem se recusa ao uso do bafômetro, não resistirão ao controle em abstrato de constitucionalidade que ocorrerá inevitavelmente perante o Supremo Tribunal Federal, guardião constitucional que é, ou mesmo pelos demais juizes e tribunais, eis que eles também podem exercitar o controle de constitucionalidade de forma difusa, concreta ou indireta, pela via de defesa ou de exceção, diante dos casos concretos com que se depararem.