O Agravo de Instrumento e sua sobrevivência diante das novas tendências do Processo Civil
O papel do agravo de instrumento é muito importante na ciência do direito, porém sua utilização vem sendo cada vez mais difícil em face da atual política que visa dar celeridade à prestação jurisdicional sem observar devidamente o amplo acesso à justiça.
Sob a alegação de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional foi alterada a sistemática de agravos, tornando a regra o agravo retido, conforme os dispositivos da Lei n.º 11.187/2005.
É sabido, entrementes, que o fator tempo sobressai como elemento determinante para garantir e realizar o acesso à Justiça.2 Todavia, o legislador e os aplicadores do direito hão de ficar atentos para que as reformas não privilegiem apenas a idéia de processo sem dilações indevidas, eis que a causa em grau de recurso deve estar garantida pelo acesso adequado à Justiça (CF, art. 5º, XXXV).
Esta reforma teve o escopo de desburocratizar o processamento do agravo nos tribunais, os quais vêm sendo abarrotados desta espécie de recurso. Entretanto, a recorribilidade das decisões interlocutórias continua sendo um tema que atormenta a todos, pois a certeza da decisão não tem sido a tônica da comissão de reforma, que cada vez mais limita o uso do agravo de instrumento.
De fato, o processo civil tem alcançado hoje um modelo fiel às realidades da sociedade atual, onde se espera que a solução jurídica seja dada pelo juiz numa decisão interlocutória, o que denota a relevância da cognição sumária. Neste sentido, a efetividade tornou-se um verdadeiro emblema do atual momento metodológico. Sem dúvida, um processo não pode ser considerado efetivo se não corresponder ao direito material e se não propiciar resultados práticos.
De acordo com o disposto no artigo 522 do CPC a regra é a interposição do agravo sob o regime da retenção, havendo a possibilidade da modalidade de instrumento quando houver decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, nos casos de inadmissão de apelação, bem como naqueles relativos aos efeitos de seu recebimento.
Neste toar, observa-se do histórico das últimas reformas do processo civil brasileiro que a linha política adotada pela Comissão tem restringido a utilização do agravo de instrumento na medida em que for possível sobrestar o recurso nos autos, a fim de ser apreciado depois, por ocasião do julgamento da apelação (CPC, art. 523).
O fato é que os novos rumos do moderno processo civil têm carecido de técnicas legislativas apropriadas. O direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva não encontra no tempo o seu único inimigo. Por isso, é preciso questionar se o modelo que ora se instaura deve atender ao consumo de massa e às transformações demográficas, dando simplesmente uma resposta rápida, ou se devemos observar todos os princípios basilares do sistema no mister do Estado de pacificar os conflitos!
Toda ordem jurídico-positiva advém de juízos valorativos adquiridos da cultura de uma sociedade. Não é razoável limitar o uso de um recurso devido ao seu volume nos tribunais. Dentro da regra geral imposta pela Lei n.º 11.187/2005, pode-se afirmar que contra decisão proferida em qualquer audiência – inclusive a audiência preliminar (CPC, art. 331) – o agravo deve ser retido e interposto de imediato.3
Pela dicção da Lei 11.187/2005 houve alterações no inciso II do art. 527 do Código. A primeira impôs ao juiz que ele “converterá o agravo de instrumento em agravo retido”. A segunda mudança se verifica quanto à exceção estatuída para o regime retido. Agora ao agravante compete demonstrar a situação de urgência que exige o processamento do recurso em segundo grau. Entretanto, a norma impõe ao relator o dever de sobrestar o recurso quando constatar, de forma fundamentada, que o caso se enquadra na regra geral, não reclamando processamento perante o órgão colegiado.
A fórmula de um processo civil simples, econômico e rápido vem desde o fim do século anterior, mas o Judiciário resgatou a sua credibilidade?
Não estamos a repudiar por completo as reformas iniciadas, nem mesmo a nova lei do agravo, haja vista a premente necessidade de facilitar os serviços da Justiça, acelerando as suas respostas aos jurisdicionados. No entanto, urge ao processualista preocupar-se continuamente com os resultados práticos produzidos pelo processo, antevendo as falhas inerentes às mudanças de paradigma.
Por certo, não foi desta vez que o legislador baniu o agravo de instrumento da atual sistemática recursal, mas é notório o fechamento das portas a esse modo recursal, em que pese a relevância que as decisões interlocutórias alcançaram na atualidade.
Diante do cenário político em que nasceu a nova lei do agravo, evidente a preocupação em reduzir o número de agravos de instrumento nos Tribunais e tornar real a celeridade que deve permear a tutela jurisdicional, restando-nos a certeza de que outros remédios jurídicos substituirão quaisquer recursos como forma de garantir a razoabilidade e o acesso à justiça quando houver ameaça a direito.
Continuemos na busca pelo aperfeiçoamento da ciência processual sem que haja uma embriaguez por técnicas processuais envolventes, porém sem rumo, pois o caminho que se traça é muito mais importante que a velocidade que se atinge. Busquemos o rumo que o nosso sistema processual necessita encontrar, tendo sempre em mente que o acesso à justiça é o mais elevado e digno dos valores a cultuar.4
[2] Carpi, Federico. “La tutela d’urgenza fra cautela, sentenza antecipata e giudizio di mérito”. Rivista di Diritto Processuale, Anno XL, n. 4, 1985, p. 682. Outra passagem de Carpi é eloqüente nos seguintes termos: “Nel nostro ordinamento non esiste una norma costituzionale siffatta, ma ‘è impossibile negare che un giudizio lento e macchinoso come quello imposto all’attuale organizzazione processuale giudiziaria, dà luogo a fenomeni di compressione dei diritti fondamentali del cittadino’; donde l’acquisita coscienza che la rapidità del processo è uno strumento indispensabile non solo per l’effettiva e concreta attuazione del diritto d’azione e di difesa, previsti dall’art. 24 cost., ma anche per il perseguimento dei fini indicati dall’art. 3, comma 2o, cost.” (Carpi, Federico. La provvisoria esecutorietà della sentenza. Milano: Giuffrè, 1979, p. 12).
[4] GARTH, Bryant. “Access to Justice - a worldwide movement to make rights effective - a general report (Trad. El aceso a la Justicia, Buenos Aires, Col. De Abogados, 1983).