Direitos Humanos e a Corte Penal Internacional

Direitos Humanos e a Corte Penal Internacional

Faz uma análise sucinta sobre a evolução da proteção dos direitos humanos na história; refletindo-se, inclusive, sobre as bases em que se constitui a Corte Penal Internacional e sobre a real eficácia de suas medidas protecionistas.

Neste artigo procura-se mostrar a evolução dos direitos humanos, as alterações porque passou na sua valoração e tutela. Da tutela individual dos Estados à criação de organismos internacionais.

Após a queda do liberalismo1, o mundo passou por diversas transformações, que transcenderam o sistema econômico.

As teorias de liberdade da sociedade frente ao Estado intervencionista, defendida por filósofos como Adam Smith, demonstraram sua falibilidade com a icônica quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929.

O mundo já havia passado por uma grande guerra, de 1914 a 1918. A Tríplice Entente, representada pelo Império Britânico, França e Império Russo, com a posterior adesão dos Estados Unidos, venceu a Tríplice Aliança, formada pelo Império Alemão, Austro-Húngaro e Turco Otomano.

Em relação as perdas humanas, de um total de 65 milhões de homens envolvidos, mais de 8 milhões morreram, 20 milhões ficaram feridos e 5 milhões desapareceram.2 Foi esse cenário trágico, que serviu de palco a moderna sistematização dos direitos humanos.

O Direito Humanitário ou Direito Internacional da Guerra desenvolveu-se com o objetivo de limitar a atuação do Estado e assegurar a observância dos direitos fundamentais, colocando sob sua tutela militares fora de combate ( por ferimentos, doença, naufrágio ou prisão ) e populações civis.

Nesse sentido, foi criada em 1920 a Liga das Nações que “tinha como finalidade promover a cooperação, paz e segurança internacional, condenando agressões externas contra a integridade territorial e a independência política de seus membros” 3 e a OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Enquanto a Europa vencedora, buscava de meios para promover o desenvolvimento de um direito protetivo às condições inerentes ao ser humano, como liberdade, saúde e educação, que tivessem força normativa em todo o mundo, valendo-se como um Direito Internacional; a Alemanha, parte vencida na Primeira Guerra, a qual viu sua economia e exército falirem, após as imposições que lhe foram feitas pelo Tratado de Versalhes (1919), desenvolveu um forte sentimento nacionalista, exacerbado pelos ideais de superioridade pregados pelo nazismo, difundidos por um líder que tinha como foco a criação de uma “nova ordem” na Europa, Adolf Hitler.

A Alemanha faz alianças com o governo japonês e invade a Polônia. Deflagrou-se a Segunda Grande Guerra, de 1939 a 1945. Conflito que causou mais vítimas em toda a história da Humanidade.

Avalia-se em 50 ou 60 milhões o número de pessoas que morreram em consequência da guerra. As perdas foram superiores na Europa Oriental: estimam-se 17 milhões de mortes civis e 12 milhões de mortes militares para a União Soviética, 6 a 7 milhões para a Polónia (primariamente civis), enquanto que na França o número rondaria os 600 000.4

A descoberta dessas atrocidades concretizaram a efetiva preocupação com os direitos humanos. Verificou-se, assim a necessidade de criação de órgãos de âmbito mundial que assegurasse a proteção de tais direitos que não podiam mais ser relegados à tutela individual dos Estados.

Observou-se, então a formação do Tribunal de Nuremberg (1945- 1946), que responsabilizou os alemães pelos excessos cometidos na Segunda Guerra, bem como em 25 de abril de 1945, realizou-se, na cidade de São Francisco, uma conferência com a presença dos representantes de cinqüenta nações em guerra contra as potências do eixo, que objetivava concretizar a criação da nova organização internacional, que se chamaria “Organização das Nações Unidas” (ONU). Os trabalhos para criação da Organização terminaram no dia 25 de junho, com a elaboração de uma carta – a Carta das Nações Unidas, que é a

(...)Lei que regula a Organização das Nações Unidas (ONU), que compreende a coalização de vários Estados independentes, e cujo objetivo é estabelecer e manter a solidariedade e a concórdia dos povos, o respeito à lei, à justiça, aos tratados, bem como a segurança e a paz internacional(...)5

Por fim, em 1945 a ONU fundou a UNESCO, Agência Especializada que funciona como um laboratório de idéias e como uma agência de padronização para formar acordos universais nos assuntos éticos emergentes. A Organização também serve como uma agência do conhecimento – para disseminar e compartilhar informação e conhecimento – enquanto colabora com os Estados Membros na construção de suas capacidades humanas e institucionais em diversos campos; promovendo a cooperação internacional entre os 192 Estados-Membros6 e em 1946 criou o Comitê de Direitos Humanos, responsável pela redação da Declaração dos Direitos Humanos.

A Declaração foi, finalmente criada em 1948 e enumera os direitos que todos os seres humanos possuem. Em seu preâmbulo declara,

(...)A Assembléia Geral proclama a presente Declaração dos Direitos Humanos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos sob sua jurisdição(...)7

Em seus 33 artigos, proclama que todos os seres humanos são dotados de direitos que lhe são inerentes, como vida, liberdade e segurança pessoal.

Seguindo a linha temporal temos que em 1949 foi assinada a 4ª Convenção de Genebra8.

Foi, então seguindo este caminho, que um dos órgãos da ONU, o Conselho se Segurança, criou o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iuguslávia (1993) e o Tribunal Penal Internacional de Ruanda (1994) e, posteriormente, nasceu a Corte Penal Internacional (1998),como veremos a seguir.


3. CORTE PENAL INTERNACIONAL

3.1. CONFERÊNCIA DE ROMA DE 1998

No dia 9 de dezembro de 1948, na Resolução nº 260, a Assembléia Geral das Nações Unidas adota a convenção para prevenção e repressão do crime de genocídio, que em seu artigo 6º abre as bases para a futura Corte Penal Internacional (CPI),

Artigo VI. As pessoas acusadas de genocídio ou de qualquer outros atos enumerados no art. 3º serão julgadas...pela corte criminal internacional que será competente em relação as partes contratantes que lhe reconhecerem a jurisdição.

De 15 a 17 de julho de 1998 , reuniu-se em Roma a Conferência Diplomática de Superpotências das Nações Unidas sobre a criação de uma Corte Criminal Internacional. No último dia, em cessão plenária a Conferência adotou o “Estatuto de Roma da Corte Penal Internacional”.

O Estatuto, para muitos, está aquém do que haviam realizado os estatutos dos TPIs para a ex-Iugoslávia e Ruanda. Uma das razões é que a CPI não tem competência para atuar em casos que já estão sendo investigados ou sob juízo dos sistemas judiciais dos Países-Membros, a não ser que os procedimentos não sejam genuínos, ou seja, não sejam suficientemente capazes de atingir seu objetivo primordial.9

Neste artigo procura-se demonstrar o elo entre a evolução dos direitos humanos à sua tutela pela CPI. Com foco neste objetivo estudaremos apenas da Competência Material desta Corte, especificamente os crimes contra a humanidade, enquanto que as Competências Territorial, Temporal e Pessoal, serão objeto de trabalho futuro mais específico.


4.2. COMPETÊNCIA MATERIAL DA CORTE

No artigo 5º do Estatuto acima mencionado está definida a competência material da CPI,

Art. 5º. A Competência da Corte restringir-se-á aos crimes mais graves que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, a Corte terá competência para julgar os seguintes crimes:

  1. Crimes de genocídio

  2. Crimes contra a humanidade

  3. Crimes de guerra

d ) Crimes de agressão

Genericamente diz-se que todos os crimes de competência para julgamento da CPI são crimes contra a humanidade, entretanto, especificamente, o Estatuto os enumera e conceitua.

O artigo 6º do Estatuto define o crime de genocídio, o artigo 8º nos traz o que pode ser considerado como Crimes de Guerra, o artigo 5.2 determina que a Corte só exercerá competência quanto aos crimes de agressão quando tiverem sido fixadas as condições de exercício dessa competência. Neste sentido, interessante observar, que foi criado um Grupo Especial de Trabalho para os Crimes de agressão, entretanto, como os crimes de agressão são de natureza política, esperaremos um longo período de discussões ideológicas e teóricas até termos uma concreta definição destes.


4.2.1. CRIMES CONTRA A HUMANIDADE


4.2.1.1. IMPRESCRITIBILIDADE


Em 26 de novembro de 1968 foi assinada a Convenção sobre a imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, que em seu artigo 1.2, dispõe,


Art. 1º. São imprescritíveis, independentemente da data em que tenham sido cometidos, os seguintes crimes:

1.(...)

2. Os crimes contra a humanidade, sejam cometidos em tempo de guerra ou em tempo de paz, como tal definidos no Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg de 8 de agosto de 1945 e confirmados pelas resoluções nº3 ( I ) e 95 ( i ) da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 13 de fevereiro de 1946 e 11 de dezembro de 1946; a evicção por um ataque armado; a ocupação; os atos desumanos resultantes da política de "apartheid"; e ainda o crime de genocídio, como tal definido na Convenção de 1948 para a prevenção e repressão do crime de genocídio, ainda que estes atos não constituam violação do direito interno do país onde foram cometidos.


4.2.1.2. ESPECIFICAÇÕES E CARACTERÍSTICAS


A definição mais recente de Crimes contra a Humanidade encontra-se disposta no Estatuto da Corte Penal Internacional. Em seu artigo 7.1 encontra-se a definição com a enumeração de atos que constituem-se como crimes contra a humanidade. O Estatuto define quais atos, que quando cometidos, intencionalmente, num quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil, podem ser enquadrados como Crimes contra a Humanidade e , em seguida, traz uma definição de alguns deles. Vejamos,


Art. 7º.

1. (...)

a) Homicídio;

b) Extermínio;

c) Escravidão;

d) Deportação ou transferência forçada de uma população;

e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;

f) Tortura;

g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;

h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;

i) Desaparecimento forçado de pessoas;

j) Crime de apartheid;

k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.


Importante observar que, cada fato, especificamente incriminado, só é significante quando cometido num “quadro de um ataque generalizado ou sistemático”. Por tratar-se de elemento essencial na configuração dos presentes crimes, a os países signatários, precisaram o que deve ser entendido por isso no art. 7.2., alínea a. A acusação deve provar a multiplicação dos atos da lista “contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos...”.

O cerne da questão a ser demonstrado pelo procurador, nestes casos, encontra-se, portanto, nas idéias de reiteração e preparação. “O atos isolados e individuais não ficam sob o efeito dessa incriminação, eles dizem respeito a justiça nacional habitual”( BEZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN,Thierry, 2004, p.90).

Se fizermos uma releitura do art.6º do Estatuto, que nos traz a definição de crime de genocídio, veremos que este poderia ser facilmente enquadrado como uma das espécies de Crimes contra a Humanidade, uma vez que estes apresentam um espectro bem mais amplo.

Por fim, observamos que a Corte Penal Internacional representa um exemplo na escalada pelo objetivo maior de JUSTIÇA, ampla e eficiente. Entretanto, seus Estados signatários buscam por seus próprios interesses e trouxeram um nacionalismo e imperialismo acobertados por discussões políticas intermináveis, enquanto a tutela dos direitos humanos, vai sendo relegada ao segundo plano.

[1] Corrente política que se afirma na Europa, mas também na América do Norte a partir de meados do século XVIII. Combate o intervencionismo do Estado em todos os domínios. Na primeira metade do século XIX, os liberais são acérrimos defensores da propriedade privada, da economia de mercado e da liberdade de comércio internacional. Na segunda metade do século XIX, os liberais passam a exigir que o Estado garantisse a proteção do mercado interno face à concorrência internacional. No final do século reclamam a intervenção do Estado na conquista de novos mercados internacionais e o acesso a regiões com recursos naturais. O Liberalismo passa a andar associado ao Imperialismo, acabando por, no séc. XX, conduzir a sociedades européias liberais para a guerra.

[2] MONTEIRO, Adriana Carneiro. Primeira Guerra Mundial e a criação da Liga das Nações. Direitos Humanos. Natal-RN. Disponível em : http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/br/pb/dhparaiba/1/1guerra.html  Acesso em : 17 de setembro de 2007

[3] PIOVESAN , Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional .3ed. atual. São Paulo: Max Limonad. 1997, p.134.

[4] WIKIPÉDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.ohp?title=Segunda_Guerra_Mundial&oldid=7483351>.  Acesso em: 17de Setembro de 2007

[5] NUNES, Pedro. Dicionário de Tecnologia Jurídica. Vol I. São Paulo : 1965, p.214.

[6] Organização as Nações Unidas no Brasil para a Educação,Ciência e Cultura.Sobre a Unesco.UNESCO: que é e o que faz.Disponível em: <http://www.unesco.org.br/unesco.org.br/unesco/sobreaUNESCO/index_html/mostra_documento>  Acesso em: 13 de Setembro de 2007

[7] Nações Unidas no Brasil. Declaração dos Direitos Humanos.Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>  Acesso em: 13 de setembro de 2007

[8] As Convenções de Genebra são uma série de tratados formulados em Genebra, na Suíça, definindo as normas para as leis internacionais relativas aos Direitos Humanos. Esses tratados definem os direitos e os deveres de pessoas, combatentes ou não, em tempo de guerra. Os Tratados foram elaborados durante 4 Convenções, entre 1864 a 1949.

[9] International Criminal Court. About the Court. Disponível em: <http://www.icc-cpi.int/about.html> Acessado em: 14 de setembro de 2007

Sobre o(a) autor(a)
Paola Frassinetti Alves de Miranda
Graduou-se como Bacharela em Ciências Jurídicas pela Universidade Estadual da Paraíba, em Julho de 2007. Autora de diversos artigos jurídicos, especializando-se nas áreas de Direitos Humanos e Direito Econômico. Currículo Lattes...
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