As inovações no regime de bens e a controvérsia do princípio da imutabilidade no direito intertemporal

As inovações no regime de bens e a controvérsia do princípio da imutabilidade no direito intertemporal

Aborda as inovações trazidas pelo Código Civil de 2002 em relação aos regimes de bens possíveis bem como aduz a respeito do princípio da imutabilidade desses regimes e sua aplicabilidade quanto ao Direito Intertemporal.

O regime de bens diz respeito ao direito patrimonial das pessoas e seus efeitos quanto ao casamento, pelos quais abrangem a obrigação alimentar de cada cônjuge assim como o da prole, e os direitos sucessórios que podem eventualmente se estenderem aos ascendentes e os colaterais até o segundo grau bem como ainda até o quarto grau conforme artigo 1839 do Código Civil/02.

Com o advento do Código Civil de 2002 o Direito de Família passou por uma série de modificações e inovações, perdendo assim o seu estilo antigo de classista. E o Código Cível ainda vem sofrendo grandes alterações das quais abordaremos no transcorrer deste trabalho.

No Código de 1916 era obrigatória a outorga uxória para a alienação dos bens decorrentes do casamento com todos os tipos de regime de bens (comunhão universal, comunhão parcial, participação final nos aquestos e separação) mesmo que os bens pertencessem a apenas um dos nubentes, assim ambos poderiam estar de acordo com o ato jurídico da venda, atribuindo seguranças jurídicas um ao outro e para terceiros.

Importante ressaltar que com essas inovações inclui-se a possibilidade da dispensa de consentimento, ou melhor, da outorga uxória, do cônjuge que não é proprietário, para a alienação do bem do outro cônjuge, com a ressalva de que os cônjuges devem-se estar enquadrado no regime de separação absoluta de bens.

O preceito nesse caso é explicado pelo Novo Código Civil, aduzindo a não comunicabilidade dos salários, proventos e remuneração dos cônjuges exatamente nesse regime de separação absoluta, portanto cabível a venda do bem sem o consentimento do outro cônjuge, porém aos frutos dessas rendas são comunicáveis, daí se nasce a grande dúvida.

Se aquele bem imóvel vendido por um dos cônjuges sem a outorga uxória seria proveniente de uma forma de retirar a renda para a subsistência da família? Ou seja, esse bem era utilizado para a subsistência familiar, com alugueis e arrendamentos?

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “justifica-se a exigência pelo fato de os imóveis serem considerados bens de raiz, que dão segurança à família e garantem o futuro dos filhos, malgrado o patrimônio mobiliário possa atingir valor pecuniário muitas vezes maior que o imobiliário. Justo que o outro cônjuge seja ouvido a respeito da conveniência ou não da alienação”.

Mas esse diapasão não vem ao caso para entrar em discussão, posto ser apenas lançada a inovação trazida pelo nosso Código Civil de 2002. Mais relevante seria comentar acerca do que preceitua o artigo 2.039 do CC/2002, quanto à dispensa da outorga ser concedida para os casamentos realizados após o advento do Código Civil, ou também para aqueles anteriores ao Código Civil de 2002.

Para esse ponto temos uma jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal, acostada:

Alienação de bens. Regime da separação convencional. Outorga uxória. Dispensa pelo art. 1.647 do CC/2002. Aplicação apenas para os casamentos realizados após a vigência da nova legislação, inteligência do art. 2.039 do CC/2002. Decisão mantida. (TJDF, AL n. 20030020074335, rel. Min. Roberval Casemiro Belinati, j. 16.02.2004. In: Cahali, Francisco José. Família e Sucessões no CC/2002, São Paulo, RT, 2005, v.II e Código Civil Comentado, Ministro Cesar Peluso, 1ª Ed. Brasileira, p. 1612).

Portanto, mesmo com a inserção do artigo 1.647 do Código Civil que autoriza a alienação do bem apenas para o regime de separação absoluta, o artigo 2.039 do mesmo Código veda a aplicação para os casamentos realizados na vigência do Código Civil anterior, dizendo que “é o por ele estabelecido”.

Dessa mesma tese, parte mais uma controvérsia condizente as inovações, posto ser aceita a dispensa para o regime de separação absoluta, mas a Sumula 377 do STF aduz a determinação da comunicação dos aquestos no regime de separação legal dos bens. Ocorre que o regime de separação legal dos bens seria o mais conhecido como o regime obrigatório, causando uma confusão no que diz respeito a qual regime ser aplicada a dispensa, no obrigatório ou absoluto?

O regime obrigatório é expresso pelo Código no artigo 1641, onde é obrigatório o regime de separação de bens para os casos que as pessoas contraírem o casamento com as inobservâncias das causas suspensivas da celebração, aos maiores de 60 anos e de todos os que dependerem de suprimento judicial para casarem.

Com isso, resta claro que houve uma confusão do legislador em dizer absoluto ao invés de obrigatório, sendo assim, a nosso ver a dispensa é aplicada realmente no regime de separação absoluta de bens.

Noutro vértice temos a mais recente inovação que estabelece diretrizes para a possibilidade de modificação do regime de bens por vontade de ambos os cônjuges. Além do que para esse beneficio atribuído ao Código há a necessidade de ser motivada a vontade dos cônjuges, bem como a verificação do juiz de que não há coação e nem prejuízo a terceiros.

Segundo o artigo 1639, §° 2 do novo Código Civil que dispõe:

É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”

Portanto a escolha do regime de bens pode perfeitamente ser modificada durante a constância do casamento averiguada as observâncias desse dispositivo legal, pois a escolha do regime nem sempre é adequada, haja vista ser o perfil do cônjuge revelado durante o casamento e de comum acordo de forma justa nada melhor do que poderem modificá-lo.

Ocorre que essa inovação também trouxe algumas contradições haja vista a aplicabilidade desse dispositivo aos casamentos realizados antes do Código Civil de 2002 e para aqueles efetuados depois do mesmo preceito, perfazendo assim a relação intertemporal quanto ao regime adotado.

Quanto à possibilidade de modificação do regime adotado pelos cônjuges regia o principio da imutabilidade absoluta pelo qual impedia a modificação do regime baseados em duas razões claras que são o interesse dos cônjuges e o de terceiros, assim evitaria o abuso de um dos cônjuges para o seu próprio beneficio.

Mas coma inserção do artigo 1.639§2° do CC/02 esse princípio da imutabilidade passou a não ser absoluto, admitindo portanto a alteração do regime, conforme preceitua: “mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.

Lembrando que para a alteração do regime, desde que não seja o obrigatório com fulcro no artigo 1.641 do CC/02, é mister atender os requisitos de: pedido formulado por ambos os cônjuges; autorização judicial; razões relevantes; e, ressalva dos direitos de terceiros.

Para melhor elucidar o tema, Pablo Stolze Gagliano aduz que “o regime de bens consiste em uma instituição patrimonial de eficácia continuada, gerando efeitos durante todo o tempo de subsistência da sociedade conjugal, até a sua dissolução. Dessa forma, mesmo casados antes de 11 de janeiro de 2002, data da entrada em vigor do Novo Código, os cônjuges poderiam pleitear a modificação do regime, eis que os seus efeitos jurídico-patrimoniais adentrariam a incidência do novo diploma, submetendo-se às suas normas” (GRIFO NOSSO).

Em suma o Código de 2002 inovou a questão da imutabilidade absoluta do regime de bens substituindo esse princípio pelo da mutabilidade motivada ou justificada. Bem como a mutabilidade motivada é aplicada perfeitamente para os casamentos realizados anteriormente ao CC/02, pois seus efeitos são produzidos na vigência do atual e sendo motivada (ambos os cônjuges) não há que se falar em prejuízo de uns dos consortes.

“Nessa mesma trilha decidiu, por unanimidade, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ser admissível a alteração do regime de bens de casamentos ocorridos na vigência do Código Civil de 1916”. (Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, p. 389)


BIBLIOGRAFIA

KOLLET, Ricardo G. A outorga conjugal nos atos de alienação ou oneração de bens imóveis. Disponível em: http://www.irib.org.br/biblio/boletimel722a.asp. Acesso em 22 de agosto de 2007.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Alguns Efeitos do Direito de Família na Atividade Empresarial. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 23 de agosto de 2007.

BRASIL. Código Civil Comentado Doutrina e Jurisprudência. Coordenador Ministro Cezar Peluso. Barueri, SP: Manole, 2007.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito de Família, vol. VI, 3ª Ed. Saraiva, 2007.

Sobre o(a) autor(a)
Fernanda Grezzi Urt
Estudante de Direito
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