O Novo Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e seus reflexos nos Juizados Especiais Cíveis
Analisa o artigo 74 do Novo Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte que ampliou consideravelmente a legitimidade ativa das microempresas e empresas de pequeno porte para postularem perante os Juizados Especiais Cíveis.
Como parece ter se tornado regra nos últimos anos, todo o fim de ano, no apagar das luzes, quando os operadores do direito estão agonizando, esperando pela chegada das merecidas férias de final de ano, com a cabeça mais nas praias, festas e encontros com os parentes do que nos livros de doutrina e nas atualizações legislativas, são lançadas um calhamaço de leis pelo Congresso Nacional, como se o objetivo delas fosse pegar os despreparados de surpresa no ano vindouro.
Pois bem, em mais uma destas tentativas, foi sancionada em 14 de dezembro de 2006 a Lei Complementar 123 que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e revogou (ou ainda vai revogar como se analisará) as leis 9.317/96 (Regime Tributário das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte) e 9.841/99 (antigo Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte).
Dentre muitas inovações, o referido diploma legal apresentou uma de grande importância prática para os operadores de direito: O conceito legal de microempresas e empresas de pequeno porte foi consideravelmente, ou pelo menos quantitativamente, alterado, e junto com ele, veio à baila o artigo 74, que dispõe sobre o Acesso aos Juizados Especiais, com o fito de substituir o antigo artigo 38 da Lei 9.841/99 que tratava sobre o mesmo assunto.
Tais alterações, como se pormenorizará, vão aumentar em muito o valor da receita bruta anual para as sociedades empresariais elencadas no Estatuto, o que por conseqüência, alterará também a competência dos Juizados Especiais Cíveis, restando saber quais as implicações que isto trará ao órgão especial.
I – O novo conceito
Conforme dispõe o artigo 3º da Lei Complementar 123/06 consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 do Código Civil, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:
I – no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais);
II – no caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).
§1º Considera-se receita bruta, para fins do disposto no caput deste artigo, o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.
Observando a novel legislação, denota-se que as microempresas, antes consideradas aquelas que auferiam receita bruta anual igual ou inferior a R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais), passaram a ser definidas como aquelas com receita bruta anual igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais), resultando, portanto, em pequena diminuição na conceituação de tais empresas.
Por sua vez, a limitação legal de empresas de pequeno porte foi duplicada e passou de R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais) para aquelas pessoas jurídicas com receita bruta anual superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).
Tais alterações influíram diretamente na competência dos Juizados Especiais Cíveis, como a seguir se observará.
II – Do acesso aos Juizados Especiais Cíveis por parte das microempresas e empresas de pequeno porte
A lei 9.099/95 que trata sobre os Juizados Especiais em âmbito Estadual não traz em seu texto a possibilidade de pessoas jurídicas freqüentarem o pólo ativo da demanda, se limitando a expor que somente as pessoas físicas capazes serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas. (art. 8º, §1º)
Entretanto, por força do antigo Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, as pessoas jurídicas caracterizadas como microempresas, passaram, a partir do ano de 1999 a ter legitimidade ad causam para propositura de ações perante os Juizados Especiais Cíveis, desde que, como alhures informado, possuíssem renda bruta anual igual ou inferior a R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais).
Tal possibilidade vinha aventada pelo artigo 38 da Lei 9.841/99 que assim dispunha:
Art. 38. Aplica-se às microempresas o disposto no § 1o do art. 8o da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, passando essas empresas, assim como as pessoas físicas capazes, a serem admitidas a proporem ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas.
Ressalta-se que às empresas de pequeno porte, por opção do legislador, não foi dada a prerrogativa de postular perante os Juizados Especiais Cíveis.
No que tange aos Juizados Especiais Cíveis Federais (Lei 10.259/01), em razão de expressa previsão legal, tanto as microempresas como as empresas de pequeno porte possuíam legitimidade para propor ação no órgão especial federal, senão vejamos:
Art. 6º Podem ser partes no Juizado Especial Federal Cível:
I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei no 9.317, de 5 de dezembro de 1996;
Agora, com a Lei Complementar 123/06 a legitimidade de causa para as microempresas e empresas de pequeno porte foi uniformizada, passando uma e outra a serem admitidas como legitimadas tanto perante os Juizados Especiais Cíveis Estaduais como Federais.
Art. 74. Aplica-se às microempresas e às empresas de pequeno porte de que trata esta Lei Complementar o disposto no §1º do art. 8º da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, e no inciso I do caput do art. 6º da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, as quais, assim como as pessoas físicas capazes, passam a ser admitidas como proponentes de ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas.
Como se infere do dispositivo legal supra citado, o legislador além de atribuir expressamente legitimidade ativa para as microempresas e empresas de pequeno porte perante os Juizados Especiais, remeteu o exegeta ao artigo 3º, incisos I e II da Lei Complementar em tela, fazendo-se crer que todas as microempresas com renda bruta anual igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e as empresas de pequeno porte, com renda bruta anual superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais) passaram a poder litigar perante os Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais.
Tal prerrogativa eleva em muito a competência dos Juizados Especiais Cíveis, pois passaram a poder julgar causas em que microempresas e empresas de pequeno porte forem partes, saltando dos R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) que era o limite de renda bruta anual das microempresas, para R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais), que é o teto máximo para as empresas de pequeno porte.
III – Das conseqüências da nova lei
Como se viu, depois do Novo Estatuto das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, os Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais passaram a ser competentes para dirimir conflitos que figurarem como parte autora microempresas e empresas de pequeno porte com renda bruta igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).
Esta possibilidade aumentou a legitimidade ad causam destas pessoas jurídicas em regime especial, que agora podem se fazer presentes como autoras perante os Juizados Especiais mesmo auferindo renda quase dez vezes maior.
Isto implica em um questionamento: Será que os Juizados Especiais Cíveis, em especial os estaduais, possuem estrutura para suportar a avalanche de demandas que de agora em diante poderão ser propostas pelas microempresas e empresas de pequeno porte?
Não se ousa neste simples trabalho esgotar, ou ao menos responder com precisão tal questionamento, pois só o tempo nos dará a resposta, porém, é de se convir que na maioria dos estados brasileiros, os juizados especiais trabalham em situações precárias, com poucos funcionários, pouco material de expediente e pouquíssima disponibilidade orçamentária, e a explosão de demandas que com certeza se guiarão para os Juizados Especiais Cíveis, vai acabar por falir de vez este órgão, que, quando criado, na melhor das intenções, tinha o nítido alvo de desafogar as varas cíveis dos estados e dar maior acesso à justiça para aqueles que demandam litígios menos complexos.
Não se pode fazer com que os Juizados Especiais, agora menos especiais ainda, pois estão se transformando em verdadeiras varas da justiça comum, virem balcão de cobrança de dívidas das microempresas e empresas de pequeno porte, ainda mais quando apresentem excelente renda bruta anual de R$ 2.400.00,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais), pois é certo que o verdadeiro intuito do legislador federal e do constituinte de 1988 não foi abarrotar de processos estes órgãos especiais, e sim dar efetividade ao acesso à justiça, e propiciar aos jurisdicionados, principalmente aqueles de menor condição econômica, a possibilidade de comungar de uma justiça mais rápida e eficaz.
IV – Da aplicabilidade imediata da lei
A Lei Complementar 123/06, como consta em seu artigo 88, entrou em vigor na data de sua publicação (15.12.2006), exceto no que tange ao regime de tributação das microempresas e empresas de pequeno porte, que somente entrarão em vigor em 1º de julho de 2007.
Art. 88. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, ressalvado o regime de tributação das microempresas e empresas de pequeno porte, que entra em vigor em 1º de julho de 2007.
Ocorre que o artigo 89 da mesma lei complementar prescreve que as Leis 9.317/96 e 9.841/99, antigas leis que tratavam sobre o regime diferenciado das microempresas e empresas de pequeno porte, somente serão revogadas a partir de 1º de julho de 2007.
Art. 89. Ficam revogadas, a partir de 1º de julho de 2007, a Lei no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e a Lei no 9.841, de 5 de outubro de 1999.
Daí surge uma aparente controvérsia, que está levando muitos operadores do direito a formularem conclusões precipitadas acerca da aplicabilidade imediata ou não do novo Estatuto, no que se refere à legitimidade das microempresas e empresas de pequeno porte perante os Juizados Especiais, eis que surge confronto entre o antigo artigo 38 da Lei 9.841/99 com o novo artigo 74 da Lei Complementar 123/06.
Esta celeuma é de fácil resolução. Primeiro porque quando uma lei, nos termos do artigo 2º, §1º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657/42) passa a regular inteiramente matéria de lei anterior, e o artigo 74 do novo Estatuto das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte passou a regular totalmente a matéria que tratava o artigo 38 da Lei 9.841/99, a lei antiga é revogada e passa a não ser mais aplicável.
Segundo porque de uma simples interpretação conjugada entre os artigos 88 e 89 do novo diploma legal, extrai-se a informação de que a Lei Complementar em questão entrou em vigor na data de 15 de dezembro de 2006, dia de sua publicação, para todos os seus efeitos, salvo no que diz respeito ao regime de tributação das microempresas e empresas de pequeno porte, que passarão a viger a partir de 1º de julho de 2007.
O que fez o legislador infraconstitucional no artigo 89 foi apenas postergar a revogação das antigas leis até 1º de julho de 2007, quando o regime de tributação das microempresas e empresas de pequeno porte cessará e entrará em vigor plenamente o novo regime.
Logo, o artigo 74 da Lei Complementar 123/06 tem aplicabilidade imediata, podendo as microempresas e empresas de pequeno porte com nova conceituação litigar como autoras desde já perante os Juizados Especiais. Apenas os artigos de lei que se referem ao regime de tributação das microempresas e empresas de pequeno porte das leis antigas não sofreram revogação imediata e entrarão em vigor em 1º de julho de 2007.
V – Conclusão
1. O Novo Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte alterou o conceito de microempresas e empresas de pequeno porte, passando a serem consideradas como tais, as primeiras, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, que aufira receita bruta anual igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e as segundas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, que obtenha, por ano, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).
2. O artigo 74 do novo Estatuto passou a prever a possibilidade das microempresas e empresas de pequeno porte postularem, de acordo com o novo conceito legal, como autoras perante os Juizados Especiais Cíveis, tanto na esfera Estadual como Federal.
3. Com a nova definição legal de microempresas e empresas de pequeno porte, bem como diante da possibilidade destas terem legitimidade ativa junto aos Juizados Especiais, estes órgãos sofrerão com o inchaço de processos que conseqüentemente serão propostos pelas novas pessoas jurídicas legitimadas, aumentando ainda mais os problemas que já possuem.
4. Apesar do artigo 89 da Lei Complementar postergar a revogação das Leis 9.317/96 e 9.841/99, o artigo 74 tem aplicação imediata. Apenas o que diz respeito ao regime de tributação das microempresas e empresas de pequeno porte não sofreu revogação e entrará em vigor a partir de 1º de julho de 2007.