Partilha e divórcio simplificados
A Lei nº 11.441/07 desjudicializou os processos de separação e divórcio consensual e partilha de bens entre herdeiros maiores e capazes.
Dentre os diversos textos legislativos, relevante e de utilidade prática para o operador do direito demonstra ser o da Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007, que desjudicializou os processos de separação e divórcio consensual e partilha de bens entre herdeiros maiores e capazes. O processo judicial brasileiro é ainda excessivamente burocrático e quanto mais se fizer desnecessário a intervenção do Estado Jurisdicional sobre os atos de vontade, maior avanço terá a sociedade.
O avanço do texto legal poderá ser obstaculizado pelo fator cultural, das partes, dos advogados, dos notários, registradores e as Corregedorias das Cortes de Justiça dos Estados. A bem da verdade, o legislador poderia excluir a palavra inventário na redação do art. 982, 2ª parte, mantendo apenas a palavra partilha, uma vez que na partilha por escritura pública, a descrição dos bens com todos os seus característicos (inventário), é pressuposto de validade do ato, seu atributo.
Vejamos o que mudou. Na separação e no divórcio quando consensual, somente será admitido o ato por escritura pública quando não houver filhos menores ou incapazes, art. 1.124-A do CPC. Havendo filhos menores ou incapazes, obrigatoriamente, a separação ou o divórcio será sempre judicial, sem prejuízo de ser convertido em consensual, com a anuência expressa do Ministério, no curso do processo.
Na separação judicial ou no divórcio consensual, a validação das vontades dependerá de instrumento público, escritura pública lavrada nas Notas do Tabelionato (Notário), onde deverá constar: a) a vontade expressa do casal de separar-se ou divorciar-se; b) a descrição dos bens com todos os seus característicos, área, limites, confrontações, forma de aquisição, transcrição imobiliária, se houver, e a partilha deles; c) pensão alimentar definida; d) acordo quanto ao nome de família; e) presença de advogado comum ou de advogados constituídos por cada uma das partes, constando do instrumento público a qualificação do profissional. De posse da escritura pública, será averbada a separação ou o divórcio no cartório do registro das pessoas naturais da realização do casamento. A procuração outorgada ao advogado será com poderes especiais para o ato.
Não há impedimento para a adoção da separação ou divórcio administrativo, quando o filho maior de 18 e menor de 24 anos e cursa graduação universitária, desde que a letra da lei, art. 1.124-A, somente exclui o procedimento quando houver filho menor ou incapaz. Se não houver consenso, a separação ou divórcio será sempre judicial.
Grande avanço é a desjudicialização da partilha de bens na sucessão hereditária. O inventário e a partilha, na forma originariamente prevista no CPC, quando não persistia divergência entre os herdeiros e entre eles e o meeiro, já era um procedimento “quase-administrativo”, embora inchado de atos processuais inteiramente desnecessários. Agora, se não há filho menor ou incapaz e nem testamento e havendo consenso entre os herdeiros e entre eles com o meeiro, diretamente, as partes comparecerão diante do tabelionato de notas onde se lavrará instrumento público de partilha de bens.
São requisitos essenciais para validade do ato: a) que todos os herdeiros sejam maiores; b) qualificação do autor da herança, domicílio e o local do falecimento; b) qualificação do meeiro e herdeiros maiores e capazes; d) descrição de todos os bens, imóveis, móveis, semoventes, singulares e coletivos, direitos e ações, com os seus característicos. Na descrição dos imóveis deverá constar o tipo do imóvel e sua destinação, área, limites e confrontações, benfeitorias, forma de aquisição e nome dos transmitentes; d) qualificação do advogado comum ou dos advogados das partes.
Havendo questão de alta questão a se discutir, incabível a partilha administrativa de bens porque sempre dependerá de decisão judicial. Na partilha consensual, por escritura, o Tabelião, as partes e advogados obedecerão ao previsto no art. 993 do CPC, com a qualificação do autor da herança, do meeiro, herdeiros e descrição dos bens.
Dúvida poderá haver em razão da redação da letra da lei, contudo, de fácil elucidação. A Lei nº. 11.441, de 04.01.2007, introduziu o art. 1.124-A e §§ 1º, 2º e 3º ao CPC, dispondo de forma expressa no § 1º: “A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.” Quanto à partilha por escritura, o mesmo legislador não usou da mesma expressão, dizendo apenas na parte final do art. 982 do CPC, com a nova redação, que a escritura se constituirá em título hábil para o registro imobiliário, ou seja, ela independe de homologação judicial. O art. 2.015 do CC que não foi alterado, somente será aplicado quando houver abertura de inventário ou arrolamento de bens. Pelo CC, a partilha dependerá de homologação judicial.
As alterações ao procedimento de inventário e partilha de bens entre herdeiros maiores e capazes e desde que não haja testamento, nasceram do Projeto de Lei nº. 155/2004, de autoria do Sen. Cesar Borges (PFL-BA), e Projeto Substitutivo de nº. 6.416/2005. O Projeto foi relatado pelo Dep. Maurício Rands que exarou o seguinte voto:
“II — VOTO DO RELATOR
A proposta analisada tem como intuito simplificar a realização da partilha consensual por meio de escritura pública, desde que envolva herdeiros capazes, dispensando esse procedimento da homologação judicial.
A atuação do Poder Judiciário nos casos mencionados, via de regra, limita-se à ratificação do acordo previamente firmado entre as partes.
Na partilha consensual envolvendo herdeiros capazes inexiste conflito, o que torna a intervenção judicial dispensável, uma vez que os requisitos necessários para a realização de transação entre as partes estão presentes.
Assim, ao dispensar a necessidade de homologação judicial nesse procedimento, o ordenamento não prejudica nenhuma das partes, pelo contrário, contribui para que elas formalizem a partilha de modo mais célere e simplificado.
Apesar disso, o projeto analisado não altera a legislação de modo suficiente, pois poderia ter adotado previsão mais ampla, autorizando a realização do inventário e da partilha consensuais, independentemente da composição da herança, desde que os herdeiros fossem capazes, tendo em vista a natureza voluntária do procedimento.
Diante disso, a proposta teria maior impacto sobre o ordenamento, com conseqüências positivas para a redução da demanda do Poder Judiciário e na melhoria dos procedimentos disponíveis para a população, ao menos para a realização do inventário e da partilha.
Dessa forma, recorremos à proposta inserida no “Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano”, documento assinado pelos representantes dos três poderes e que contém as diretrizes e projetos que norteiam o processo de reforma do nosso sistema jurisdicional, para formular nova proposta para o projeto analisado, de modo a ampliar as mudanças objetivadas.
No substitutivo proposto, a alteração proposta para o artigo 2.015 do Código Civil é substituída pela alteração da redação do artigo 982 do Código de Processo Civil, cujo texto passa a permitir a realização do inventário e da partilha consensuais por escritura pública, desde que os interessados sejam capazes e não haja testamento.
Importante explicar que a restrição imposta à realização do procedimento extrajudicial nos casos em que exista testamento, deve-se ao fato de que a prática forense tem demonstrado que a interpretação desses documentos geralmente suscita grandes divergências entre os herdeiros, o que aumenta consideravelmente as chances de uma partilha consensual, posteriormente, transformar-se litigiosa, o que inutilizaria os atos praticados no procedimento extrajudicial.
A proposta substitutiva exige que as partes sejam assistidas por advogados para a realização do inventário e da partilha consensual, tal medida pretende assegurar aos herdeiros as mesmas garantias presentes no processo judicial, afastando o risco de que as partes venham a consentir com um acordo temerário.
Assim, a proposta assegura às partes a realização do inventário e da partilha por meio de escritura pública, sem prejuízo das garantias presentes no processo judicial e com procedimento bem mais célere.
Dessa forma, a proposta inserida no sugerida no substitutivo possui maior abrangência que aquela prevista no projeto original, o que torna desnecessária a alteração do Art. 2.015 do Código Civil, daí a sua exclusão.
A proposta substitutiva apresentada aproveita para alterar o Art. 983 do Código de Processo Civil, de modo a ampliar para sessenta dias o prazo para a abertura do processo de inventário e partilha, bem como para doze meses o prazo para o encerramento do mesmo. A medida pretende adequar o prazo legal à realidade do nosso sistema judicial, uma vez que o tempo médio para a resolução de um inventário é substancialmente superior àquele previsto na lei. Da mesma forma, a prática nos mostra que o prazo para iniciar o processo também tem se mostrado bastante exíguo.
Além da simplificação do procedimento consensual do inventário e da partilha, entendemos que o projeto deve aproveitar a oportunidade para simplificar o procedimento para a realização do divórcio e da separação consensual, tendo em vista o caráter voluntário dessas demandas.
A atuação do magistrado na separação judicial consensual que não envolva interesses de incapazes, geralmente, limita-se à homologação do acordo de vontades firmado entre as partes. O mesmo ocorre no divórcio consensual com as mesmas características, diferenciando-se apenas quanto à verificação do cumprimento dos prazos legais.
Diante disso, recorremos novamente à proposta inserida no “Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano”, para inserir em nossa proposta dispositivo que acresce novo artigo ao Código de Processo Civil, cujo texto permite a realização consensual da separação e do divórcio por meio de escritura pública, desde que ausentes os interesses de incapazes e observados os requisitos legais quanto aos prazos.
A medida permitirá a realização da separação consensual por meio de escritura pública, incumbindo ao tabelião a tarefa de verificar a existência dos requisitos legais para a realização do procedimento.
Efetuada a separação, as partes também poderão realizar o divórcio consensual por meio de escritura pública, cabendo ao tabelião verificar se estão preenchidas as condições legais previstas para a realização desse procedimento, principalmente no que concerne ao prazo.
Assim como no procedimento para a realização do inventário e da partilha extrajudicial, propomos que as partes interessadas também sejam obrigatoriamente assistidas por advogado no procedimento consensual para a separação e o divórcio extrajudicial, de modo a impedir o consentimento em acordos temerários.
Com a aprovação das inovações propostas, o ordenamento disponibilizará aos jurisdicionados mecanismos simplificados, seguros e céleres para a realização de procedimentos que não buscam a solução de conflitos, mas apenas a formalização de situações de fato ou de acordos previamente firmados.
Conseqüentemente, o ordenamento reduzirá a demanda do Poder Judiciário, permitindo que sua atuação seja cada vez mais focada na resolução de verdadeiros conflitos, casos em que a tutela jurisdicional é imprescindível.
Diante disso, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei 6.416, de 2005, na forma do substitutivo que apresentamos.”.
Assim como na separação judicial e no divórcio, a partilha amigável será lavrada mediante instrumento pública – escritura -, perante o Tabelionato de Notas, desde que os herdeiros sejam maiores e capazes e não haja testamento. Independe para sua validade, de homologação judicial, como bem assentado no voto do Dep. Relator: “Assim, ao dispensar a necessidade de homologação judicial nesse procedimento, o ordenamento não prejudica nenhuma das partes, pelo contrário, contribui para que elas formalizem a partilha de modo mais célere e simplificado”. Lavrada a escritura pública, o Tabelião (Notário) expedirá certidão para cada herdeiro.
A Lei não indicou o foro para a lavratura da escritura pública de separação, divórcio ou da partilha por direitos hereditários, na separação judicial e no divórcio entendo que deva ser o do domicílio do casal, ou de qualquer deles, se já separados de fato e com residência em foros distintos. Se houver bens imóveis, a certidão expedida pelo tabelião será averbada pelo oficial onde o imóvel for registrado.
Na partilha de bens por direitos hereditários, quando consensual, poderá ser lavrada em qualquer foro dos herdeiros, desde que haja exibição das certidões expedidas pelos fiscos Federal, Estadual e Municipal e que se exiba o pagamento do imposto de transmissão por morte causa incidente sobre cada bem. Como o imposto é da competência do Estado Federado, se houver bens tributáveis em mais de um Estado, o Tabelião exigirá o comprovante de pagamento do tributo ao Estado da localização do bem. Na homologação de partilha em sede de inventário ou arrolamento judicial, a homologação dela dependerá da prova do pagamento dos tributos sobre os bens e rendas, art. 1.031 do CPC, o mesmo devendo acontecer em relação a partilha administrativa.
Para uma melhor efetivação da Lei nº. 11.441, o CNJ deverá determinar o procedimento administrativo para lavratura das escrituras públicas, padronizando-o, para evitar tratamentos diferenciados pelos Estados da Federação. Quando isso é sustentando é porque tem sua razão de ser. Observe-se que o CNJ tem competência para o ato, nos termos do § 1º do art. 103-B da CF.Isso tem sua razão de ser para que a lei não se transforme em inutilidade prática. No sentido, poderá ocorrer situações como as descritas pelo Dr. Antonio Carlos Parreira, juiz de Direito da Vara de Família e Sucessões da Comarca de Varginha (MG) – (PARREIRA, Antonio Carlos. Escrituras de inventário e divórcio: outras questões controvertidas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1297, 19 jan. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9406>. Acesso em: 08 jan. 2007):
“Mas e nos casos de partilha por escritura pública?Por certo, como costumeiramente o fazem, as instituições financeiras continuarão exigindo autorizações judiciais, mediante alvarás, para o pagamento de valores aos contemplados na partilha, havendo grande probabilidade dos departamentos de trânsito também agirem da mesma forma.
Entendo serem exigências descabidas, porquanto as escrituras públicas são os documentos hábeis a comprovar a aquisição dos direitos pelos contemplados nas partilhas, sejam herdeiros, meeiros ou ex-cônjuges separados ou divorciados.
Admitir que os bancos, os departamentos de trânsito e outros órgãos públicos ou de atendimento ao público (junta comercial, registro de títulos e documentos, empresas de telefonia), assim como sociedades por quotas, clubes, etc. possam recusar validade às escrituras públicas, obrigando as partes a postular em Juízo alvarás para concretização dos direitos estampados na partilha, será esvaziar a nova lei, dela fazendo tábula rasa.
Apenas para exemplificar o absurdo dessa exigência, se houver, basta imaginar a seguinte situação: Em um inventário, por escritura pública, com os herdeiros maiores e capazes, o herdeiro "X" recebe em pagamento de seu quinhão, no valor total de R$1.000.000,00 (um milhão de reais), os seguintes bens: a) uma fazenda no valor de R$500.000,00; b) um apartamento no valor de R$493.000,00; c) um veículo usado no valor de R$6.000,00 e d) o saldo de uma conta bancária no valor de R$1.000,00. Lavrada a escritura, poderá ele de imediato obter o registro imobiliário e alienar a fazenda e o apartamento no total de R$993.000,00 (novecentos e noventa e três mil reais), sem qualquer intervenção judicial. Porém, terá de postular alvará judicial para transferir para o seu nome o veículo usado de R$6.000,00 e para levantar o saldo de R$1.000,00.”
O avanço decorrente da Lei nº. 11.441 é evidente e se deu inicio a uma desjudicialização na ponta para o cidadão, com grande avanço e significado. O Poder Judiciário Nacional é excessivamente burocrático, cartorial, moroso, o que enseja um esforço descomunal para adequá-lo aos nossos dias. Quanto a partilha de bens por direitos sucessórios a eficácia dela dependerá de muita boa vontade e determinação.