O inquérito, a denúncia e a sentença: caminhos tortuosos
Retrata a realidade impregnada no mundo jurídico, que acaba obstaculizando a liberdade humana de forma constrangedora, não raramente.
Quando, não há muito tempo, freqüentamos os bancos acadêmicos, ficamos entusiasmados com as lições ministradas pelos mestres do Direito.
Desde o primeiro ano, sempre atento e interessado, pois que os altos custos impunham tal necessidade, fomos conhecendo termos expressivos, causando saudosas lembranças do tempo do colégio, lá longe, quando do estudo do Latim, infelizmente abolido do currículo escolar.
Aprendi, naquela bela fase da juventude, que em latim não existem as letras “j” e “ü”, razão de se escrever FORVM e não “fórum”, aqui na forma aportuguesada. Mas tudo isso é passado, de saudosa e salutar lembrança.
Agora, tendo assimilado muitas lições que só a vida tem capacidade para proporcionar, um novo encanto ao freqüentar as aulas do curso de Direito.
Dos sábios ensinamentos, absorvemos o que seja inquérito, o que seja denúncia e o que seja sentença, dentre os muitos aspectos da lei criminal. Conceitos foram sendo formados, criando-se uma base, exatamente conforme, naquelas noites, eram as aulas ministradas.
O tempo passou rápido, quase que sem perceber e apesar da opção pela área tributária, fruto da formação contábil, começaram a despertar encantos pelas aulas de Penal e de Processo Penal.
Mas, como nem tudo na vida é definitivo, e isso é bom, pois acaba evitando a mesmice, o marasmo e a estagnação mental, acabamos por atuar em um Mandado de Segurança, fruto da incoerência de um julgador que, mesmo diante de todas as provas e evidências do caso, negara a liberação de um veículo apreendido, ferramenta de trabalho de um taxista que, de forma sofrível, adquirira o mesmo para o seu sagrado exercício profissional, objetivando sempre suprir suas necessidades próprias e de sua família.
Essa intransigência, entretanto, começou a mudar aquele conceito, mostrando que nem tudo era assim perfeito, como aprendido nos bancos acadêmicos, ainda recentemente.
Contudo, o sucesso obtido junto ao Tribunal quanto ao mandado de segurança impetrado, parece ter amenizado aquele momento de certa desilusão. É de se afirmar que nunca deixamos de acreditar que o tempo proporciona novas lições, pois que sempre haveremos de aprender, já que nada sabemos de forma absoluta.
Aquele momento passou, ficou adormecido e, assim, ainda presente o entusiasmo para ver um inquérito processado dentro das regras, com transparência, eficiência, capacidade de investigação, lealdade com o investigado, dentre outros aspectos que busquem a verdade, pois que a razão e o motivo da apuração de determinado fato.
Mas, pelo que temos visto e vivenciado, em grande maioria, esses adjetivos são abandonados, esquecidos e postos à parte, sempre em favor de interesses mesquinhos e que afrontam todos os princípios, todos aqueles ensinamentos que foram transmitidos pelos mestres.
E a mídia aí está, em grandes manchetes a estampar, na primeira página dos jornais e nos noticiários especializados, que a situação fática não é bem aquela. São inquéritos distorcidos, carentes de verdade, carregados por interesses pessoais e de grupos, embora devamos reconhecer que existam raras e honrosas exceções.
E não é por falta de conhecimento, pois que as autoridades são preparadas, são instruídas, têm capacidade; contudo, de forma lamentável, percorrem caminhos assustadores, distorcendo fatos e corrompendo a verdade e a justiça.
E a redação, com todos os vícios de linguagem, gerando interpretações diversas. É lamentável esse primeiro passo, contrariando a ordem natural da dignidade. Portanto, quase sempre elaborados de forma duvidosa, mas que satisfazendo interesses, acabam dando origem à representação, como se tal fosse uma peça digna e perfeita. Há exceções, ratificamos, embora raras e honrosas.
Surgi daí uma nova fase, a do exame para ofertar ou não a denúncia, podendo ser arquivado ou até mesmo para determinar investigação complementar, desde que em função dessa necessidade.
Em regra, aquele que representa o Estado, em poucas laudas, sem se aprofundar no exame do que lhe é ofertado, em poucos instantes, quase sempre, ou em conclusão detalhada, não por analisar o caso concreto, mas sim para dar uma roupagem de que assim procedeu, oferece denúncia e o tortuoso caminho que o adversário deve percorrer continua esburacado, sem nenhum auxílio ou reparo.
Não é a regra básica, pois que aqui também ocorre o fenômeno das raras e honrosas exceções. E são temidos, pois que suas canetas, às vezes sem escrúpulos, podem causar um desastre, contrariando a transparência para apurar ou examinar o caso apresentado com um cuidado maior, com uma análise mais criteriosa. E os ensinamentos apregoados sempre foram nesse sentido, pois que gozam, ou deveriam gozar, de um conhecimento acima da média.
Poderíamos aqui citar inúmeros casos em que as decisões foram destituídas de uma apreciação justa, fora da norma estatal, determinando um autêntico calvário, apenas porque têm necessidade de demonstrar poder. É claro que entre essa situação demoníaca há também os espíritos celestes que velam sobre cada pessoa, afastando-a do mal. E nem poderia ser diferente, pois o equilíbrio deve existir ...
Entre muitas decisões que começam a partir dela, com a instrução e outros ritos processuais rigorosamente observados, quase sempre, chegamos ao trecho final desse caminho tortuoso, o trecho que é representado pela sentença.
Aqui também, como nas etapas anteriores, esse trecho é nebuloso e sombrio, embora existam raras e honrosas exceções. Ainda bem, pois seria o maior caos, se assim não fosse.
E muitas decisões contrariam a verdade, aquela apurada no inquérito, aquela que os próprios Autos demonstram, pois que merecem esse exame, já que clara e notória a situação descrita na peça inquisitorial, com redação obscura e com falhas, não reunindo condição mínima para a sustentação da denúncia.
E muitas acabam simplesmente refletindo esse manifesto, sem qualquer fundamentação eficiente. E o caminho, que cada vez mais se torna oposto à verdade e à justiça, há de ser trilhado com dificuldades insustentáveis. E a grande maioria nem sempre consegue encontrar aquele que lhe possa, ao menos, suavizar tal caminhada.
Podemos e devemos aqui respirar, acender um cigarro, dar uma tragada e, em meio à fumaça, que se forma e se dissipa, fazer um rápido reexame da situação. Facilmente vislumbraremos que nada daquilo que aprendemos nos bancos acadêmicos esteja presente, pois que, depoimentos conflitantes, não esclarecedores, dúbios e outros aspectos nefastos que se tornam desnecessários aqui descrever.
Entendemos e aceitamos as sentenças prolatadas de forma transparente, lúcida, fundamentada e que só merecem aplausos, embora possam ser contrárias às nossas pretensões, pois que a correta aplicação legal está presente, merecendo louvor. E quantas delas, por esse mundo afora, assim não são editadas? Desnecessário qualquer comentário, pois mesmo que o recurso seja imposto, não importando a sua fundamentação, é de se examinar que muitas decisões, acima do normal, sejam reformadas, diminuindo ou aumentando as agruras desse tortuoso e indesejável caminho, com obstáculos não naturais, que afrontam quaisquer princípios.
A reclamação, a imposição natural do recurso, é uma arma constitucional que permite buscar a reversão, às vezes até desprovida de uma causa ou prova eficaz. A verdade é que aumenta cada vez mais o volume de recursos interpostos em instâncias superiores, um forte indicativo de que esse caminho precisa de reparos, precisa de atenção para que os acidentes sejam evitados, acidentes como os de trânsito, quer por imperícia, por imprudência ou por negligência.
Outrora, de grande saudade, as decisões tinham uma qualidade superior, inclusive a começar pela forma de sua redação, clara e concisa. Hodiernamente, com a evolução dos tempos, nota-se uma regressão quanto à qualidade, ao conhecimento e à própria consistência do cidadão-autoridade, aqui, é bom frisar, no que diz respeito à religiosidade, ao sentimento humanitário e fraterno, que devem, em doses normais, estar presentes quando se decide.
É preciso, pois, que esse reparo possa redefinir um caminho menos turbulento, e que as autoridades responsáveis, muito acima de querer sustentar um poder, sejam transformadas ou reconduzidas às características que são apregoadas nos bancos acadêmicos, sendo o aspecto principal a figura da verdadeira justiça.
Quem sabe, num futuro não tão distante, possamos vislumbrar um caminho menos tortuoso e que os responsáveis disponibilizem suas máquinas e equipamentos (aqui a vontade, a lealdade e a dignidade), mandando-as para essa estrada esburacada, tortuosa e quase que intransitável, e com elas promovam a necessária restauração, em nome da ordem e do respeito que devem prevalecer em cada trecho desse caminho.