Tarifa Básica
Recursos inominados dos pedidos declaratórios de inexigibilidade da cobrança de assinatura básica, bem como o pedido condenatório de devolução dos pagamentos efetuados.
Pululam na Turma Recursal Única do TJ-PR os recursos inominados dos pedidos declaratórios de inexigibilidade da cobrança de assinatura básica, bem como o pedido condenatório de devolução dos pagamentos efetuados.
As concessionárias sustentam, em regra, que a “assinatura básica” cobrada nada mais é do que à mera contraprestação à disponibilidade do serviço, sendo que todas as ligações são tarifadas, inclusive as locais (medição simples e multimedição). Ademais, que a adesão ao serviço público de telefonia, prestado mediante concessão, é da discricionariedade do usuário, sendo que, uma vez se servindo da prestação deve remunerar o concessionário, esta remuneração, por sua vez, é cobrada por meio de tarifa, decorrente da relação contratual e não de obrigatoriedade de lei. Ressaltam que há efetivamente a prestação de um serviço 24 horas por dia, consistente na manutenção da rede de telefonia ativa, o que possibilita que o assinante posa fazer e receber chamadas de outras operadoras a qualquer hora.
Por fim, invocam a legalidade da cobrança da assinatura básica com lastro no disposto nos artigos 19, 83, 103, da Lei nº 9.472/97; o contrato de concessão celebrado entre a Recorrente e a Anatel e no art. 3º, XXI, da Resolução nº 85/98 (Regulamento do STFC), requerendo a rejeição da pretensão e a imposição a esse do ônus de sucumbência, com a condenação ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em 20% sob o valor atualizado da causa.
A TRU do TJ-PR, em seu Enunciado 32 esclarece:
“O Juizado Especial Estadual é competente para julgamento das ações que versam sobre a legalidade da cobrança da ‘assinatura básica mensal’.
32.a – A cobrança da ‘assinatura básica mensal’, atualmente ofertada no sistema de telefonia fixa, é ilegal.
32.b – Não cabe devolução dos valores pagos a título de ‘assinatura básica mensal; no período anterior à citação da empresa de telefonia, em processo que discute a legalidade de sua cobrança.
32.c – A devolução de valores pagos posteriormente à citação deverá ser pleiteada em ação própria."
No mérito o entendimento da Turma Recursal, conforme anteriormente mencionado, está sintetizado no Enunciado 32.a, portanto, impõe-se primeiramente rejeitar a tese de que a cobrança em discussão tem natureza de tarifa ou preço público, pois se assim fosse estaria efetivamente vinculada a prestação de serviço e não à sua mera disponibilidade, atributo inerente à taxa.
Com o devido respeito, a decisão monocrática da lavra do Ministro Edson Vidigal, do STJ, que contraria inclusive o parecer do Ministério Público exarado naqueles autos em que prolatada, observa que a chamada assinatura básica – valor pago mensalmente pela vinculação do usuário ao serviço de telefonia – faz parte do pacote de tarifas a ele aplicáveis por determinação não da concessionária, mas da própria Anatel.
Afirma que o modelo adotado para o setor de telecomunicações, com o fito de não apenas custear a manutenção dos serviços, como também a respectiva adequação, eficiência e segurança.
Lembra o Ministro que se as características do contrato firmado não fossem asseguradas, permitindo-se às partes poderes ilimitados para unilateralmente revê-lo, ainda que via decisão judicial, o particular não mais teria interesse ou segurança para negociar com a Administração.
Dentre todos os fundamentos, quiçá um dos mais perigosos seja este. Se instituirmos um Estado no qual os contratos de adesão, como o do caso, em que o serviço público, do qual não há outra forma de encontrar, isto é, somente se pode contratar o serviço dentro de critérios fixados de forma unilateral pelo concessionário e pela agência reguladora, estaremos desconstituindo os princípios mais comezinhos e basilares sobre os quais está construído o sistema do Código de Defesa do Consumidor.
Prossegue o Ministro sustentando que em um País como o nosso, com tantos problemas como a sonegação fiscal, da corrupção com o dinheiro público, o das evasões inconfessáveis de bilhões de dólares para os escaninhos ilícitos dos paraísos fiscais, um Pais tão precisado de investimentos externos indispensáveis ao enfrentamento do desemprego e precisado do desenvolvimento, não pode cochilar especialmente nesse tema de respeito aos contratos.
De fato, Alice Ramos [1] in Telcos querem legitimar mensalão disfarçado sustenta que o tratamento deste assunto chegou num nível tal de leviandade que qualquer veículo de imprensa que se preze, se julgue independente, tenha compromisso com a verdade e com seu público, não pode ficar impassível diante da multiplicação sistemática e crescente de argumentos jurídico-econômicos, que pretensamente tentam justificar a perpetuação da cobrança da assinatura básica da telefonia, sem levantar severos questionamentos.
Segundo ela o que está errado é a maneira como esses contratos foram negociados e fechados à época da privatização do Sistema Telebrás. Se esses contratos respeitassem e considerassem o consumidor como parte importante no jogo do mercado, o STF também teria que zelar por seu cumprimento.
É preciso registrar que não há sonegação fiscal, em regra, de pequenos assalariados, uns porque não pagam impostos, outros porque os descontos ocorrem em folha.
Adverte a articulista que a atual crise com relação à corrupção e o mensalão não podem, e não deve, ser o único alvo de nossas atenções, nos distraindo dos outros grandes assuntos nacionais, como essa absurda tarifa mensal.
Há um dado no mínimo curioso a respeito disso.
Quando pagamos a assinatura do telefone, nos é concedida indistintamente uma franquia de 100 pulsos, outorgados pelo artigo 3º da Portaria nº 226/97 do Ministério das Comunicações.
Mas o mesmo contrato de concessão, que as operadoras tanto usam para seus próprios fins, prevê o creditamento tarifário que jamais foi cumprindo e sequer citado pelas telcos.
Os consumidores que gastam menos de 100 pulsos deveriam ser beneficiados com desconto proporcional no valor da assinatura do mês subseqüente.
Mas tal nunca foi feito, pelo contrário, algumas empresas telefônicas tomam o crédito do consumidor no mesmo período de sua concessão, e não se fala mais nisso. Tais créditos teriam como objetivo beneficiar principalmente os usuários de baixa renda.
Mas as teles não falam dos milhões, ou quem sabe, até dos bilhões que recolheram nos últimos 11 anos só comendo esses créditos em milhões de linhas.
Além disso precisamos considerar a entrada de novas tecnologias como a Voz sobre IP (VoIP), o Wireless Fidelity (WiFi), a de Terceira Geração (3G) que são capazes de derrubar enormemente os custos de manutenção das telcos, e aprimorar em progressão geométrica a qualidade não somente das transmissões, mas também a experiência dos usuários, e conseqüentemente do valor agregado dos produtos e serviços que serão capazes de gerar novíssimas e rentáveis oportunidades de negócios.
Já é mais do que consenso no mercado de telecomunicações que voz irá virar commodity, pois será de graça e portanto as empresas terão que diversificar mais e atender melhor os consumidores.
Por outro lado a alegação de que a “assinatura básica” visa a manutenção da estrutura física necessária ao funcionamento da linha telefônica não deve prosperar.
Primeiro porque a instalação e ligação da linha são cobradas, e segundo porque a providência constitui investimento remunerado pelo lucro na atividade seja, finalmente, porque as ligações recebidas são pagas pelo usuário que as efetua.
De acordo com o anexo nº 3 do contrato de concessão entre a Anatel e as empresas concessionárias do serviço telefônico, existem três formas de cobranças distintas a serem exigidas do consumidor: 1) tarifa de habilitação; 2) tarifa de assinatura e 3) tarifa pela utilização do serviço telefônico.
Conseqüentemente, o usuário do serviço de telefonia paga a tarifa de habilitação para ter acesso ao serviço, arca com o custo de cada ligação, além de pagar ainda a tarifa mínima, independente da realização de ligações, para a “manutenção dos direitos de uso”. Portanto, inexiste qualquer tipo de serviço prestado pela empresa de telefonia capaz de justificar a cobrança da “assinatura básica” em questão.
Definido que a “assinatura básica” não constitui tarifa, resta analisar sua legalidade à luz do Código de Defesa do Consumidor.
No tocante a este tópico, apesar da argumentação da requerida de que a cobrança é autorizada por Portaria da Anatel, prevista no contrato de concessão, bem como no contrato a que aderiu o autor, não se presume que neste último o consumidor tenha sido adequadamente informado de seus limites.
A ofensa aos direitos do consumidor é clara, primeiramente em razão da ausência de comprovação de que o consumidor tenha tido conhecimento prévio da cobrança em todo o seu alcance e em segundo lugar em face da própria vinculação entre esta e um número pré e unilateralmente determinado de pulsos.
Sendo assim, houve ofensa ao princípio da transparência, art. 46 da Lei 8.078/90, que torna ineficaz as cláusulas contratuais que não observaram o dever de informar nas relações de consumo.
Na mesma linha de raciocínio é abusiva a prática do fornecedor que “condicione o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”, art. 39, I do CPC.
Quanto a abusividade da conduta na cobrança em apreço, recente decisão da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, ressaltou que:
“Em nosso sentir, também não justifica a cobrança em ressalto, o fato de a fornecedora de serviços de telefonia oferecer pelo valor cobrado determinada quantidade de pulsos, normalmente fixados em 100 (cem) pulsos equivalentes a R$ 14,72 (R$ 0,14728 x 100). Com efeito, além de o consumidor não ser obrigado a pagar por serviços ainda não prestados, restam os casos em que o consumidor não utiliza a totalidade dos pulsos franqueados. A tese discutida em muito se parece com as denominadas “taxa de consumação”, onde o usuário paga e se não consumir, perde o que pagou, repudiada em sede de relação de consumo” (ACJ 2004.06.1.009358-9, Rel. Juiz Arlindo Mares Oliveira Filho, j. 19/10/2005).
Ressalta-se aqui, que a lide está sendo solucionada com base na relação de consumo existente entre as partes, em face da configuração da ilegalidade da cobrança sob a ótica do CDC consubstanciada no vício na contratação.Feita essa ressalva cumpre agora apreciar o pedido de repetição de indébito.
Existem dois princípios que tem de ser analisados e aplicados no caso sub judice: o princípio da conservação do contrato e o princípio da boa-fé objetiva.
“Pelo primeiro, instituído nos arts. 6º, V e 51, § 2º do Código de Defesa do Consumidor, pretendeu-se, com o direito à modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais e o direito à revisão de cláusulas em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, conservarem o pacto e não extingui-lo. Pelo segundo, inserto nas normas do art. 4º, III e 51, IV do mesmo Código, visou-se garantir o equilíbrio da relação de consumo mediante o estabelecimento de um modelo de comportamento leal e honesto de ambas as partes.
Rizzato Nunes, em sua obra Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, ao conceituar o princípio da boa-fé objetiva assinala que:
“Quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal. Na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra. É um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão a ninguém, cooperando sempre para atingir o fim colimado no contrato, realizando os interesses das partes. Realce-se bem este ponto: o princípio da boa-fé objetiva é bilateral: devem respeitá-lo tanto o fornecedor como o próprio consumidor” (2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 521).” (TRU-PR, Recurso Inominado nº 2005.0001574-3, Relatara Letícia Marina Conte, j. 28/04/2006)
Diante do exposto, observa-se que embora a cobrança tenha sido considerada ilegal pelos fundamentos já expostos, não se pode negar que, até o ajuizamento da ação, o consumidor com ela anuiu de forma tácita, criando em favor da concessionária expectativa econômica atrelada ao próprio contrato de concessão. Neste sentido o enunciado 32.b e c da Turma Recursal Única:
“Não cabe devolução dos valores pagos a título de ‘assinatura básica mensal’ no período anterior à citação da empresa de telefonia, em processo que discute a legalidade de sua cobrança.”
“A devolução de valores pagos posteriormente à citação deverá ser pleiteada em ação própria.”
Com efeito, reconhecer o direito à devolução dos valores pagos a este título ao início do contrato, implicaria instaurar verdadeiro desequilíbrio na relação, pois frustraria a expectativa mencionada no item anterior. Pelos mesmos motivos, acrescentando ainda que a previsão da cobrança no contrato de concessão caracteriza o engano justificável de que trata o art. 42, § único do Código de Defesa do Consumidor, deve ser excluída da condenação a “dobra” prevista no referido dispositivo. Conclui-se então que:
a) o pedido de repetição de indébito é improcedente antes da citação, tendo em vista que o consumidor anuiu de forma tácita com a cobrança, criando em favor da concessionária expectativa econômica atrelada ao próprio contrato de concessão; e
b) considerando que o valor da restituição depende de fato novo, qual seja, a comprovação do recolhimento dos valores pagos a título de “assinatura básica” mês a mês, impõe-se a liquidação por artigos, nos termos do art. 608 do CPC, pois a natureza continuada do contrato enseja diversidade de situações em relação a cada consumidor, situações estas que podem ter se modificado depois da contestação.
c) Diante do exposto, considerando a vedação legal a prolação de sentença condenatória por quantia ilíquida (parágrafo único do art. 38 da Lei 9.099/95), caberá ao autor ajuizar nova ação com a finalidade de definir o quantum debeatur ora reconhecido em seu favor, ação esta, que poderá ser proposta também no âmbito dos Juizados Especiais, com o intuito de garantir a efetividade da prestação jurisdicional.
Finalmente, com fulcro também no art. 6º da Lei 9.099/95, os arestos tem assentado votos para julgar procedentes os pedidos contidos na demanda, para declarar a ilegalidade da cobrança da “assinatura básica” no contrato de prestação de serviço telefônico celebrado entre as partes; condenar a concessionária a se abster da cobrança na fatura vincenda no mês seguinte à presente decisão, sob pena de multa no valor de R$ 500,00 (a multa aqui, com vistas a se adequar as demais decisões da Turma e em se tratando de obrigação de não fazer, deverá incidir a cada eventual cobrança indevida) e julgar parcialmente procedente o pedido para reconhecer o direito do autor à devolução dos valores pagos a este título somente a partir da data da citação, na forma simples (não em dobro), corrigida monetariamente e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês desde cada desembolso, observadas, quanto à liquidação o exposto acima. Sendo relevante o êxito recursal, deixa-se de proferir condenação nas verbas de sucumbência, conforme art. 55 da Lei 9.099/95.
DECISÃO
ACORDAM os Magistrados integrantes da Turma Recursal Única dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, J. S. FAGUNDES CUNHA – Relator, Edgard Fernando Barbosa – Vogal e Luciano Campos de Albuquerque – Vogal, sob a Presidência de J. S. FAGUNDES CUNHA, em CONHECER e DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, por unanimidade de votos, de acordo com o Voto do Relator, conforme consta na Ata do julgamento.
[1] http://www.aliceramos.com/view.asp?materia=900