Intervenção do Estado na propriedade privada
O art. 170 da CF, assegura e reconhece a propriedade privada e a livre empresa e condicionam o uso destas ao bem estar social.
1 - INTRODUÇÃO
O art. 170 da CF, assegura e reconhece a propriedade privada e a livre empresa e condicionam o uso destas ao bem estar social. O Poder Público impõe normas e limites, para o uso e o gozo dos bens e riquezas particulares. O Poder Público intervém na propriedade do particular através de atos que visam satisfazer as exigências coletivas e reprimir a conduta anti-social do particular. Essa intervenção do Estado é instituída pela Constituição e regulada por leis federais que disciplinam as medidas interventivas e estabelecem o modo e forma de sua execução, condicionando ao atendimento do interesse público, mas respeitando as garantias individuais elencadas na Constituição.
A intervenção do Estado na propriedade particular, tem como objetivo principal à proteção aos interesses da comunidade.
O bem estar social é o bem comum e geral do povo, e este bem estar social é o escopo da justiça social e só pode ser alcançado através do desenvolvimento social. Para propiciar esse bem estar social o Poder Público pode intervir na propriedade privada, dentro dos limites (normas legais e atos administrativos) atribuídos a cada entidade estatal, amparando o interesse público e garantindo os direitos individuais.
A União é quem detêm a competência para intervir na propriedade (arts. 22,II e III, e 173). O Poder federal regula materialmente o direito de propriedade e os Poderes estadual e municipal exercem apenas o policiamento administrativo e a regulamentação do uso da propriedade, conforme as normas editadas pela União.
Intervenção na propriedade privada é todo ato do Poder Público que retira e restringe compulsoriamente direito dominiais privados ou sujeita o uso de bens particulares em virtude do atendimento aos interesses da comunidade.
A intervenção na propriedade privada fundamenta-se na necessidade pública, utilidade pública e no interesse social, devendo vir, portanto, expresso em lei federal que autorize tal ato. Pode ser praticado pela União, Estados-membros e Municípios (art. 170, III, da CF). Mas as normas de intervenção são privativas da União.
Nessa intervenção estatal o Poder Público chega a retirar a propriedade privada para dar-lhe uma destinação pública ou de interesse social, através de desapropriação; ou para acudir a uma situação de iminente interesse público, mediante requisição; ordenar socialmente seu uso, por meio de limitações e servidões administrativas; utilizar temporariamente o bem particular em uma ocupação temporária.
Antes de adentrarmos nos tipos de intervenção do Estado na propriedade privada, necessário é esclarecer o significado dos requisitos constitucionais, tais como:
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Necessidade Pública – o Estado, para atender a situações anormais (de emergência) que se lhe apresentam, tem de adquirir o domínio e o uso de bens de terceiros. Essa desapropriação é de interesse do Poder Público;
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Utilidade Pública – o Estado, para atender situações normais, tem de adquirir o domínio e o uso de bens de outrem (Decreto-Lei n. 3.365/41, art. 5º). Essa desapropriação é de interesse do Poder Público;
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Interesse social – é a desapropriação em que o estado, para impor um melhor aproveitamento da terra rural ou para prestigiar certas camadas sociais, adquire a propriedade de alguém e a trespassa a terceiro (Lei federal n. 4.132/62, art. 2º). Essa desapropriação é de interesse da coletividade;
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Indenização justa – é a que cobre não só o valor real e atual dos bens expropriados, à data do pagamento, como também os danos emergentes e os lucros cessantes do proprietário, decorrentes do despojamento do seu patrimônio. Aqui também inclui a correção monetária. Quanto as benfeitorias, serão sempre indenizadas as necessárias, feitas após a desapropriação, e as úteis, se realizadas com autorização do expropriante;
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Indenização prévia – significa que o expropriante deverá pagar ou depositar o preço antes de entrar na posse do imóvel;
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Indenização em dinheiro – o expropriante há de pagar o expropriado em moeda corrente (art. 5º, XXIV, CF), salvo exceção constitucional que permite o pagamento em títulos especiais da dívida pública (para os imóveis urbanos que não atendam ao Plano Diretor Municipal – art. 182, parágrafo 4º, CF) e da dívida agrária (para os imóveis rurais- art. 184, CF).
2 – DESAPROPRIAÇÃO OU EXPROPRIAÇÃO
É o procedimento administrativo pelo qual o Estado, compulsoriamente retira de alguém certo bem, para si ou para outrem, e o adquire originariamente, por necessidade pública, utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização, paga em dinheiro, salvo os casos em que o pagamento é feito com títulos da dívida pública (art. 182, parágrafo 4º, III, CF) ou da dívida agrária (art. 184 e parágrafos, CF).
2.1- ESPÉCIES
2.1.1- Desapropriação ordinária
Art. 5º, XXIV, CF, essa desapropriação pode ser tanto amigável quanto judicial. A indenização é prévia, justa e em dinheiro. Pode recair sobre qualquer bem, salvo as vedações legais. Este tipo de desapropriação pode ser efetivado pela União, Estado-Membro, Município, Distrito Federal e outras pessoas a quem a lei reconheça tal competência. Os requisitos constitucionais exigidos resumem-se na ocorrência de necessidade pública, utilidade pública e interesse social.
2.1.2- Desapropriação extraordinária
Art. 182, parágrafo 4º, III e 184 e parágrafos, CF, esse desapropriação também pode ser tanto amigável como judicial. Aqui temos dois tipos de desapropriação:
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Para fins de Reforma Agrária – a indenização, embora prévia e justa, é paga em títulos da dívida agrária com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até 20 (vinte) anos, a partir do segundo ano de sua emissão para terra nua, e em dinheiro para as benfeitorias úteis e necessárias, inclusive culturas e pastagens (art. 184, parágrafo 1ª da CF e Lei Complementar 76/93, art. 14). O imóvel a ser desapropriado só poderá ser imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social e só poderá ser efetivada a desapropriação pela União e seus delegados que no caso é o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). O ato expropriatório é de competência do Presidente da República ou da autoridade a quem ele delegar poderes específicos.
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Para fins de urbanização ou reurbanização – a indenização é paga com títulos da dívida pública municipal de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurado o valor da indenização e os juros. Só pode incidir sobre propriedade urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada, incluída no Plano Diretor, cujo proprietário não promoveu o seu adequado aproveitamento ou após o decurso de cinco anos de cobrança de IPTU progressivo, sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios.; só poderá ser efetivada pelo Município e pelo Distrito Federal. Após a incorporação ao patrimônio público, o Município e o Distrito Federal terão o prazo de cinco anos para dar ao bem desapropriado o adequado aproveitamento, ou poderá alienar ou outorgar o imóvel desapropriado, via licitação, para o adequado aproveitamento (art. 182, parágrafo 4º, II da CF).
2.2 - DESAPROPRIAÇÃO POR ZONA OU EXTENSIVA
Consiste na ampliação da expropriação às áreas que se valorizem extraordinariamente em conseqüência da obra ou do serviço público. O Decreto lei n. 3.365/41 art. 4º, especifica que a “desapropriação poderá abranger a área contínua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina, e as zonas que se valorizam extraordinariamente, em conseqüência da realização do serviço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à continuação da obra e as que se destinam à revenda”.
2.3 - DESAPROPRIAÇÃO DE BEM PÚBLICO
As entidades de hierarquia maior podem desapropriar bens das entidades de hierarquia menor, ou seja, a União desapropria bens de Estados e Municípios e também bens de autarquias, empresas públicas e sociedade de economia mista criadas pelo Município, Estado-Membro, Distrito Federal ou de concessionárias dessas pessoas jurídicas. Os Estados desapropriam bens dos Municípios situados em seu território, mas jamais pode desapropriar bens de outro Estado e os Municípios não podem desapropriar bens de outro Município. Qualquer das pessoas políticas pode desapropriar bens de suas respectivas entidades Administração Indireta.
2.4 – RETROCESSÃO
É o direito que tem o ex-proprietário de exigir de volta o seu imóvel e pleitear o direito a uma indenização (perdas e danos), caso o expropriante não dê ao bem desapropriado a destinação motivadora da desapropriação. O direito de retrocessão deve ser utilizado pelo expropriado dentro de cinco anos contados do momento em que o expropriante deixa de utilizá-lo numa finalidade pública ou demonstra essa intenção. A alteração específica da finalidade da desapropriação não enseja retrocessão, se a sua destinação tiver as finalidades de necessidade pública, utilidade pública e interesse social (Decreto lei n. 3.365/41, art. 35).
2.5 - OBJETO DA DESAPROPRIAÇÃO
São expropriáveis os bens apropriáveis ou que possam ser definidos por seu conteúdo econômico, salvo as proibições legais.
Tudo que pode ser objeto de propriedade pode ser desapropriado: os bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos, públicos e privados, espaço aéreo e o subsolo.
Não são desapropriáveis os bens e direitos personalíssimos, os bens que podem ser encontrados facilmente no mercado e um dado bem pode ser inexpropriável para uma finalidade, mas não para outra. É o que acontece com a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra w com a propriedade produtiva, que são inexpropriáveis para fins de reforma agrária, mas não para fins de urbanização (construção de obra pública).
2.6 - DESISTÊNCIA DA DESAPROPRIAÇÃO
Conforme entendimento do STF, pode o expropriante desistir de forma total ou parcial da desapropriação, desde que restitua ao expropriado o bem tal qual o recebeu, ressarcindo o proprietário de todas as despesas.
É necessária a homologação do juiz. Por sua vez, deve o expropriado devolver a importância recebida pela imissão na posse.
2.7 - PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO
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Autor – pessoa jurídica ou ente que promove a desapropriação (União, Estado, Distrito Federal, Município, entidades da Administração Indireta, concessionárias e permissionárias de serviço público);
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Réu – proprietário do imóvel desapropriado;
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Juízo competente – será proposta na capital do Estado onde for domiciliado o réu, na justiça federal, se a desapropriação partir da União. Juízo da situação do bem, se a desapropriação for proposta pelo Estado, DF, Município ou entidades a estes vinculadas (juízo privativo da Fazenda se houver);
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Petição inicial – conterá o preço da oferta, e será instruída com jornal oficial que houver publicado a declaração expropriatória ou cópia autenticada da mesma, com termo de contrato ou cópia da lei que deu competência para promover desapropriação (no caso de concessionárias e entidades da Administração indireta), com planta ou descrição dos bens e suas conformações;
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Contestação – só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta;
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Imissão provisória na posse ou imissão prévia na posse – a lei permite que o expropriante tenha antecipadamente a posse do bem. Esta fica condicionada à alegação de urgência e ao pagamento de quantia arbitrada pelo juiz. Deve o expropriante efetuar depósito de valor provisório para obter imissão provisória na posse. Entende-se atualmente que, o Poder Público deve depositar o valor apurado em avaliação prévia, ainda que faça avaliação definitiva no decorrer do processo;
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Perícia, sentença e recursos – ao despachar a inicial, o juiz designa perito para avaliar o bem, o qual emitirá laudo (autor e réu podem indicar assistentes técnicos). Na sentença o juiz fixará o valor do bem e demais parcelas incluídas na indenização. O recurso é a apelação com efeito devolutivo, isto é, se for interposta pelo expropriado, mas se o recurso for interposto pelo expropriante os efeitos serão devolutivo e suspensivo. Cabe recurso necessário ou de ofício se a sentença condenar a Fazenda Pública em quantia superior ao dobro da oferecida.
3- OCUPAÇÃO TEMPORÁRIA OU PROVISÓRIA
O Decreto lei n. 3.365/41, art. 36, estabelece que mediante a ocupação temporária, o Poder Público por seus próprios agentes ou por empreiteiros, utiliza provisoriamente terrenos não edificados (terrenos baldios ou proprietários inexploradas), vizinhos a obras públicas; essa utilização provisória é necessária à realização da obra, desde que autorizados pela Administração. Não se admite demolições ou alterações judiciais à propriedade particular utilizada, permitindo somente o uso momentâneo e inofensivo, compatível com a natureza e destinação do bem ocupado.
Para essa ocupação a Administração deverá expedir a competente ordem, fixando desde logo a justa indenização devida ao proprietário do terreno ocupado.
O art. 5º, XXV, CF, regula que a ocupação temporária é a utilização transitória, remunerada ou gratuita, de bem particulares pelo Poder Público, para a execução de obras, serviços ou atividades públicas ou de interesse público.
Fundamenta-se pela necessidade do local para depósito de equipamentos e materiais destinados à realização de obras e serviços públicos nas vizinhanças da propriedade particular. O executor de serviços públicos, que lhe permite utilizar transitoriamente um terreno pertencente ao particular, seja tanto para depositar os equipamentos ou extrair materiais necessários ao serviço.
Esta ocupação estende-se aos imóveis necessários à pesquisa e lavra de petróleo regulamentado pelo Decreto lei n. 1.864/81, e de minérios nucleares regulamentado pelo Decreto lei n. 1.865/81.
4- REQUISIÇÃO
O art. 5º, XXV, CF, diz: “No caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”.
A requisição pode ser civil ou militar e podem recair sobre bens móveis, imóveis e serviços, ou seja, é a utilização coativa de bens ou serviços particulares pelo Poder Público, por ato de execução imediata e direta da autoridade requisitante.
A requisição dependendo do tipo de bem requisitado, poderá implicar perda irrecuperável. Se houver dano, caberá indenização ulterior, inexistindo dano comprovado, não caberá indenização.
A requisição civil e militar tem o mesmo conceito e fundamento e são cabíveis no tempo de paz, desde que presente uma real situação de perigo público iminente, divergindo apenas no objetivo. A requisição civil objetiva evitar danos à vida, à saúde e aos bens da coletividade. A requisição militar objetiva resguardar a segurança interna e a manutenção da Soberania Nacional. Em tempo de guerra a requisição civil e militar deve atender os preceitos da lei específica (CF, art. 22, III).
A requisição por ser ato de urgência, não precisa de prévia intervenção do Poder Judiciário.
A requisição civil de serviços é de competência exclusiva da União.
5- LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA
É uma modalidade da supremacia geral do Estado, que no uso de sua soberania, intervém na propriedade e atividades particulares, visando o bem-estar social. Limitação administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social. Derivam do poder de polícia e se exteriorizam em imposições unilaterais e imperativas, sob a tríplice modalidade positiva (fazer), negativa (não fazer) ou permissiva (deixar de fazer), seno que o particular é obrigado a realizar o que a Administração lhe impõe, devendo permitir algo em sua propriedade.
O art. 170, III, CF, regula que essas limitações devem corresponder às exigências do interesse público, sem aniquilar a propriedade. Serão legitimas quando representam razoáveis medidas de condicionamento do uso da propriedade em beneficio do bem-estar social, não impedindo a utilização do bem segundo sua destinação natural.
O interesse público a ser protegido pelas limitações administrativas, pode consistir na necessidade de evitar um dano possível para a coletividade, conforme o meio de utilização da propriedade particular, a fim de assegurar o interesse da coletividade. O Poder Público policia as atividades que podem causar transtornos ao bem-estar social, condicionando o uso da propriedade privada e regulando as atividades particulares.
Essas limitações atingem direitos, atividades individuais e propriedade imóvel. O poder Público edita normas (leis) ou baixa provimentos específicos (decretos, regulamentos, provimentos de urgência etc.), visando ordenar as atividades, satisfazer o bem-estar social.
A limitação administrativa é geral e gratuita, impostas as propriedades particulares em benefício da coletividade.
6- SERVIDÃO ADMINISTRATIVA OU PÚBLICA
O Decreto lei n. 3.365/41, art. 40, regula este ato. Na servidão administrativa alguns atributos do direito de propriedade são partilhados com terceiros. Essa servidão consubstancia um ônus real de uso, instituído pela Administração sobre imóvel privado, para atendimento ao interesse público, mediante indenização dos prejuízos efetivamente suportados. Apenas uma parcela do bem tem seu uso compartilhado ou limitado, para atender ao interesse público.
A servidão administrativa poderá impor uma obrigação de fazer.
Os entes políticos, empresas governamentais, concessionários e permissionários podem instituir servidão. Seu fundamento é declarado de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social. Depois de editado o ato declaratório da servidão, esta poderá concretizar-se por acordo ou mediante sentença do Judiciário em ação movida pelo Poder Público ou seu delegado.
Caso a servidão seja instituída de fato, o proprietário poderá pleitear ressarcimento na via administrativa, não obtendo sucesso ou não pretendendo usar esta via, moverá ação de reparação de dano.
BIBLIOGRAFIA
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