Acordo judicial em ação de desapropriação

Acordo judicial em ação de desapropriação

Pode, efetivamente, o Procurador do INCRA pactuar com o expropriado em quantum superior ao da oferta inicial, desde que atue na busca da satisfação do interesse público.

1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A partir de uma atitude ou posição racional - caracterizada por Karl Popper [1] com a seguinte observação: "Estou perfeitamente seguro de que tenho razão; mas posso enganar-me e podes ter razão tu. Em qualquer dos casos, vamos conversar racionalmente, pois assim nos aproximaremos mais da verdade, do que se cada um persistir no seu ponto de vista'. Ver-se-á perfeitamente que a atitude que designo como sensata ou racional pressupõe um certo grau de modéstia intelectual. É uma atitude de que só são capazes aqueles que reconhecem não ter por vezes razão e que geralmente não esquecem os seus erros." - o presente trabalho visa, fundamentalmente, a oferecer resposta, ainda que sem foro de definitividade ou incontrastabilidade, aos seguintes questionamentos:

1) Pode o Procurador do INCRA acordar, em juízo, em patamar além da paga indenizacional ofertada?

2) Em assim agindo, estaria o representante judicial da Autarquia Expropriatória descurando o interesse público?

Já a esta altura, mesmo correndo o risco do açodamento, permito-me dizer sim à primeira indagação e não à segunda. Ou seja, a nosso aviso, pode, e deve, o Procurador do Incra majorar o montante indenizatório ofertado, sempre que, para tanto, esteja no encalço da satisfação do interesse público, o qual, indubitavelmente, pressupõe a não afronta (desarrazoada) a direitos fundamentais, dentre os quais se encarta o direito de propriedade, expropriável tão-somente - salvante excepcionalíssima previsão constitucional - mediante prévia e justa paga encasável na moldura da vigente Carta Magna.

Poder-se-ia, conseguintemente, falar, como o fez Reinaldo Pereira e Silva [2], em relação aos Procuradores dos Estados da Federação, em uma "Função Social do Procurador do Incra", consistente no pautar sua atuação funcional pelo balizamento superior da perseguição do interesse público, afigurando-se inarredável até mesmo que se ponha à ilharga eventual interesse privado autárquico, quando descoincidentes indigitados interesses.

A mesma linha de inteligência abraçou o Professor Alencarino Carlos Roberto Martins Rodrigues [3], já agora atinentemente à função do advogado não empregado, ao asserir: "É preciso que o advogado, a partir de si mesmo, seja um efetivo colaborador da sociedade. Um construtor do bem comum, que não se realiza se o Direito deixar de ser o instrumento de segurança e de realização do bem-estar social, adequado aos interesses coletivos, mas sem perder de vista a felicidade do ser humano, pois, como lembrou Vicente Ráo, não há sociedade feliz composta de indivíduos infelizes."

Em seguida, ofereço razões roborantes de dito entendimento.


2 - QUESTÕES FULCRAIS DA EXPROPRIAÇÃO PARA REFORMA AGRÁRIA OU VERDADE REAL EXPROPRIATÓRIA

Doutrina criminal abalizada costuma nominar de 'regra de ouro dos sete pontos dos criminalistas' [4] rol de perguntas adredemente implementadas com o fito esquadrinhatório do ilícito penal. Neste diapasão, o escorreito sancionamento da conduta efetivada cobra, ineliminavelmente, saber-se do crime: 1) Quem? 2) Quê? 3) Onde? 4) Com quem? 5) Por quê? 6) Como? e 7) Quando?

Transpondo dita linha de raciocínio para a seara da desapropriação, para fim de reforma agrária, pode-se asserir que o alcance da verdade real expropriatória passa, incontornavelmente, pelo achamento, sem qualquer laivo de dúvida, de respostas cabais a três questões fulcrais, a saber: 1) A quem se paga? 2) Pelo que se paga? e 3) Quanto se paga?

De efeito, o atingimento da aludida verdade real expropriatória somente se quedará assegurado, se às indicadas perquirições responder-se: 1) paga-se ao legítimo proprietário, atendidos, obviamente, eventuais interesses de posseiros, com benfeitorias, e, ainda, de detentores de direitos reais sobre o imóvel, a quem será destinada, tanto quanto necessário, a correspectiva paga indenizacional pertinente. Doutra parte, 2) paga-se, outrossim, por imóvel passível de expropriação e prestante ao implemento da reforma agrária, com o consectário assentamento de trabalhadores rurais, os quais atendam à legislação de regência. Já, por fim, malferindo aspecto dizente de perto ao presente estudo, 3) paga-se, pela terra expropriada, o justo preço, o qual, sobre deter assento constitucional (artigo 5º, inciso XXIV), resta percucientemente caracterizado por Celso Antônio Bandeira de Mello [5] como aquela indenização que "corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixe o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum em seu patrimônio. Indenização justa é aquela que se consubstancia em importância que habilita o proprietário a adquirir outro bem perfeitamente equivalente e o exima de qualquer detrimento."


3 - INTERESSE PÚBLICO E INTERESSE PRIVADO DE ENTIDADE PÚBLICA

É o mesmo Celso Antônio Bandeira de Mello [6] quem, após indicar como 'pedras de toque' do regime jurídico-administrativo os princípios da 'supremacia do interesse público sobre o privado' e da 'indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos', traça, com pena de ouro, linha diferenciadora entre interesses públicos ou primários e interesses secundários, da seguinte forma: "Também assim melhor se compreenderá a distinção corrente da doutrina italiana entre interesses públicos ou interesses primários - que são os interesses da coletividade como um todo - e interesses secundários, que o Estado (pelo só fato de ser sujeito de direitos) poderia ter como qualquer outra pessoa, isto é, independentemente de sua qualidade de servidor de interesses de terceiros: os da coletividade. Poderia, portanto, ter o interesse secundário de resistir ao pagamento de indenizações, ainda que procedentes, ou de denegar pretensões bem fundadas que os administrados lhe fizessem, ou de cobrar tributos ou tarifas por valores exagerados. Estaria, por tal modo, defendendo interesses apenas 'seus', enquanto pessoa, enquanto entidade animada do propósito de despender o mínimo de recursos e abarrotar-se deles ao máximo. Não estaria, entretanto, atendendo ao interesse público, ao interesse primário, isto é, àquele que a lei aponta como sendo o interesse da coletividade: o da observância da ordem jurídica estabelecida a título de bem curar o interesse de todos. Por isso os interesses secundários não são atendíveis senão quando coincidentes com os interesses primários, únicos que podem ser perseguidos por quem axiomaticamente os encarna e representa. Percebe-se, pois, que a Administração não pode proceder com a mesma desenvoltura e liberdade com que agem os particulares, ocupados na defesa das próprias conveniências, sob pena de trair sua missão própria e sua própria razão de existir."

Na mesma senda e alheta, parecer da lavra da eminente Procuradora de Justiça do Parquet Fluminense, Nelma Glória Trindade de Lima [7], em cuja ementa lê-se: "Apelação. Ação de indenização. Ente público e interesse público. Distinção. Não-intervenção do Ministério Público. Interesse patrimonial. Não há que se confundir interesse público com interesse do ente público. Aquele se faz presente toda vez que se cuidar da ordem pública, do regime democrático e dos interesses individuais ou sociais indisponíveis. Interesse público é o pertinente à preservação dos valores transcendentais da sociedade."

Já no festejado De Plácido e Silva [8], colhe-se o seguinte conceito de interesse público: "Ao contrário do particular, é o que assenta em fato ou direito de proveito coletivo ou geral. Está, pois, adstrito a todos os fatos ou a todas as coisas que se entendam de benefício comum ou para proveito geral, ou que se imponham por uma necessidade de ordem coletiva."

Dir-se-á, pois, com robusta escora nas exegeses supraliteralizadas, que, em feitos expropriatórios, atuará o representante judicial do Incra na busca da satisfação do interesse público, quando pugnar inexoravelmente pela justa paga indenizacional, arredando, conseguintemente, juízos de conveniência e economia para os cofres da autarquia que representa. Afinal, não quererá a Administração, por uma de suas autarquias, criar sério problema social com o confisco parcial de imóveis rurais, cujas indenizações não se tenham subsumido na inarredável moldura constitucional da justa paga. Com efeito, calharia, não sem razão, à boca de algum causídico, na defesa dos interesses de seu constituinte-expropriando, a seguinte objurgação: Não pode o Governo Federal, sob o pretexto da resolução de ingente problema social (o dos trabalhores rurais sem-terra, de par com a existência de grande número de latifúndios improdutivos), findar por criar outro problema social da mesma relevância, qual seja, a existência de contingente de expropriados insatisfeitos e descrentes no Governo e na Justiça, visto não indenizados como de direito, cujos esforços de uma vida se esboroam, seja pela perda da posse do imóvel 'initio litis', seja pela demora do processo, seja, principalmente, pelo não recebimento da justa indenização.

Atenderá, pois, ao interesse público ou interesse primário, o Procurador do Incra que, pondo à margem interesse secundário ou interesse privado da autarquia, consistente na economia para seus cofres, pugne, sempre e sempre, pelo patenteamento, em todo e qualquer feito expropriatório, para fim de reforma agrária, da justa indenização, seja ratificando valor do laudo de vistoria e avaliação, originador da oferta inicial, seja cobrando a minoração da paga, por vício de superavaliação, seja, ainda, e por fim, acordando em sua majoração no patamar necessário ao atingimento do devido preço constitucional. O interesse secundário ou privado da autarquia deve ser, de conseguinte, relegado a feitos em que pertinente a sua tutela.


4 - DIREITO DE PROPRIEDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Não se nega ao direito de propriedade o matiz de direito fundamental, consoante os próprios termos de nossa Norma Ápice, mais especificamente o que incrustado em seu artigo 5º, inciso XXII, em que pese, agora, desvestido de seu caráter absoluto (presente em épocas passadas), por força da mitigação levada a cabo no inciso XXIII, corroborada no inciso XXIV, ambos do precitado artigo 5º da Carta Magna, cujo desiderato maior é a vinculação do instituto da propriedade ao cumprimento de uma função social.

Neste passo, a análise de dispositivos constitucionais atinentes ao direito de propriedade conduz-nos à conclusão de que, partindo de uma garantia plena, como se absoluto fora, dada pela Constituição Imperial de 1824, a tutela do direito de propriedade deságuou, com a Constuição Cidadã de 1988, na exigência impostergável do atendimento à sua função social, cuja explicitação vem também encartada, a nível constitucional, no artigo 186.

No pertinente, em substanciosa ensinança, diz-nos Gustav Radbruch [9]: "Entre os direitos reais um há, porém, que se nos impõe, antes de nenhum outro, como uma verdadeira <<categoria>> do pensamento jurídico, que não deriva da experiência, mas, pelo contrário, antecede toda a experiência do direito. Referimo-nos ao direito de propriedade." Para, complementando, após tecer considerações sobre as teorias individualistas e sociais da propriedade, asserir, com voz autorizada: "Por este modo, portanto, também para a nossa perspectiva jurídica das coisas a propriedade privada aparece já hoje como um campo de acção livre, confiado pela colectividade à iniciativa privada do indivíduo, mas confiado somente na expectativa de que este faça dela um uso social, sob pena de ela lhe ser retirada, se esta expectativa se não verificar. Por outras palavras: a propriedade passou a ser considerada um direito limitado e condicional, e deixou de ser um direito sem condições e sem limites, <<sagrado e inviolável>>, que se justifica por si mesmo."

Outrossim, vem da acatadíssima pena do pranteado Mestre goiano, Paulo Torminn Borges [10], escólio o qual assim soa: "Pode parecer aos mais afoitos que a desapropriação seja um meio de se negar o direito de propriedade. Mas não é. Ao contrário, é confissão de respeito ao direito de propriedade, pelo reconhecimento de que o Poder Público só pode subtrair a propriedade ao particular obedecendo a regras jurídicas precisas. No fundo, o instituto da desapropriação não atinge o direito de propriedade em sua característica mais avultada, que é o seu valor econômico. Há apenas uma permuta de valores: substitui-se um bem - o objeto do direito de propriedade - por outro bem - o seu preço em dinheiro ou equivalente. Não é a coisa em si que se garante: é a sua expressão econômica, de molde a permanecer íntegro o patrimônio da pessoa, apesar da desapropriação."

A propósito, ouça-se, ainda, ensinamento autorizado de Carlos Maximiliano [11], o qual, antes da vigência da novel Carta Magna, pontuou, ex professo: "Toda disposição, ainda que ampare um direito individual, atende também, embora indiretamente, ao interesse público; hoje até se entende que se protege aquele por amor a este: por exemplo, há conveniência nacional em ser a propriedade garantida em toda a sua plenitude."


5 - SITUAÇÕES HIPOTÉTICAS E INTERESSE PÚBLICO

Ad argumentandum, imaginemos as seguintes situações:

1) Acordo aquém da oferta - Uma vez oferecida a inicial expropriatória, vislumbra o Procurador do Incra, mesmo antes da feitura de perícia judicial, encontrar-se a paga ofertada muito além do preço médio da região e, ainda, desconforme com as reais peculiaridades do imóvel expropriando (caso de superavaliação). Como agir? A nosso aviso, na cura do interesse público, que, aqui, se confunde com o interesse privado do ente público, deve, incontinenti, pugnar pela redução da indenização, recusando-se a acordar no patamar da oferta inicial, mesmo que, com tal posicionamento, "desautorize" trabalho de vistoria e avaliação previamente ultimado por técnicos da autarquia que representa. Dito posicionamento restará assaz facilitado, se houver já, quando da manifestação do Procurador do Incra, perícia oficial implementada ratificadora do não acatamento dos valores exordialmente ofertados pela autarquia. Tão-somente assim agindo, cumprirá o Procurador do Incra o dever inafastável de zelo pelo interesse público.

2) Acordo ratificador da oferta inicial - Caso em que se afigure ao representante judicial do Incra patentear-se, estreme de dúvidas, a subsunção da paga ofertada na moldura constitucional da justa indenização. Outro caminho não lhe restará que não o de bater-se pela fixação do montante indenizacional, seja mediante acordo judicial, seja, outrossim, na via de sentença final, no exato importe da oferta em depósito. Também com tal posicionamento laborando estará na cura do interesse público.

3) Acordo além da oferta - Hipótese, agora, explicitadora de o Procurador do Incra, também "desautorizando", em parte, laudo de vistoria e avaliação anterior de técnicos do Incra, entender por bem, uma vez caracterizada situação de não atingimento da justa indenização, já com a avaliação administrativa, pugnar pela elevação do montante indenizacional, na quantia suficiente ao imperioso alcance da justiça na indenização, labor o qual restará igualmente facilitado, se houver já trabalho de perícia oficial juntado aos autos. É de se perguntar: in casu, deveria prevalecer o interesse privado da autarquia expropriatória, com a economia para seus cofres, ou, ao revés, o interesse público, com o atendimento à ordem jurídica, a tutela da paz social e a preservação da ordem pública? Observe-se, na hipótese presente, a inconfundibilidade dos interesses em pauta. Tanto por tanto, o acautelamento e a homenagem ao interesse público respondem à questão.


6 - ÓBICES APARENTES AO ACORDO ALÉM DA OFERTA

Costuma-se enunciar, a título de embasamento, para a não admissão do acordo além da oferta, por iniciativa e responsabilidade próprias do Procurador do Incra, em audência, ou mesmo via petição, a normatividade estampada no artigo 1º da Lei 9.469, de 10.07.97 - cuja previsão similar vinha anteriormente inserta na revogada Lei 8.197, de 27.06. 91 - o qual exige autorização do Advogado-Geral da União ou, consoante a hipótese, dos dirigentes máximos das autarquias, para realização de acordos ou transações, em juízo, em causas cujos valores ultrapassem R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), tudo com o fito de terminar litígios.

Na previsão, dito regramento é acompanhado por atos normativos internos do Incra.

Abaixo, procuraremos demonstrar que dito preceito vedador é tão-somente aparente, já que, à vista de ditames constantes no artigo 6º, parágrafo 6º, da Lei Complementar 76/93, bem como em comezinha regra de hermenêutica, dita vedação cai por terra, findando, pois, por desvestir-se de sua força vinculante.

Senão vejamos.


7 - SUPEDÂNEO NORMATIVO-DOUTRINÁRIO DA TESE PERFILHADA

Com efeito, textua o indigitado artigo 6º, parágrafo 6º, da Lei Complemetar 76/93: "Integralizado o valor acordado, nos dez dias úteis subseqüentes ao pactuado, o Juiz expedirá mandado ao registro imobiliário, determinando a matrícula do bem expropriado em nome do expropriante.". Doutra parte, é regra de hermenêutica assente, em nosso ordenamento jurídico, aquela que estatui dispor norma específica de força prevalecente, no ponto focado, em relação à norma geral.

Desse modo, apresentando-se, pois, a vedação do artigo 1º da Lei 9.469/97 como norma geral, queda-se a mesma arredada pela disciplina peremptória do predito parágrafo 6º do artigo 6º da LC 76/93, que, de sua vez, antolha-se como norma específica, trilhando, via de conseqüência, nas ações expropriatórias para reforma agrária, via preferencial, em relação à indicada regra vedadora, consoante robusta escora ofertada pelo retrocitado regramento de hermenêutica.

Neste diapasão, o adequado enfrentamento da questão roga o socorro das clarificantes e percucientes considerações deitadas pelo ínclito Magistrado Federal da 4ª Região, Leandro Paulsen [12] o qual, em capítulo de sua lavra, na judiciosa obra coletiva "Desapropriação e Reforma Agrária", ao comentar o § 6º do artigo 6º da LC 76/93, asserta, com maestria: "Mas o que mais chama a atenção nesta inovação é o fato de o legislador admitir que o INCRA faça acordo com o proprietário acerca do montante da indenização e que, apesar de todo o trabalho técnico de avaliação realizado na fase administrativa, seja aceito um valor superior ao ofertado. De fato, o § 6º fala em integralização do valor acordado, o que só tem sentido na hipótese de o acordo envolver montante superior à oferta, pois é requisito da inicial que já venha acompanhada do comprovante do seu depósito. Essa autorização legal para a realização de acordo é específica para as ações de desapropriação para fins de reforma agrária, implicando exceção à regra geral constante da Lei nº 8.197/91, que disciplina a transação nas causas de interesse da União, suas autarquias, fundações e empresas públicas. Na ausência de maior detalhamento no dispositivo comentado, tenho que os Procuradores do INCRA, que representam a autarquia em Juízo, poderão firmar o acordo, amparado no permissivo legal, independentemente de qualquer outra autorização de cunho administrativo. Isso resulta, veja-se, numa alteração bastante profunda, mitigando o princípio da indisponibilidade que envolve a Administração. Mas o Procurador do INCRA somente poderá aceitar um aumento do montante indenizatório à luz de elementos que lhe sejam apresentados e que não se choquem por completo com o laudo de avaliação administrativa que acompanha a inicial. Do contrário, se estaria abrindo ensejo a lesões ao erário. Além disso, tenho que decorre da interpretação sistemática da Lei Complementar nº 76 que somente poderá haver majoração da indenização por acordo até o limite de 50% do valor ofertado. Isso porque, do contrário, o acordo, homologado pelo Juiz, por sentença, no próprio termo, estaria sujeito ao reexame necessário (art. 13, § 1º), de forma que não se poderia cumprir o § 6º do art. 6º, acima transcrito, que prevê a integralização do valor acordado nos dez dias úteis subseqüentes ao pactuado, com imediata expedição de mandado ao registro imobiliário para que matricule o imóvel em nome do expropriante, o INCRA." (negritei).

Outrossim, não desborda do pensar de Leandro Paulsen o escorreito passo jurídico do não menos ilustre e também Juiz Federal, Edilson Pereira Nobre Júnior [13], em cujo apurado escólio lê-se: "Os procuradores dos expropriados, com vistas a firmarem o acordo, necessitam, ex vi do art. 38 do CPC, de portar procuração em cujo texto constem poderes expressos para transigir. No que concerne aos procuradores do expropriante, o art. 6º, § 3º, da LC 76/93, já representa, ante a regra da indisponibilidade do interesse público, mesmo de cunho patrimonial, a autorização legal de que necessitam para acordar em nome da potestade estatal. O mais interessante é que a permissão em causa, dada à sua natureza específica, não está submetida aos valores constantes do art. 1º da Lei 9.469, de 10/07/97, podendo versar sobre valores maiores, condicionada apenas à prévia autorização orçamentária para emissão ânua de títulos da dívida agrária e aos montantes dos recursos destinados a atender ao programa de reforma agrária, a que se refere o art. 184, § 4º, da CF/88." (grifo por acréscimo).

Desse modo, considerando, ainda, a regra de exegese enunciadora de que a norma não contém palavras sem serventia, é de se indagar: Ao se referir o indicado parágrafo 6º do artigo 6º da LC 76/93 à 'integralização do valor acordado', nos dez dias úteis subseqüentes ao pactuado, em havendo acordo em audiência conciliatória, que outra inteligência retirar-se do indigitado preceito que não a de que dita regra específica ensancha e autoriza o Procurador do Incra a, munindo-se de um juízo de razoabilidade e justeza, aumentar a paga indenizatória além da oferta, já em depósito (não se podendo, pois, falar em integralização do que depositado, salvo para majorá-lo), até o alcance do devido, imperioso e ineliminável justo preço constitucional.

A providência encartada na normatividade do artigo 1º da Lei 9.469/97, sobre impor desarrazoadamente demora e procrastinação ao feito, que, o mais das vezes, fica parado, esperando 'autorização superior', abalroa-se de frente com a previsão do parágrafo 6º do artigo 6º da LC 76/93, perdendo para este último disciplinamento a refrega.


8 - CONCLUSÃO

Postas tais considerações, reforçando, ainda, neste momento derradeiro, a adoção, no âmbito desta despretensiosa seara enunciativa, da atitude racional a que se refere Karl Popper [14], entendo suficientemente escorada, seja doutrinária, seja, ademais, por via de princípios e regras, a tese afirmadora de que, em verdade, pode, e deve, sempre que precisar homenagear o interesse público, o representante judicial do Incra, acordar - em audiência ou por meio de petição, antes ou após a implementação de perícia judicial - em patamar além da oferta inicial, tudo com o desiderato principiológico maior do patenteamento da justa indenização. Não se olvide, outrossim, em roboramento da tese ora perfilhada, a imperiosidade, em casos que tais, da vigilância fiscalizadora do Ministério Público e do juízo esquadrinhatório do Magistrado.


9 - INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

 Campos, Roberto, A Lanterna na Popa. Vol. I, Rio de Janeiro, Topbooks, 2ª edição, 1994, pág. 233;

[1] Popper, Karl Raymund, O Racionalismo Crítico na Política. Tradução de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2ª edição, 1994, pág. 4;

[2] Silva, Reinaldo Pereira e, A Função Social do Procurador do Estado. Justiça & Democracia, Revista de Informação e Debates da Associação Juízes para a Democracia, Vol. 3, São Paulo, 1997, pág. 103;

[3] Rodrigues, Carlos Roberto Martins, O Advogado. Artigo inserto no Jornal Diário do Nordeste, edição de 17.11.2000;

[4] Pinto, Ronaldo Batista, Prova Penal Segundo a Jurisprudência, São Paulo, Saraiva, 2000, pág. 139;

[5] Mello, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros Editores, 4ª edição, 1993, pág. 382/383;

[6] Mello, Celso Antônio Bandeira de, ob. cit., pág. 22;

[7] Lima, Nelma Glória Trindade de, Parecer na Apelação nº 426/91-TJ/RR, Revista do Ministério Público, Rio de janeiro, RJ, (7), 1998, pág. 335/340;

[8] Silva, De Plácido e, Vocabulário Jurídico. Vol. I e II, Rio de janeiro, Forense, 1989, pág. 498;

[9] Radbruch, Gustav, Filosofia do Direito. Tradução de L. Cabral de Moncada. Coimbra, Arménio Amado Editor, 6ª edição, 1997, pág. 267/268 e 280;

[10] Borges, Paulo Torminn, Institutos Básicos do Direito Agrário. São Paulo, Saraiva, 11ª edição, 1998, pág. 61;

[11] Maximiliano, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro, Forense, 12ª edição, 1992, pág. 216;

[12] Paulsen, Leandro (org.), Desapropriação e Reforma Agrária, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 1997, pág. 163;

[13] Nobre Júnior,. Edilson Pereira, Desapropriação para Fins de Reforma Agrária. Curitiba, Juruá, 1998, pág. 176;

[14] Popper, Karl Raymund, ob. cit., pág. 4.

Sobre o(a) autor(a)
José Osterno Campos de Araújo
Procurador Regional da República - 1ª Região Mestre em Direito pela UFG
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