Lei 10.628/2002: Aspectos polêmicos sobre sua (in) constitucionalidade
Tem como objetivo promover uma profunda discussão a fim de se compreender as razões acerca da alteração do Art 84 do CPP (Lei 10.628), sua (in)constitucionalidade e a conveniência de sua manutenção.
APRESENTAÇÃO
Esse trabalho tem como objetivo promover uma profunda discussão a fim de se compreender as razões acerca da alteração do Art 84 do CPP (Lei 106280), sua (in) constitucionalidade e a conveniência de sua manutenção.
A preocupação com esta temática surgiu a partir das discussões ocorridas em sala de aula, além da ampla pesquisa feita em livros, artigos e jurisprudências que abordam o tema acima apresentado.
Organiza-se este trabalho em três partes. A primeira relembra, de forma breve, o conteúdo do antigo Artigo 84 do CPP. A segunda apresenta as principais mudanças do artigo em questão com o advento da aprovação e sanção da Lei 10.628/2002. E a terceira aborda as características e fundamentos que fazem dela inconstitucional, além da conveniência de sua manutenção no ordenamento.
A REGRA DO ARTIGO 84 DO CPP
“A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade”. Art 84 do Código de Processo Penal.
O Estado é dotado da prerrogativa de aplicar, a todo caso concreto, a lei abstrata, compondo as eventuais lides e solucionando os conflitos. Essa prerrogativa é conferida a todos àqueles que investem na função pública de julgador através de concurso público de provas e títulos.
Contudo, não é muito difícil perceber que, dada a impossibilidade física e material, um magistrado não pode julgar todas as causas, de todos os ramos do direito. Com o objetivo de dar maior praticidade e efetividade à atividade jurisdicional, o legislador resolveu limitar o poder julgador do magistrado, conferindo-o uma esfera um tanto quanto restrita de atuação. A essa restrição dá-se o nome de competência.
E o legislador processual penal também não ficou atrás. Diante de tal necessidade supra mencionada, estabeleceu critérios de determinação da competência. Reservou no Código de Processo Penal pátrio um título específico para tratar do tema. O título V, capítulos I à VIII, trata dos mais variados tipos de determinação da competência.
Vale ressaltar, no entanto, que todos os critérios de determinação da competência disciplinados no CPP não foram estabelecidos aleatoriamente. Partiram de uma premissa, de uma orientação superior. E essa orientação superior nos remete à Constituição Federal pátria. O art 84 do CPP apenas adequou ao processo penal os artigos da CF referentes ao tema competência.
Dentre os diversos critérios limitadores da jurisdição está o da competência por prerrogativa de função, disposto no art 84 do já referido código. E é justamente este artigo, juntamente com seus parágrafos, que está causando uma enorme discussão no mundo jurídico.
Este critério foi criado para dar maior liberdade ao ocupante de relevante cargo público para desenvolver com total isonomia seu cargo ou função pública. Sendo assim, qualquer ocupante de cargo ou função pública relevante que cometa crime comum ou crime decorrente do exercício de suas atribuições, deverá ser processado e julgado por um órgão superior, ou seja, órgão colegiado, mesmo que esse crime comum tivesse sido cometido antes de tomar posse do cargo ou função.
Malgrado, a edição da Lei 10.628/2002 e posterior manutenção de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, causou um enorme rebuliço e instaurou um verdadeiro clima de intensa agitação que tomou conta do mundo jurídico, sendo este tema objeto de inúmeras discussões e debates entre os estudiosos do direito, especialmente àqueles ligados ao direito processual penal.
A INOVAÇÃO DA LEI 10.628/2002
A antiga regra do Art 84 garantia que qualquer ocupante de cargo ou função pública relevante que tivesse cometido crime comum ou crime decorrente do exercício de suas atribuições deveria ser processado e julgado por um órgão superior, ou seja, órgão colegiado, mesmo que esse crime comum tivesse sido cometido antes do indivíduo tomar posse do cargo ou função, caso em que os autos deveriam ser automaticamente remetidos ao órgão colegiado responsável por julgá-lo.
E mais, garantia a permanência da competência daquele órgão para julgar a demanda mesmo que o ocupante do cargo ou função pública viesse a perdê-lo. Esse entendimento era extraído da análise do artigo supra combinada com a súmula 394 editada pelo Supremo Tribunal Federal em 1964.
Em 1999 os ministros do Supremo cancelaram a referida súmula, justificando que a mesma estaria em desacordo com a nova Constituição vigente, a de 1988. Passava a vigorar, então, o entendimento de que essa regra valeria apenas enquanto durasse o mandato do cargo ou o exercício da função pública, devendo o processo sair da esfera de julgamento do órgão superior tão logo esse período fosse encerrado.
Essa decisão do órgão máximo do judiciário brasileiro causou um enorme temor nos integrantes dos poderes legislativo e executivo que se mobilizaram e, no ano de 2002, conseguiram elaborar e sancionar a Lei 10628 que introduziu os § 1º e 2º do art. 84 do CPP, segundo o qual dispõem que:
“A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública”. Art 84, § 1.º.
“A ação de improbidade de que trata a Lei 8.429, de 02 de julho de 1992, será proposta mediante o Tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1.º”. Art 84, § 2º.
Quer dizer, o temor de serem julgados por juízes monocráticos após término dos mandatos, fez com que ocorresse uma espécie de repristinação do entendimento da moribunda súmula 394 do STF.
CONVENIÊNCIA E (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA LEI ORDINÁRIA
Mais uma vez interesse e conveniência política prevalecem sobre a ordem jurídica vigente.
Fazendo uma interpretação à luz da constituição, a melhor doutrina e as cortes de justiça através do controle difuso entenderam ser inconstitucional tal Lei, defendendo, inclusive, sua expurgação do ordenamento jurídico, conforme se vê abaixo:
"Queixa. Lei Federal nº 10.628/02. Inconstitucionalidade da Ampliação da Prerrogativa de Foro para os Ex-Exercentes de Cargo Público ou Mandato. 1. A prerrogativa de foro estendida àqueles que já não exercem mandato ou cargo público não encontra justificativa do ponto de vista prático e materializa ofensa ao princípio da isonomia, uma vez que já não existem riscos de prejuízo ao exercício do cargo antes ocupado, e empresta a um cidadão comum, maiores privilégios legais do que obteria outro, em iguais condições. 2. Sendo de exclusiva previsão constitucional a competência dos Tribunais, ela não pode ser ampliada por simples lei ordinária, o que força a conclusão de que a Lei 10.628/02, que deu nova redação ao artigo 84 do Código de Processo Civil encontra-se marcada pela nódoa a inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade Declarada Incidentalmente. (Queixa 79-9/226, Tribunal de Justiça do estado de Goiás).
A Lei 10.628, que alterou o art 84 do CPP, introduzindo dois artigos ao seu texto original, é Inconstitucional na sua essência. É terminantemente proibido e inaceitável que uma Lei Ordinária modifique competência determinada em sede Constitucional, como é o caso da competência atribuída por prerrogativa de função.
Houve, portanto, violação aos arts. 102, I; 105, I; 108, I e 125, § 1º, todos da Constituição Federal e que regulamentam a competência do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo que foi analisado exposto acima, conclui-se que a mudança ocorrida no artigo 84, do Código de Processo Penal, pela Lei n. 10.628, de 24 de dezembro de 2002 é inconstitucional, material e formalmente, em virtude dos pontos explicitados abaixo:
Em hipótese alguma norma constitucional que estabelece competência pode ser alterada por Lei Ordinária. O legislador competente seria o derivado, que poderia fazer tal alteração/ampliação através de emenda à constituição.
A edição da Lei 10.628 e conseqüente alteração do artigo 84 do CPP pelo legislador ordinário consiste numa afronta aos princípios da harmonia e independência entre os três poderes da União, resguardados no Art 2º da Carta Magna.
Como o próprio nome já diz, o foro por prerrogativa de função é para dar a prerrogativa – e não privilégio pessoal de um julgamento justo e livre de pressões ao ocupante de cargo ou função pública. A aplicação do princípio da igualdade ao caso em questão nos leva a crer que quem deixa de exercer função pública passa a ser um cidadão comum, não podendo ser tratado diferente em relação aos demais cidadãos. A lei não pode ser criada para proteger, favorecer, dar privilégios a determinadas pessoas. A prerrogativa é do cargo.
O que cabe a nós, simples mortais, é aguardar e torcer para que o bom senso jurídico e a aplicação sistemática dos consagrados princípios gerais do direito prevaleçam sobre as pressões e interesses de determinados grupos sociais influentes, no sentido de que seja considerada inconstitucional a Lei 10.628/2002. Nunca é demais ressaltar que o órgão supremo do nosso sistema jurídico costuma fazer um julgamento muito mais político do que jurídico. Essa aberração jurídica não merece prosperar no nosso ordenamento. Merece ser expurgada o mais rápido possível!
BIBLIOGRAFIA
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PACCELLI, Eugênio. Curso de Direito Processual Penal
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