Ilegalidade da cláusula de consignação em pagamento nos contratos bancários

Ilegalidade da cláusula de consignação em pagamento nos contratos bancários

Analisa a ilegalidade dos descontos em folha de pagamento para amortização de mútuos bancários. Demonstra a ilegalidade da cláusula de consignação em pagamento nos contratos bancários frente ao princípio da dignidade da pessoa humana.

O presente parecer pretende demonstrar a ilegalidade das cláusulas de desconto em folha de pagamento para pagamento de empréstimos contraídos pelo trabalhador junto às Instituições Financeiras. Pretendemos defender a presente tese demonstrando sua acolhida pelos Tribunais pátrios, de maneira especial o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

A supracitada cláusula é utilizada largamente nos contratos bancários de empréstimo realizados no âmbito do Sistema Financeiro Brasileiro.

Ocorre que, os Tribunais, sobretudo o Tribunal de Justiça de São Paulo vem reiterando decisões no sentido de que os descontos para amortização de empréstimos bancários efetuada na folha de pagamento do trabalhador é ilegal, mesmo havendo cláusula contratual expressamente permitindo os descontos.

O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, decidiu recentemente, lavrando Acórdão de nº 2000.656-4 (10 ª Câmara de Direito Privado do Extinto 1º TACível) que os descontos efetuados no salário do trabalhador para amortização de empréstimos é ilegal.

O citado Acórdão originou-se de Agravo de Instrumento interposto por Instituição Financeira do Estado de São Paulo contra decisão de 1º Grau, que em sede de Tutela Antecipada determinou a suspensão dos descontos incidentes sobre o salário posto que violavam o princípio da impenhorabilidade do salário e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

A Instituição Financeira, em seu recurso, alegou, em suma, que havia disposição contratual permitindo os descontos das parcelas do empréstimo diretamente sobre o salário da Agravada, razão por que a r. decisão, segundo a Agravante, deveria ser reformada.

A Agravada, em sua resposta, afirmou que a referida cláusula contratual é nula de pleno direito, por infringir o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, uma vez que com os descontos a Agravada passou a perceber mensalmente quantia inferior ao salário mínimo.

Diante dos fatos, o Relator do Recurso, Desembargador Paulo Hatanaka, exarou voto, que foi seguido pelos demais julgadores, acolhendo a tese da Agravada, declarando a cláusula contratual nula de pleno direito. Assim se pronunciou o douto Julgador:

A cláusula contratual que, como no caso, autoriza o débito em conta corrente, no qual são creditados salários do devedor, afigura-se leonina, abusiva e contra o Código de Defesa do Consumidor ( Lei nº 8.078/90, artigo 52, “caput” e seus incisos, I, II e V)” ( Acórdão TJ/SP 2000.656-4)

Assim entendeu o Julgador porque os proventos do trabalhador, segundo Jurisprudência do TJ/SP, não podem sofrer descontos além dos que são previstos em Lei, mesmo que para isso haja consentido o trabalhador, em razão de ser o princípio da impenhorabilidade do salário de ordem pública e, sendo assim, irrenunciável pelo trabalhador.

Entendemos conforme o pronunciamento exarado no supracitado Acórdão, ademais que no caso “sub judice” a Agravada, em razão dos descontos passou a perceber quantia inferior ao salário mínimo, ou seja, a cláusula de consignação em pagamento impôs obrigação que colocou a consumidora em desvantagem exagerada, tornando-a abusiva e, em conseqüência, nula de pleno direito.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 51, IV, dispõe expressamente que “ são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV- estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;”

O citado diploma legal, ainda expressamente dispõe em seu artigo 53 § 1º, inciso I, que “presume-se exagerada a vantagem que ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence” . Desta forma por ser a garantia da percepção de remuneração em quantia pelo menos igual ao valor do salário mínimo, intimamente ligada ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, a partir do momento em que os descontos em folha de pagamento acarretarem ao devedor a percepção de proventos em valor inferior ao previsto como salário mínimo, torna-se inequívoca a ilegalidade da cláusula de consignação em pagamento, seja por ferir o citado princípio constitucional, bem como o estatuído pelo Código de Defesa do Consumidor.

Para concluir e reforçar ainda mais a tese da ilegalidade da cláusula de consignação em pagamento nos contratos de empréstimos de dinheiro realizados pelas Instituições Financeiras, a seguir transcrevemos algumas Ementas de Acórdãos de tribunais de nosso País nesse sentido.

CANCELAMENTO DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO – OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER – DESCONTOS VOLUNTÁRIOS – Os descontos voluntários em folha de pagamento, quando comprometem a dignidade humana e mesmo a subsistência podem ser cancelados. Apelo provido. (TJRS – APC 70007445778 – 16 ª C. Cív. Rel. Des. Paulo Augusto Monte Lopes – J. 26.11.2003)

EXECUÇÃO – LOCAÇÃO – TÍTULO JUDICIAL – FIADOR – ALUGUÉIS – DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO- AUTORIZAÇÃO EXPRESSA NO CONTRATO – IRRELEVÂNCIA – INADMISSIBILIDADE – INTANGIBILIDADE DOS SALÁRIOS – É de ordem pública a regra de impenhorabilidade de salários consubstanciada no inciso IV do artigo 649 do Código de Processo Civil, dada no interesse da preservação da dignidade da vida humana, portanto sem que possa ser suplantada pelo princípio da autonomia da vontade ( 2º TACSP – AI 690.665-00/3 – 1ª . – Rel. Juiz Sebastião Flávio – DOESP 19.10.2001 ) JCPC.649 JCPC.649.IV

Em virtude dos fatos analisados as cláusulas de consignação em pagamento nos contratos de empréstimos em dinheiro celebrados pelas Instituições Financeiras são nulas de pleno direito, uma vez que ferem o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como o princípio de ordem pública da impenhorabilidade dos salários.

Sobre o(a) autor(a)
Bruno Valverde Alves de Almeida
Advogado, formado pela Fundação de Ensino Superior Eurípides Soares da Rocha- Marília/SP em 2003
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