Análise crítica do § 5º do artigo 155 do Código Penal Brasileiro

Análise crítica do § 5º do artigo 155 do Código Penal Brasileiro

Qual a intenção do legislador ao introduzir o § 5º ao art 155, do Código Penal Brasileiro? A resposta vem a partir da leitura sistémica da Lei 9426/96 e 9613/98 e de alguns julgados e doutrinas.

A

pós análise de doutrinas e pareceres de vários autores renomados e uma leitura da exposição de motivos do projeto da Lei 9426/96 que levou à inclusão do parágrafo 5º do art. 155, ao Código Penal e análise de alguns julgados de Primeira e Segunda Instâncias do Tribunal de Justiça do livro “ O Século do Crime”, percebe-se que, apesar das críticas que recebeu “de que o pensamento que norteou a proposta legislativa foi o de proteger, do modo mais abrangente possível o patrimônio de segmentos sociais privilegiados – o proprietário do veículo automotor – em detrimento dos interesses da grande maioria da população” (Alberto Silva Franco – Dos crimes contra o patrimônio, pág 2526) o § 5º, do Art. 155, do CP, a intenção do legislador foi muito alem disso. Efetivamente a intenção foi a de combater o crime organizado, quais sejam: receptação, remarcação, desmanche, o tráfico de drogas e o rico comércio transnacional ilegal de veículos roubados e o narcotráfico. É preciso, porém, a leitura sistemática da Lei 9426/96 com outras normas, como a Lei 9413/98 e outras, para entendermos o dinamismo dela.

É o que a prática tem demonstrado.

Vejamos: O Tribunal de Justiça do Distrito Federal – 2ª Turma nos autos de APR 33751-9/99, o relator Des. Vaz de Mello, confirmando sentença de Primeiro Grau negou provimento ao recurso dos réus. A sentença condenava os réus como incursos no art. 155, § 5º, do CP, apenando-os a 4 anos e 3 meses de reclusão, em regime inicialmente fechado. Neste caso, está bem claro que se trata de grupo organizado em desmanches e a tranqüilidade com que agem porque, em caso de frustada a ação criminosa, pelas penas tradicionais “Vale a pena o risco”. Aplicando-se o novo parágrafo do artigo em comento, inibe-se a ação criminosa.

Também a 8ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Vacaria – RS confirmou sentença nos autos do processo 70002698728crime/2001, que condenou o réu como incurso no crime do art. 155,§ 5º, apenando-o a 3 anos de prisão em regime aberto, substituído por prestação de Serviço à Comunidade. Este julgado, no meu entender, perdeu sua finalidade, qual seja: reprimir, punindo com maior rigor. In casu, tanto fazia incurso nas penas tradicionais ou na nova modalidade, já que foi considerado incurso na modalidade mais rigoroso e mesmo assim, ao final de toda uma justificativa da tese, foi colocado em liberdade. E por aqui poderíamos sustentar a crítica de que não tem muita aplicabilidade prática. Mas, estas são decisões isoladas que não pode desvirtuar a intenção do legislador, que é muito maior.

Passemos, agora à análise do que seja Veículo automotor.

Segundo a Convenção de Viena, ratificado pelo Brasil é: “todo veículo motorizado que serve normalmente para transporte viário de pessoas ou de coisas ou para tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas ou de coisas“.

Damásio E. de Jesus, Júlio Babbrini Mirabete e Marcelo Lessa Bastos acham que veículo automotor abrange aeronaves, automóveis, caminhões, lanchas, jet-skic, motocicletas, etc.

Já Alberto Silva Franco entende que não podem ser incluídos na categoria de “veiculo automotor” os ciclomotores, motocicletas, os biciclos ou triciclo.

Art. 155, § 5º - “A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.”

Requisito objetivo para a incidência da figura qualificada: Transporte para outro Estado ou outro País. A Lei exige que o veículo seja, efetivamente, transportado para Estado ou País diverso daquele onde ocorrer a subtração. Esta qualificadora, porém, é uma conduta posterior à consumação do furto.

No entender de Roberto Wagner Battochio Casolato Trata-se de um evento superveniente à consumação do delito.

Dessa forma, a qualificadora consuma-se com o efetivo transporte, ou seja, com a ultrapassagem da fronteira terrestre, aquática ou aérea. O núcleo da figura qualificadora é: subtrair e transportar, sendo o primeiro o antecedente do segundo.

A este espectro, Celeste Leite dos Santos Pereira Gomes denomina de “figura qualificadora híbrida (...) são necessários dois momentos consumativos: o primeiro realiza-se com a posse tranqüila, desvigiada da res furtiva e o segundo, como foi salientado acima, com o efetivo transporte de um Estado para outro, ou para o exterior” (in Boletim IBCCrim n.º 64 – março/98).

O transportador do bem furtado não poderá ser pessoa diversa da do autor da subtração, porque, se o for, o delito praticado pelo transportador será ao de receptação e não o de furto qualificado ou de roubo agravado.

A qualificadora e a causa a que aludem à subtração de veículo automotor, sem e com violência ou grave ameaça à pessoa, respectivamente, na hipótese em que a coisa subtraída seja transportada para outro Estado ou para o exterior. O fulcro da exacerbação punitiva está no ato de transportar a res furtive

Transportar, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira é “conduzir ou levar de um lugar para outro e transpor”. É elementar, portanto, para a configuração da qualificadora que o agente que praticou o crime antecedente seja também o condutor do vínculo de um lugar para outro, sendo-lhe exigível, antes a transposição das fronteiras de outro Estado ou a ultrapassagem das fronteiras nacionais.

Não devemos confundir a consumação do furto com a concretização do fim visado pelo agente.

A tentativa só vai se configurar em uma única hipótese.

Ocorre tentativa de furto qualificado quando, já furtado o veículo, o agente tenta ultrapassar a fronteira com ele e, é preso em flagrante. Estará ele incurso no art. 155, § 5º, c/c 14, II, do CP. Para tanto é importante o início da execução do transporte do veículo para outro Estado ou País. A mera subtração, sem que o agente inicie o transporte, não constitui a nova figura típica, caracterizando apenas o furto simples, ou o cominado no § 4º, ou ainda, agravado pelo repouso noturno mais § 1º, ainda que tenha subtraído o veículo com esta finalidade.

É um crime material, porque não basta a intenção. É preciso que seja efetivamente transportado para outro Estado ou País.

Pela leitura atenta do Projeto de Lei que criminaliza a lavagem de dinheiro e a ocultação de bens, direitos ou valores, oriundos de determinado crimes de especial gravidade, que culminou com a criação da Lei 9613/98 e do Projeto de Lei que criminaliza o roubo, furto, receptação, remarcação, desmanche, transporte para outro lugar do Brasil e até para o exterior de veículo automotor, de julho/95 e que teve aprovação pela Lei 9426/96.

Ainda, levando em conta, ainda, a situação em que o Brasil e o resto do mundo estava mergulhado: tomados pela organização criminosa de narcotráficos e crimes afins transnacional, era preciso o combate efetivo em conjunto com outros países juntamente com a ONU.

A final, o Brasil era apontado em março de 1996 segundo relatório do Departamento de Estado dos EUA divulgado anualmente sobre narcóticos, taxativamente, como a mais significativa rota de trânsito para carregamentos aéreos de folhas de coca colhidas no Peru e destinadas para laboratórios na Colômbia.

Pela leitura do livro “O Século do Crime” verificamos que em 1995, o presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu relatórios da Polícia Federal informando que as polícias norte-americana, espanhola e holandesa haviam detalhado as ações do chamado “Cartel de São Paulo – composto de 18 chefões que comandam a distribuição de drogas no país e do Brasil para todo o mundo. Sustenta, ainda, que esses chefões sobrevivem em São Paulo mantendo empresas de fachada. Dentre eles, dois principais, com ascendência espanhola seriam famosos empresários da noite, que circulam com desenvoltura no chamado eixo Rio-São Paulo.

Em 1995 a Interpol entregou um relatório ao Ministério da Justiça revelando que o Brasil era o país preferido dos mafiosos italianos foragidos pelo fato de ser próximo da Bolívia, Colômbia e Peru, o que facilitaria o tráfico internacional de cocaína. 50 mafiosos estariam morando no Brasil encarregados do carregamento das drogas com destino à Ásia, Estados Unidos e Europa, já que o Brasil servia de base para o carregamento. 25 deles estariam morando em São Paulo. Esses mafiosos estariam aqui para fazer uma ligação entre os cartéis colombianos e as máfias Cosa Nostra, da Sicília, e Camorra, de Nápolis. A análise das fichas criminais de grupo de 23 mafiosos de alto coturno presos presos em terras brasileiras entre 1988 a 1995, pode-se avaliar que pito de negócio as diversas máfias italianas pretendem estabelecer no Brasil: Paolo Angeli Sorpreendente, Antonio Salamone, Francesco Toscanino, Umberto Ammaturo, Marco Pugliesi, Gaetano Giusepp Sant’Angelo, Antonio Bardelino, Giuseppe Cuntrera, Giuseppe Ciula, Bruno e Retano Torsi, Pasquale Raffaele Graziani e Giuseppe Castoro. Cada um pertencendo a grupos diferentes dos negócios, usando empresas de faixadas para o envio da cocaína para o exterior.

Desta forma, pode-se verificar, por exemplo, que na Itália existem a Cosa Nostra, a Camorra, a´Ndranguetta e a Sagrada Coroa Unida como organizações do narcotráfico além de possuírem outras atividades ilícitas paralelas, como extorsão, receptação de mercadoria roubada, tráfico de armas, contrabando de cigarros, roubos a bancos e de carros além de seqüestros para a obtenção de resgate, gerando em um ano um lucro de 17 bilhões de dólares para essas máfias. O livro indica também como se procedem a essas atividades na busca sempre de implementação ao tráfico de drogas e em quais outros países atuam. São verificadas ainda outras máfias, atuantes na Rússia, China, Japão, Nigéria e Colômbia, demonstrando também as suas demais atividades bem como suas atuações em outros países.

Pelo exposto justifica-se a criação da Lei 9426/96, especificamente a criação do § 5º, do art. 155, do CP como parte de um projeto muito maior – desmantelar e reprimir o crime organizado.

Por todo o exposto, chegamos na conclusão de que, não se deve fazer a análise isolada do art. 155, § 5º do CP. E sim, uma análise sistêmica, com a Lei 9426, Lei 9613/98 e outros, de organismos internacionais como o Departamento de Estado dos Estados Unidos, a Interpol, o FMI, as Nações Unidas e dados de diversos governos com a ajuda de suas polícias, promotorias, empresas armadas de inteligência e Forças Armadas, criados especificamente para combater o crescente grupo transnacional de narcotraficantes que, em 1995 tiveram seu auge.

Então, nesta esteira de análise, veremos que, o § 5º do art. 155, do CP, ao contrário do que dizem seus críticos, está inserida dentro de uma proposta de cerco ao crime organizado, combatendo-o, reprimindo-o e demantelando-o.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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BITENCOURT, C. R. Reflexões sobre furto, roubo e receptação, segundo a Lei nº 9.426/96. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 53, p. 12-13, abr. 1997.

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CASOLATO, R. W. B. O furto desde a Lei nº 9.426/96. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 55, p. 5-6, jun. 1997.

JESUS, D. E. de. Código penal anotado. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

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TEIXEIRA, J. B. Subtração de veículo e receptador. Disponível em: http://www.assintel.com.br Acesso em: 04 set. 2003.

ARBEX JR, JOSÉ, TOGNOLLI, CLÁUDIO JÚLIO – O Século do Crime, Boitempo, editorial – 2ª edição.

Sobre o(a) autor(a)
Reinalda Melgarejo Silva
Funcionário Público
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