O direito autoral e sua tutela penal na internet

O direito autoral e sua tutela penal na internet

Pela facilidade com que as obras colocadas na rede podem ser copiadas, transmitidas e armazenadas, é de se perguntar se, neste novo século, ainda irá se discutir por muito tempo Propriedade Intelectual em relação à Internet.

D ireito exclusivo, individual, subjetivo, decorrente da garantia Constitucional [1] de que é livre a expressão da atividade intelectual, o Direito Autoral é o conjunto de prerrogativas de ordem patrimonial e de ordem não patrimonial atribuídas aos autores de obras intelectuais.

O Direito Autoral trata, portanto, de modo amplo, da propriedade intelectual [1] (literária, artística e científica), protegendo os interesses do autor e de seus sucessores, em relação às obras criadas.

Está regulado em nosso sistema jurídico pela Lei 9.610, de 20 de fevereiro de 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.

Tem por objetivo regulamentar as relações jurídicas que podem ocorrer entre o autor e uma obra intelectual e interessados em tirar proveito dela.

Segundo ensina Eduardo Vieira Manso [2], “o direito autoral se exercita, seja qual for a obra intelectual envolvida, mediante a comunicação desta ao público, o que implica, quase sempre, o emprego de tecnologias de várias espécies”.

Indubitavelmente, pode-se afirmar que, atualmente, a Internet é o veículo mais utilizado para a dispersão e a democratização de informações.

Dada a sua estrutura, a Internet possibilita a elaboração e a divulgação de obras intelectuais, bem como o acesso, a qualquer instante, a um gigantesco acervo de obras literárias, artísticas e científicas, além dos mais variados tipos de informações educativas, culturais e de entretenimento.

A Internet, como nenhuma outra invenção tecnológica, desafia conceitos fundamentais do sistema jurídico de proteção à propriedade intelectual [3].

Pela facilidade com que as obras colocadas na rede podem ser copiadas, transmitidas e armazenadas e, pela fragilidade dos sistemas de segurança atualmente disponíveis, é de se perguntar se, neste novo século, ainda irá se discutir por muito tempo Propriedade Intelectual em relação à Internet.

Talvez o instituto jurídico Direito Autoral esteja fadado ao desaparecimento, pois a Internet trouxe consigo um fenômeno paralelo: as leis de proteção à Propriedade Intelectual tornaram-se obsoletas, pois a criação intelectual humana não tem mais a forma material.

Analisando os institutos que regem o direito autoral, verifica-se que toda a produção de obras intelectuais está assentada na existência de um suporte físico, material.

Afirma Marco Aurélio Greco [4] que a Internet joga por terra essa necessidade, na medida em que os dados (de um texto ou de um programa, por exemplo) são fixados exclusivamente em forma digital.

A digitalização consiste em transformar textos, imagens, sons e vídeos em um sistema binário, bites, que se constitui de um arranjo de números composto de “zeros e uns”.

É um processo peculiar e diferente do que ocorreu em outras épocas, com as máquinas fotocopiadoras e o videocassete, pois em ambos a reprodução depende de um suporte tangível como um simples pedaço de papel e uma fita magnética.

Além disso, a Internet choca-se com outros conceitos, inerentes ao Direito Autoral, como edição, reprodução, divulgação etc., os quais estão definidos pela Lei 9.610/98.

Está-se diante de uma enorme copiadora, sem fronteiras, que possibilita a cópia e a distribuição gratuita de inimagináveis quantidades de informação, que se propagam em progressão geométrica pela rede, gerando um esquema global de reprodução.

A própria noção do ato de fazer uma cópia perde o sentido quando se trata de reprodução de obras intelectuais na Internet.

Isso se deve ao fato de que, no campo da reprodução, a revolução digital possibilita a realização de cópias perfeitas a um custo reduzido. Além do mais, o próprio conceito de cópia está sendo afetado: nas mídias tradicionais há clara distinção entre cópia e acesso. Já no meio digital, muitas vezes, o acesso não é possível sem a realização de uma cópia.

Mesmo que apenas temporárias, essas cópias acabam sendo necessárias para o efetivo acesso a um dado material, o que ataca um dos princípios basilares do direito autoral, representado pela necessidade de permissão do autor para a realização de cópias.

No âmbito da distribuição, tem-se outra significativa mudança, pois desde os primórdios a economia da informação foi baseada na venda de cópias físicas dos seus produtos. As sociedades, desde as épocas mais remotas, sempre lidaram com a noção de valor agregado à representação física das coisas.

Hoje, as informações digitais não exigem mais um suporte físico. A tecnologia de rede, centrada basicamente na Internet, possibilita uma distribuição veloz e de baixo custo de seu conteúdo, na forma de bits, seja ele som, vídeo, softwares, imagem ou texto.

Por outro lado, mais correto seria afirmar que a informação é transportada por propagação e não por distribuição, ou seja, deixa um pouco de si mesma em todos os lugares por onde passa.

Na verdade, pode-se constatar que qualquer modalidade de reprodução na era digital torna-se imediatamente uma distribuição já que, pelo simples fato de estar na tela de um computador ou de vários, simultaneamente, a obra já está sendo multiplicada e copiada, sem a devida autorização do autor, ocorrendo a violação dos direitos autorais. É o que comenta Liliana M. Paesani [5].

Já na área de edição, a Internet torna possível a produção de milhares de documentos, opiniões e artigos que circulam na rede.

A divulgação em larga escala, inaugurada pela imprensa e desenvolvida com o rádio, a televisão e agora a Internet, torna mais difícil a fiscalização da circulação de obras e, conseqüentemente, propicia uma maior facilidade de violação dos direitos autorais.

Em decorrência disso, muitas discussões surgem dos mais variados campos de pesquisa, eis que a comunicação virtual quase que impossibilita a aplicação do Código Penal, uma vez que fica quase impossível a determinação de critérios espaciais e temporais da ocorrência de fatos, como no caso da reprodução indevida de uma obra, onde não é possível se identificar a origem de um arquivo, bem como o momento de sua criação.

De igual modo, para que se possa estabelecer as responsabilidades e o nexo de causalidade por ato ilícito dentro da Internet, é preciso identificar os personagens que fazem parte da rede.

Pode-se identificar claramente o cliente (porque mantém contrato com um provedor) e o provedor (porque aluga seu espaço na rede junto à empresa de telecomunicação). O problema surge da dificuldade de se identificar o usuário, que pode ser qualquer pessoa física ou jurídica, em qualquer lugar do mundo.

As sanções que se prevêem até o presente momento dificilmente atingem o usuário final que, em última análise, poderá incorrer no crime de violação aos direitos autorais.

Em verdade, a punição da legislação autoral em vigor atinge o cliente, que disponibiliza na rede a obra protegida, retirando a matéria do ar, podendo inclusive penalizar o provedor que, advertido do conteúdo ilícito do material de seu cliente, permite a continuidade da divulgação.

E na hipótese de um procedimento judicial, qual a legislação aplicável? a do território de origem da transmissão ou daquele em que se verificou a violação?

Nesse ponto, entram na discussão diferentes conceitos de legislação autoral, que variam de sistema jurídico para sistema jurídico, o que suscita conflitos de Direito Internacional Privado, já que o material que “navega” na Internet pode ser utilizado em qualquer dos países ligados na rede.

De acordo com o artigo 6°, do Código Penal, a lei aplicável é a do lugar do resultado. Mas outras questões surgem de maneira tormentosa: onde se produz o resultado? o lugar onde está assentado o servidor que hospeda a página na Internet ou lugar onde efetivamente o autor sofreu a violação de sua propriedade intelectual?

Se se considerar que de forma anexa à demanda penal por violação da propriedade intelectual existe uma demanda civil, a qual está regulada pelo Código Civil pátrio, seria mais lógico afirmar que a lei aplicável seria a do lugar onde o autor teve efetivamente seu patrimônio violado, uma vez que a proteção conferida aos direitos é definida pelo bem jurídico protegido.

Assim, de acordo com o Princípio da Territorialidade (art. 5º, CP), a lei brasileira será aplicável se o resultado ocorrer em território brasileiro.

Quanto à extraterritorialidade, prevista no artigo 7º do Código Penal, a lei brasileira só será aplicada, ainda que o crime tenha sido praticado no estrangeiro, se o crime disposto no artigo 184 (violação de direito autoral) for praticado contra o patrimônio de entidade de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo poder público. Nesse caso a ação penal será pública.

Veja-se o que dispõe a respeito o Código Penal pátrio:

Art. 7°. Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

I – os crimes:

b) contra o patrimônio ou fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo poder público.

Art. 186. Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando praticados em prejuízo de entidade de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo poder público, (....).

Outra questão que se destaca é o fato de que a aplicação dos artigos 184 e 185 do Código Penal se aplicariam às violações da propriedade intelectual no mundo digital, sem ferir o Princípio da Legalidade, disposto no artigo 1°, do mesmo diploma legal.

Parece que não, haja vista que os crimes previstos nos artigos supracitados prevêem em seu tipo a violação feita por qualquer meio. Disso, pode-se inferir que a Internet pode ser enquadrada na previsão legal.

A Lei nº 9.610/98, diz o seguinte em seu artigo 7°: São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro.

Pela segunda parte do artigo, pode-se perceber que já existe previsão legal para a proteção de obras intelectuais publicadas em forma digital, quer sejam textos de obras literárias, artísticas ou científicas, ou composições musicais, obras audiovisuais, programas de computador, compilações e bases de dados. Todas essas criações resultantes do espírito criativo humano estão protegidas contra a reprodução ou uso não autorizado, indiferentemente da forma que seja adotada para a sua publicação e divulgação.

Pode-se constatar que o meio Internet, como expressão de obras intelectuais, está previsto, haja vista que a intenção do legislador tenha sido a de proteger o artista em qualquer situação, presente ou futura.

É de se perguntar, então: essa norma do artigo 7º é suficiente para proteger os abusos à propriedade intelectual facilitados pelas novas tecnologias da informação?

É evidente que a proteção já existe, mas faz-se necessária a criação de lei especial para que essa proteção se efetive.

A legislação atual dos direitos autorais distingue, também, a reprodução para uso público (quando é necessária autorização e pagamento) daquela para uso privado, em pequena escala, em locais reservados como bibliotecas ou no recesso do lar. A essas poucas exceções a doutrina americana dá o nome de fair use.

No entanto, com a utilização da gigantesca copiadora que é a Internet, qualquer indivíduo pode gravar em seu computador a cópia perfeita de um banco de dados completo ou de um clip de vídeo inteiro. Será isto ainda fair use?

O significado da expressão “utilização” de uma obra intelectual é bastante simples quando a obra é reproduzida em papel ou gravada em áudio ou videotape: é quando um editor obtém direitos de reprodução e alguém compra um exemplar de jornal, revista, livro ou fita. Entretanto, a resposta é mais complicada quando um computador entrega a obra: será a leitura na tela uma utilização? armazenar no disco rígido e imprimir a obra são modalidades distintas de utilização? rebobinar o texto na tela do computador para retê-lo seria ainda uma nova utilização?

A Lei dos Direitos Autorais é omissa em resposta a essas perguntas.

Henrique Gandelman [6], ao analisar a matéria, observa:

O direito de reproduzir uma obra é exclusivo do seu titular, inclusive o direito de reproduzi-la eletronicamente em uns e zeros (para serem lidos por computadores). E se alguém armazena de forma permanente em seu computador material protegido pelo direito autoral, uma nova cópia é feita, necessitando, portanto, de uma autorização expressa do respectivo titular. Alguns tribunais norte-americanos vêm considerando uma cópia RAM de uma obra, por exemplo, como uma cópia protegida por copyright.

Até o próprio conceito de propriedade e da essência da proteção de uma obra não está claro. Será que o direito do editor a uma obra abrange também as versões eletrônicas a que os usuários dos computadores têm acesso repetidamente?

Veja-se a respeito o que diz o artigo 53 da Lei nº 9.610/98:

Art. 53. Mediante contrato de edição, o editor, obrigando-se a reproduzir e a divulgar a obra literária, artística ou científica, fica autorizado, em caráter de exclusividade, a publicá-la e a explorá-la pelo prazo e nas condições pactuadas com o autor.

A doutrina pátria também não esclarece se a divulgação eletrônica de uma obra intelectual pode ser objeto do pacto entre autor e editor, ou seja, se essa forma de divulgação pode ser inserida no contrato de edição.

Outra questão levantada diante da recente utilização comercial da Internet : será que a proteção autoral dada a textos e imagens alcança também a sucessão de “zeros e uns”, o código digital que somente o computador pode ler para a transmissão e cópia?

A criação intelectual para ser protegida pelo direito autoral necessita ser expressa por um suporte material, também denominado “corpo mecânico”. Desse fato pode-se inferir que as normas de direitos autorais devem ser modificadas e aprimoradas na medida em que os suportes materiais se desenvolvem.

Desta forma, aprimorando-se os meios de comunicação, suportes materiais por excelência, devem também ser aprimoradas as normas referentes aos direitos autorais, dado que a cada evolução tecnológica surgem novos problemas e, conseqüentemente, novos desafios jurídicos para subsumir a norma às novas realidades.

Essa nova realidade, portanto, vem impor a necessidade de os países reverem ou adaptarem suas legislações sobre direitos autorais.

Por mais que já exista previsão legal para a proteção de obras intelectuais publicadas em forma digital, esta se mostra ineficaz . Não se pode manter uma visão voltada apenas para a indústria e o desenvolvimento do setor, eis que a era digital criou um vaso campo para os crimes contra os direitos intelectuais.

No âmbito virtual, fica difícil combater a pirataria na Internet. O Brasil ainda não possui legislação específica para regular a matéria


Referências:

BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. 21º ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

BRASIL. LEIS, decretos etc. Código Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Diário Oficial da União, seção I, p. 3, de 20.02.98.

GANDELMAN, Henrique. De Gutemberg à Internet: direitos autorais na era digital. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 178.

GRECO, Marco A. Internet e direito. São Paulo: Dialética, 2000.

PAESANI, Liliana M. Direito e internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. São Paulo: Atlas.



[1] A Propriedade literária, artística e científica é direito constitucional. A Constituição Federal vigente, em seu artigo 5, inciso XXVII, refere-se expressamente a esse direito ao enunciar que pertence aos autores o direito exclusivo de utilização de suas obras.

[2] MANSO, Eduardo Vieira. A informática e os direitos intelectuais. São Paulo: RT, 2000.

[3] Lei 9.610/98.

[4] CRECO, Marco Aurélio. Internet e Direito. 2º ed. São Paulo: Dialética, 2000.

[5] PAESANI, Liliana M. Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2000.

[6] GANDELMAN, Henrique. De Gutemberg à Internet: direitos autorais na era digital. 4° ed, Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 178.

Sobre o(a) autor(a)
Claudia Curi
Estudante de Direito
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