A nova lei de apostas esportivas e a legislação nacional (2024)

A nova lei de apostas esportivas e a legislação nacional (2024)

Uma breve análise dos direitos dos apostadores com a implementação da 14.790/2023.

As casas de apostas esportivas já são uma realidade no futebol brasileiro. Quatorze dos vinte times da Série A iniciaram o campeonato brasileiro com uma casa de apostas como patrocinador máster, e o próprio campeonato Brasileiro e a Copa do Brasil são patrocinados por essas empresas.

A entrada em vigor da Lei 14.790/23 traz diversas obrigações para que as casas de apostas possam operar no território nacional, como questões regulatórias de segurança digital e exigências técnicas de jogo responsável, assim como outras que serão regulamentadas pelo Ministério da Fazenda. Porém, a principal modificação para os apostadores é a obrigatoriedade de ter sede em território nacional.

O texto legal do artigo 7º da referida lei dita essa exigência legal:

Art. 7º Somente serão elegíveis à autorização para exploração de apostas de quota fixa as pessoas jurídicas constituídas segundo a legislação brasileira, com sede e administração no território nacional, que atenderem às exigências constantes da regulamentação editada pelo Ministério da Fazenda.

Essa obrigação faz com que as casas de apostas passem a cumprir com as leis nacionais, incluindo o Código de Defesa do Consumidor e a própria Constituição, e, principalmente, possibilita a aplicação da jurisdição nacional para aplicação das referidas leis.

Diante do cenário apresentado, façamos uma breve avaliação da aplicabilidade destes dispositivos em práticas comuns das casas de aposta:

Das limitações de contas

É uma conduta conhecida dos apostadores mais experientes. O apostador consegue localizar um mercado lucrativo e passa a ganhar dinheiro operando nesse mercado, em algumas semanas, recebe um e-mail informando que suas apostas nesse mercado serão limitadas ao valor X, bem abaixo do que estava apostando anteriormente.

Observando o Código de Defesa do Consumidor, temos que o art. 39 proíbe o fornecedor de recursar atendimento às demandas dos consumidores, existindo disponibilidade de estoque:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

Por meio desse dispositivo, em teoria, as casas de apostas não poderiam limitar contas se esse mesmo mercado for disponível para os demais apostadores na casa de apostas. Assim, seria justificável o ingresso de ação judicial para recuperação de contas limitadas e impedir as casas de seguirem com essa prática.

Alteração de Odd após a aposta já realizada

Outra prática que os apostadores mais experientes já observaram é que uma odd foi disponibilizada em determinado mercado, o apostador realiza sua aposta e o evento acontece, porém, recebe uma mensagem informado que a odd foi recalculada e os valores são menores do que o ofertado.

Novamente, passemos ao CDC para observar o que consta na Seção II – Da Oferta. O artigo 30 obriga ao fornecedor que toda informação precisa veiculada em relação ao serviço prestado vincula o fornecedor ao seu cumprimento:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

Considerando que a odd foi disponibilizada no site, apesar desta ser variável, se o apostador realizar a aposta com a odd vinculada e ela for efetuada, o apostador, na qualidade de consumidor, poderá exigir o cumprimento forçado da odd inicialmente apostada, conforme dita o art. 35, I do mesmo livro legal:

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

Portanto, observa-se que a correção tardia da odd por parte das casas de apostas não pode prejudicar o consumidor final, e poderá ser questionada judicialmente.

Do bloqueio de usuário

O último ponto abordado neste artigo é uma das práticas mais abusivas que as casas de apostas podem realizar com um apostador, impedir que este possa acessar a sua conta e operar no site, impedindo até mesmo o saque dos valores presentes na conta.

É claro que existem condutas abusivas por parte do apostador que podem justificar o bloqueio à conta, mas a Constituição Nacional prevê como cláusula pétrea, em seu art. 5º, LV, o direito à ampla defesa e contraditório, inclusive em questão administrativa.

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Na mesma linha, o art. 39, IX do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;

Há de se fazer um paralelo com a situação em que os bancos fazem o encerramento unilateral de conta bancária, sem apresentação de motivos e impedindo o contraditório e a ampla defesa. Em casos como esse, o judiciário tem um entendimento pacífico de que o banco não pode encerrar a conta do consumidor sem o devido procedimento administrativo.

DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE CONTA-CORRENTE EM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ENCERRAMENTO UNILATERAL E IMOTIVADO DA CONTA. IMPOSSIBILIDADE. 1.- Não pode o banco, por simples notificação unilateral imotivada, sem apresentar motivo justo, encerrar conta-corrente antiga de longo tempo, ativa e em que mantida movimentação financeira razoável. 2.- Configurando contrato relacional ou cativo, o contrato de conta-corrente bancária de longo tempo não pode ser encerrado unilateralmente pelo banco, ainda que após notificação, sem motivação razoável, por contrariar o preceituado no art. 39, IX, do Cód. de Defesa do Consumidor. 3.- Condenação do banco à manutenção das conta-correntes dos autores. 4.- Dano moral configurado, visto que atingida a honra dos correntistas, deixando-os em situação vexatória, causadora de padecimento moral indenizável. 5.- Recurso Especial provido. (STJ - REsp: 1277762 SP 2011/0177081-9, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 04/06/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/08/2013)

Diante desse cenário, a nova regulamentação poderá trazer benefícios e maior segurança aos apostadores, que hoje são reféns das casas de apostas internacionais. Porém, há de se avaliar como o judiciário tratará de casos como esse, além de ser cabível avaliar os impactos financeiros que as leis nacionais trarão à essas operações, hoje não reguladas.

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Diego Vidaurre Losekann
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