A evolução do direito constitucional no Brasil: análise das Constituições ao longo do tempo

A evolução do direito constitucional no Brasil: análise das Constituições ao longo do tempo

Análise sobre a evolução do direito constitucional no que se refere às constituições brasileiras, apresentando sua teoria, evolução legislativa e contexto histórico em que estão inseridas.

INTRODUÇÃO

Considerada como a norma superior e a base jurídica de uma sociedade, a Constituição pode ser conceituada como o conjunto de normas jurídicas, políticas e sociais responsáveis pela estruturação de uma determinada nação e organização de seu povo.

É a lei maior de uma sociedade democrática, o principal ponto de suporte e sustentação legal de todas as demais normas e preceitos judiciais. É dela que se extrai a ideia de como funciona a sociedade em que está inserida. É, em verdade, um reflexo do seu povo.

Para o ilustre doutrinador Dirley da Cunha Júnior (2015), é a Lei que ordena e disciplina os elementos essenciais do Estado (poder-governo, povo, território e finalidade). Dessa forma, podemos entender, finalmente, que toda a ordem jurídica de uma sociedade está refletida em sua Lei maior.

Tal norma possui como característica e principal elemento a ideia de soberania frente as demais normas presentes no ordenamento jurídico brasileiro, este atributo a põe no topo da pirâmide das normas, devendo as demais se sujeitarem aos seus mandamentos, sob pena de incorrerem em vício de inconstitucionalidade o que fatalmente ocasiona sua extinção do ordenamento jurídico brasileiro.

Para Celso Ribeiro Bastos (1994) a soberania pode ser entendida como manifestação de poder do Estado brasileiro, caracteriza-se pela ideia de subordinação estando o Estado no topo da pirâmide dentro de sua unidade territorial e em igualdade de poder com os demais entes soberanos, não admitindo qualquer manifestação de força diferente da própria força estatal.

No entanto, a Carta Magna como conhecemos hoje é fruto de um processo evolutivo complexo, visto que, diferentemente do sistema constitucional dos Estados Unidos da América em que a Lei Maior é a mesma desde a sua entrada em vigor, modificada apenas por vinte e sete emendas, passamos por sete constituições, cada uma representando um contexto histórico e social específico, além de características próprias que refletiam a sociedade naquele momento.

Esse número em demasiado de constituições enfatiza que nossa sociedade por diversas vezes passou por momentos conturbados, tendo ocorrido em algumas oportunidades ameaças à democracia e em outras efetiva destruição do princípio democrático, havendo se instalado regimes autoritários em que o uso da força pelo Estado prevaleceu, ocasionando um período de insegurança jurídica e extermínio dos direitos e garantias individuais.

Dessa forma, o presente projeto tem como finalidade analisar o Direito Constitucional sob a perspectiva de suas constituições no contexto histórico em que estão inseridas, suas contribuições – ou retrocessos – para a sociedade brasileira e a compará-las à atual Lei Maior, a Constituição Federal de 1988, fazendo uma análise da Teoria Geral do Direito Constitucional e seus aspectos relevantes como forma de contextualizar o direito constitucional facilitando assim o entendimento do assunto.

Tal finalidade será alcançada através de um estudo pormenorizado de todo o período desde a primeira Constituição até a atual, contextualizando a sociedade da época e os principais acontecimentos e revoluções, destacando aquilo que for mais relevante e apresentando as visões dos mais renomados doutrinadores e historiadores do assunto.

A TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO

Considerada como a norma superior e a base jurídica de uma sociedade, a Constituição pode ser conceituada como o conjunto de normas jurídicas, políticas e sociais responsáveis pela estruturação de uma determinada nação e organização de seu povo. Para Dirley da Cunha Júnior (2015), é a Lei que ordena e disciplina os elementos essenciais do Estado (poder-governo, povo, território e finalidade). Dessa forma, podemos entender, finalmente, que toda a ordem jurídica de uma sociedade está refletida em sua Lei maior.

Para José Afonso da Silva (2015, p. 39/40 apud BRAZ, 2016, p. 14), “é um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e exercício de poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado”.

No entanto, a carta magna como conhecemos hoje é fruto de um processo evolutivo complexo, visto que, diferentemente do sistema constitucional dos Estados Unidos da América em que a Lei Maior é a mesma desde a sua entrada em vigor, modificada apenas por vinte e sete emendas, passamos por sete constituições, cada uma representando um contexto histórico e social específico, além de características próprias que refletiam a sociedade naquele momento.

Porém, antes de adentrar no estudo do processo evolutivo das constituições do nosso país, é preciso tecer alguns comentários sobre sua Teoria Geral a fim de contextualizar e facilitar a compreensão de alguns conceitos, visto que é a partir desse tema que todo o estudo do Direito Constitucional se fundamenta, sendo essencial a análise minuciosa sobre cada um dos temas.

O primeiro tema a ser estudado refere-se à análise sobre a estrutura organizacional da República Federativa do Brasil face aos demais entes soberanos presentes e passados. Nesse sentido, é importante entender que há espécies de forma de estado, forma de governo e sistema de governo, a ver em seguida.

São as formas de Estado: unitário, federação e confederação.

Historicamente o Brasil passou por duas dessas fases (Estado unitário e federação) não havendo período histórico em que a nossa pátria se mostrou como um Estado confederado.

O Estado unitário se destaca pela intrínseca centralização do poder, ou seja, a concentração das competências em um único ente que fica responsável por todo o funcionamento político-administrativo, monopolizando o domínio de todas as funcionalidades estatais e acumulando toda a responsabilidade.

LEITE (2018) caracteriza o Estado Unitário como:

Um único polo de poder atuando sobre todo o território nacional. Ou seja, há somente um centro produtor de normas aplicáveis sobre a população. Foi um modelo muito presente na formação dos primeiros estados europeus e que ainda se faz muito expressivo neste continente, em países como a França, Espanha e Portugal. No entanto, hoje, é muito difícil existir um estado unitário rígido, sem qualquer grau de descentralização. Isto porque a democracia, os direitos políticos, as diferenças sócio-econômicas e até mesmo culturais forçaram uma flexibilização, com a existência de um certo grau de distribuição de poderes.

A constituição de 1824 caracterizava o Estado brasileiro como unitário, haja vista decorrer de inspiração de Portugal, país que até a proclamação da República influenciava diretamente nas decisões políticas, administrativas e financeiras de sua colônia.

No entanto, pelas dimensões continentais do Brasil, se mostrou inviável a manutenção dessa forma de Estado, passado a República Federativa do Brasil a adotar a forma federada, baseando-se no modelo norte-americano, passando a delegar responsabilidades aos demais entes federais, estes dotados de autonomia.

Para melhor entender essa forma de Estado, LEITE (2018) o define da seguinte forma:

A palavra federação vem do latim foedus, significando pacto, aliança. Isto porque foi concebido, inicialmente, como um acordo entre estados que cediam a sua soberania, para integrarem um novo estado. Nasceu na América, mais precisamente nos Estados Unidos, em que as antigas colônias britânicas resolveram se unir, para se protegerem das ameaças externas e afastar possíveis tentativas de recolonização. A declaração de independência, de 4 de julho de 1776, traz expressa essa ideia, nominando os seus signatários de Estados Unidos da América, nome que ostenta o país até os dias atuais.

Ocorre que, diferentemente do modelo dos Estados Unidos da América, o qual mantém a forma de federação centrífuga, ou seja, dando maior responsabilidade aos demais entes, a federação brasileira é centrípeta, isto é, apesar de descentralizar competências, ainda mantém um maior grau de centralização, deixando para o ente central mais responsabilidades em comparação aos demais entes.

Por último, a forma de Estado confederado se caracteriza pela união de entes estatais soberanos e independentes em prol de um objetivo em comum, mas mantendo o direito de secessão (vedado de forma absoluta pelo Estado Federal brasileiro). A confederação, portanto, se mostra instável pela possibilidade de separação, haja vista o caráter soberano dos entes, estando frequentemente na iminência de um conflito estatal, como o que ocorreu na guerra civil norte-americana durante o período compreendido entre 1861 a 1865.

Nesse sentido, LEITE (2018), ensina que:

A confederação é concebida como um tratado entre estados independentes, que decidem se unir, mas mantendo sua soberania e o direito à secessão, ou seja, de dissolverem o vínculo existente, no momento que desejarem. Há, portanto, uma pluralidade de entes soberanos que podem, a qualquer momento, quebrarem todos os vínculos existentes e voltarem à condição de plena independência.

Entre as formas de governo, as que mais se destacam para o nosso tema são a república e a monarquia.

A monarquia caracteriza-se pela concentração de poder em nome do líder da nação. É creditado à ele o título divino de superior de modo que tudo o que ele determine terá força de obrigação e não poderá ser “desmandado”, sendo características dessa forma de governo a hereditariedade, a irresponsabilidade e a vitaliciedade.

A hereditariedade pode ser conceituada como a transferência do poder pelo critério único e exclusivo de sangue, ou seja, de descendência. Na monarquia a autoridade estatal é passada de geração a geração sem que a população possa expressar manifestação de apoio ou desapoio, sob as penas duras da lei. Dessa aforma, não há participação popular em qualquer escolha que afete o funcionamento do Estado.

A irresponsabilidade advém da inviabilidade de o soberano cometer qualquer erro e sofrer as consequências do ato. Diferentemente do que acontece em nossa nação, onde os órgãos de controle exercem um papel de extrema relevância liderados pela competência típica fiscalizatória do Poder Legislativo, o governo exercido pelo líder estatal é marcado pela ausência de controle. Daí advém a célebre frase “the king can do no wrong”, isto é, “o rei não pode errar”.

Por fim, a vitaliciedade reforça a ideia de ausência de participação popular na escolha fundamental do destino de uma nação: a definição de seu líder. Tal caraterística impõe que somente haverá sucessão com a morte do soberano, dessa forma, estando descontentes com a forma como ruma o Estado, cabe à população apenas esperar o falecimento de quem ocupa o trono e torcer para que o próximo seja melhor para a nação.

A república, por sua vez, demonstra total contrariedade à monarquia, tendo como principais características a eletividade, a responsabilidade e a temporariedade.

A eletividade, no Brasil atual, se dá pela forma de democracia semidireta. Dessa forma, a escolha dos representantes estatais é feita através do voto, o que não impede que os cidadãos participem diretamente das decisões políticas através do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular.

O voto, conforme nossa Constituição, é direto, secreto, universal, periódico e obrigatório. No entanto, esta última característica pode ser modificada pois trata-se da única que não consta no rol do art. 60, § 4º, da Constituição da República Federativa do Brasil, não sendo considerada cláusula pétrea.

A responsabilidade, como dito anteriormente, trata-se da possibilidade de os representantes sofrerem sanções pela má condução da máquina pública, seja pelo cometimento de crime ou por qualquer outro meio. Essa característica dá aos órgãos de controle o dever de fiscalizar e repassar para o órgão competente as informações de modo que os responsáveis sejam punidos. Exemplifica-se tal possibilidade pela instauração de Comissões Parlamentares de Inquérito, as CPI’s, pelo impeachment, suspensão de gestores públicos, etc.

A temporariedade, por fim, demonstra a necessidade de modificação do aspecto subjetivo do Estado a fim de revigorar a máquina pública e promover a difusão de ideologias e atualização conforme o passar do tempo. No Brasil, a cada dois anos há eleição dos representantes estatais, sendo que os mandatos, em regra, duram 4 (quatro) anos com a possibilidade de uma única reeleição, a exceção dos Senadores que duram 8 (oito) anos no mandato, sendo renovada a casa legislativa a cada 4 (quatro) anos sendo a cada período renovado 1/3 e 2/3 dos membros.

O sistema de governo, por sua vez, se divide em presidencialismo e parlamentarismo.

No presidencialismo há a concentração dos deveres de chefe de governo e chefe de estado na figura no presidente, dessa forma, há independência administrativa entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo nas funções governamentais.

Por outro lado, no parlamentarismo há corresponsabilidade entre o presidente/monarca e o primeiro ministro, havendo regime de colaboração entre os líderes em prol do Estado. O primeiro-ministro, chefe do parlamento, atua na função de chefe de governo enquanto o presidente ou o monarca atua como chefe de Estado. Importante mencionar que este responde diretamente ao parlamento no que tange aos seus atos.

O Brasil, portanto, tem como forma de Estado a federação, como forma de governo a república e como sistema de governo o presidencialismo, além de constituir-se em Estado Democrático de Direito, conforme ensina o art. 1º, caput, da Constituição Federal de 1988, ipisis literis: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...).

Seguindo e passando ao próximo tema, é importante conhecer a forma como a lei maior é vista a partir da análise de alguns estudiosos da matéria e como ela reflete a sociedade em que está inserida. Dessa forma, a norma principal pode ser entendida de algumas formas, sendo as principais o sentido sociológico, o sentido político e o sentido Jurídico. Além dessas, também ganha certo destaque o sentido Culturalista, o qual foi desenvolvido por um doutrinador brasileiro, J. H. Meirelles Teixeira.

O sentido sociológico, desenvolvido por Ferdinand Lassale busca basear a constituição na reflexão da soma dos fatores reais de poder de uma sociedade, ou seja, deverá reproduzir o que determina a vontade social, caso contrário, não passaria de uma folha de papel em branco.

Pelo sentido político, desenvolvido por Carl Schimdt, a constituição é uma decisão política fundamental, tratando de separar as normas formalmente constitucionais – aquelas que, apesar de constarem no texto constitucional, não possuem “assunto constitucional” – das normas materialmente constitucionais – as que possuem conteúdo constitucional – sendo estas apenas as que tratarem dos direitos fundamentais, dos princípios fundamentais e da organização do Estado.

O sentido jurídico, por sua vez, foi desenvolvido por Hans Kelsen e desvincula a constituição de valores sociológicos, políticos ou filósofos, sendo vista como norma pura. Através de seu estudo que surgiu a famosa pirâmide de Kelsen, a qual coloca a constituição em uma posição de supremacia em relação às demais normas.

Merece destaque, também, o sentido culturalista da constituição, desenvolvido pelo brasileiro J. H. Meireles Teixeira, a qual vislumbra a carta magna como “constituição total”, sendo reflexo de todos os sentidos somados, sejam sociológicos, políticos ou jurídicos.

Ante o exposto sobre o estudo dos sentidos da constituição, o que menos se adequa à realidade da Constituição Federal de 1988 é o sentido científico, afinal, ao separar as normas formalmente constitucionais das materialmente constitucionais, a teoria de Carl Schimdt vai de encontro com a nossa carta magna visto que esta é entendida como prolixa quanto ao seu conteúdo – vide art. 242, §2º, CF/88, “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal.”.

Continuando o estudo da Teoria Geral, seguimos para a análise da constituição quanto à sua classificação, o Min. Alexandre de Moraes (2017) a classifica quanto ao conteúdo, à origem, à elaboração, à ideologia, à mutabilidade, à finalidade, à ontologia e à extensão.

Quanto à forma, as constituições podem ser classificadas em escritas ou costumeiras. A primeira refere-se àquela sistematizada em um único documento que rege toda a normativa constitucional através um procedimento único, qual seja a Assembleia Nacional Constituinte. Por outro lado, a constituição não escrita é formada por um conjunto de normas esparsas, as quais foram desenvolvidas ao longo da história.

Quanto ao conteúdo, podem ser formais ou materiais. A constituição formal destoa da linha de pensamento desenvolvida por Carl Schimidt, visto que dispõe que toda norma presente na Lei Maior possui o status de norma constitucional, bastando a passagem pelo rito solene de aprovação para adquirirem tal importância, diferentemente da material que conceitua como normas constitucionais apenas as que versem sobre a estrutura do Estado, a sua organização e os direitos fundamentais.

Quanto à origem, as constituições podem ser outorgadas, promulgadas, cesaristas ou pactuadas. Será outorgada quando é imposta por alguém, sem seguir o rito democrático de elaboração, sendo praxe nos governos autoritários. A promulgada advém da participação popular através dos representantes eleitos e desenvolvida por uma Assembleia Nacional Constituinte. A cesarista reflete um misto das duas mencionadas anteriormente pois, apesar de ser imposta unilateralmente, depende de aprovação popular posterior o que, em verdade, tende a refletir a vontade do soberano dada a ausência de soberania do povo. Por último, a constituição pactuada segue um pacto firmado por dois ou mais indivíduos ou grupo social que detém o controle do poder constituinte, também é marcada pela presença ínfima de caráter democrático.

Quanto à elaboração, podem ser dogmáticas ou históricas. A primeira é escrita e desenvolvida por um órgão especificamente qualificado para esse fim, já a última é fruto de um lento processo histórico no qual se desenvolvem as normas que refletem, em todo o período, tradições e costumes daquela determinada sociedade.

Quanto à ideologia, elas podem ser ortodoxas ou ecléticas. A constituição ortodoxa caracteriza-se pela ausência de diversidade de convicções, ideias, princípios e valores, visto que reflete apenas a concepção majoritariamente aceita e/ou imposta ao povo sem dar margem para mudanças. A eclética, pelo contrário, retrata a diversidade de ideias que um regime democrático propõe.

Quanto à mutabilidade, as constituições podem ser rígidas, semirrígidas, flexíveis ou imutáveis. A primeira espelha um processo difícil e rigoroso para mudanças, é o que demonstra a nossa Constituição Federal de 1988 a qual dispõe que o processo para mudança será feito por meio de Emenda Constitucional, sendo aprovada nas duas casas, em dois turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros. As semirrígidas, por sua vez, propõem que a constituição terá um processo rígido para alteração para determinados assuntos e flexível para outros. A constituição flexível, como o nome sugere, determina que a sua modificação segue um processo menos rigoroso, independentemente do assunto objeto da mudança. A imutável, por sua vez, não admite mudança em nenhuma hipótese.

Nesse sentido, ensina MORAES (2017, p. 32):

São imutáveis as constituições onde se veda qualquer alteração, constituindo-se relíquias históricas. Em algumas constituições, a imutabilidade poderá ser relativa, quando se prevêem as chamadas limitações temporais, ou seja, um prazo em que não se admitirá a atuação do legislador constituinte reformador. Assim, a Constituição de 1824, em seu art. 174, determinava: Se passados quatro anos, depois de jurada a Constituição do Brasil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escrito, a qual deve ter origem na Câmara dos Deputados, e ser apoiada por terça parte deles." Saliente-se, que apesar dessa previsão, a Constituição de 1824 era semi-flexível, como se nota por seu art. 178, que afirmava: "É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e atribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos, e individuais dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, pode ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinárias." Rígidas são as constituições escritas que poderão ser alteradas por um processo legislativo mais solene e dificultoso do que o existente para a edição das demais espécies normativas (por exemplo: CF/88 - art. 60); por sua vez, as constituições flexíveis, em regra não escritas, excepcionalmente escritas, poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário. Como um meio-termo entre as duas anteriores, surge a constituição semi-flexível ou semirígida, na qual algumas regras poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário, enquanto outras somente por um processo legislativo especial e mais dificultoso. Ressalte-se que a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como super-rígida, uma vez que em regra poderá ser alterada por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pontos é imutável (CF, art. 60, § 4.° - cláusulas pétreas).

Para o doutrinário e Ministro no Supremo Tribunal Federal, a Constituição Federal de 1988 é classificada como super-rígida utilizando como fundamento a imutabilidade das cláusulas pétreas. No entanto, humildemente discordo dessa posição visto que de fato há em nossa constituição a vedação de alteração constitucional tendente a abolir cláusulas pétreas, no entanto, não há proibição quanto a ampliação desse rol.

Seguindo os estudos, quanto à finalidade, as constituições podem ser garantia, dirigente ou balanço. A primeira limita a atuação estatal em prol da coletividade, visando o bem da coletividade como prioridade a despeito da organização estatal. A segunda visa uma evolução política, social e econômica, possui um plano certo e definido e é exteriorizada através das normas programáticas. A última, por sua vez, apenas descreve e sistematiza a organização político-administrativa do Estado em que está inserida.

Quanto a ontologia, elas podem ser normativas, nominativas ou semânticas. A constituição normativa apresenta um reflexo perfeito das normas presentes no texto constitucional e a própria sociedade, dominando o processo político. A constituição nominativa se dá quando não há a completa interação entre as normas constitucionais e o processo político, revelando-se em verdadeira lei morta. A constituição semântica, por fim, decorre de uma prática autoritária no sentido de manter o poder, visando estabilizar e eternizar tais governos.

Há certa divergência doutrinária quanto à Constituição Federal de 1988 ser considerada normativa ou nominalista. Tendo a seguir a linha de pensamento que defende que nossa Lei Maior é nominalista dada a pouca correspondência do texto constitucional com a realidade, especialmente no tocante à garantia dos direitos individuais.

Quanto à extensão, a constituição será sintética quando seu texto é curto e analista quando o seu texto é prolixo.

A Constituição Federal de 1988 pode ser classificada como escrita, formal, promulgada, dogmática, eclética, rígida, dirigente e nominalista.

Seguindo, o estudo da Teoria Geral passa pela análise da aplicabilidade das normas constitucionais, estas podem ser de eficácia plena, contida ou limitada.

As normas de eficácia plena são aquelas que produzem seu efeito imediatamente, não dependendo de complementação de lei infraconstitucional, bem como não admitindo limitação de outra norma. Cita-se como exemplo o art. 5º, II, CF/88, o qual dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

As normas de eficácia limitada, por sua vez, dependem de complementação infraconstitucional para que produza seus efeitos. O art. 37, XXI, CF/88 dispõe que as contratações públicas, salvo exceções legais, deverão ser precedidas de licitação, cujo procedimento está disposto nas leis 8.666/93 e 14.133/2021.

 Por fim, as normas de eficácia contida, apesar de possuírem aplicabilidade imediata, admitem que o legislador infraconstitucional atribua limites à norma. É o que se visualiza no art. 5º, XIII, CF/88, que dispõe sobre a liberdade para trabalhar, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Tavares (2012, apud SILVA, p. 120) dispõe sobre a aplicabilidade das normas constitucionais da seguinte forma:

São normas constitucionais de eficácia plena aquelas que têm aplicabilidade imediata, e, portanto, independem de legislação posterior para sua plena execução. Desde a entrada em vigor da Constituição, produzem seus efeitos essenciais, ou apresentam a possibilidade de produzi-los. Consideram-se normas constitucionais de eficácia contida aquelas que têm igualmente aplicabilidade imediata, irrestrita, comparando-se, nesse ponto, às normas de eficácia plena, mas delas se distanciando por admitirem a redução de seu alcance (constitucional) pela atividade do legislador infraconstitucional. Preveem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, dadas certas circunstâncias. Por isso MICHEL TEMER prefere a designação de “normas constitucionais de eficácia redutível ou restringível” em parte acompanhando, aqui, a nomenclatura de CELSO BASTOS e CARLOS AYRES BRITTO. Enquanto a lei não exista, aplicam-se sem restrições, tal qual assegurado na Constituição. É o que ocorre na previsão do art. 5º, XII, da CF. Por fim, as normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que dependem de regulamentação futura, na qual o legislador infraconstitucional vai dar eficácia à vontade do constituinte. Não produzem, com a simples entrada em vigor da Constituição, consoante o autor, todos os efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu sobre a matéria uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado.

Por fim, também merecem destaque as normas de caráter programático, as quais atribuem ao legislador o dever de observância e fomento de determinada política de governo, seja esta uma política social, econômica etc. O art. 6º, da CF/88 é um exemplo de norma de conteúdo programático, visto que dispõe sobre os direitos sociais, que dependem de norma infraconstitucional para atingirem sua finalidade.

Avançando os estudos sobre a Teoria Geral da Constituição, chegamos ao Poder Constituinte que para Pedro Lenza (2012, p. 183), “pode ser conceituado como o poder de elaborar (e neste caso será originário) ou atualizar uma Constituição, mediante supressão, modificação ou acréscimo de normas constitucionais (sendo nesta última situação derivado do originário.”

O poder constituinte originário – também chamado de genuíno ou de primeiro grau – é o que dá ensejo à uma nova constituição, possui como característica principal o fato de não se submeter à nenhuma lei, ato normativo ou regime jurídico justamente pelo fato de iniciar um novo ordenamento e sua lei maior.

Já o poder constituinte derivado é instituído pelo originário, motivo pelo qual deve obediência aos limites estabelecidos na constituição vigente, sendo, portanto, limitado e condicionado.

O poder constituinte derivado reformador objetiva modificar parcialmente a constituição vigente através das emendas constitucionais, obedecendo a um procedimento complexo que deve observância a alguns limites estabelecidos pela própria lei maior.

O poder constituinte derivado decorrente dá aos demais entes federativos o poder de estabelecer sua norma organizativa principal, sendo em âmbito estadual a constituição do respectivo estado e em âmbito municipal e distrital a lei orgânica do Município e do Distrito Federal.

Por último, o poder constituinte derivado revisor está previsto no art. 3º, do ADCT o qual dispõe que: “A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral”.

Dessa forma, chegamos ao fim da Teoria Geral da Constituição e podemos iniciar o estudo de todas as constituições da história do nosso país.

REFERÊNCIAS

SILVA, João Carlos Jarochinski. Análise histórica das Constituições brasileiras. Ponto e vírgula. São Paulo. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/pontoevirgula/article/viewFile/13910/10234%3E. Acesso em: 15 abr. 2021.

CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 9ª Ed., rev., atual. e ampl., Salvador: Editora Juspodivm, 2015.

RUIZ E RESENDE, Marília. A Constituição de 1981. Politize!. [s.l], 2015. Disponível em: https://www.politize.com.br/constituicao-de-1891/. Acesso em: 17 abr. 2021.

RUIZ E RESENDE, Marília. A constituição de 1937 a “Polaca”. Politize!. [s.l], 2015. Disponível em: https://www.politize.com.br/constituicao-de-1937-a-polaca/. Acesso em: 22 abr. 2021.

BRAZ, Jacqueline Mayer da Costa Ude. Teoria Geral Do Direito Constitucional. Editora e Distribuidora Educacional S.A, 2016.

FECOMERCIO SÃO PAULO. “Constituição Brasileira Completa 30 Anos: Aspectos Positivos E Deficiências.” FecomercioSP, 5 Oct. 2018, disponível em: https://www.fecomercio.com.br/noticia/constituicao-brasileira-completa-30-anos-aspectos-positivos-e-deficiencias. Accessed 7 Dec. 2022.

SOUZA, Lucas Daniel Ferreira de. “Reserva Do Possível E Mínimo Existencial: Embate Entre Direitos Fundamentais E Limitações Orçamentárias.” Faculdade de Direito Sul de Minas, 21 Nov. 2013.

FROTA, Jorge. “Classificações Das Constituições.” JusBrasil, 2020, disponível em: https://www.escolajorgefrotaprofessor.jusbrasil.com.br/artigos/1131040621/classificacoes-das-constituicoes-por-jorge-henrique-sousa-frota.

GROFF, Paulo Vargas. “Direitos Fundamentais Nas Constituições Brasileiras.” Revista de Informação Legislativa, 2008.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16a ed., Editora Saraiva, Feb. 2021.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13a ed., Editora Atlas S.A, 2003.

NETO, Dirceu Marchini. “A Constituição brasileira de 1988 e os Direitos Humanos: Garantias Fundamentais e Políticas de Memória.” Revista Científica FacMais, 2012.

ROMEO, Adriana. “Os Avanços Trazidos Pelo Texto Promulgado E 1988 - Rádio Câmara.” Portal Da Câmara Dos Deputados, disponível em: https://www.camara.leg.br/radio/programas/240272-os-avancos-trazidos-pelo-texto-romulgado-e-1988/.

ROCHA, Raphael Vieira da Fonseca. SUS: MOTIVO DE CRITICA OU ELOGIOS. Observatório Jurídico. Disponível em: https://www.unifeso.edu.br/direcao/docs/db228365cd5ef446958b559a4164cc32.pdf. Acesso em 12 de novembro de 2022.

MONTI, Rafael Ferreira Fumelli. CONCEITO DE SOBERANIA SOFRE DIVERGÊNCIAS CONSTANTES. Consultor Jurídico, Disponível em: https://www.conjur.com.br/2009-mai-12/conceito-soberania-principais-fundamentos-estado-moderno?pagina=4. Acesso em 12 de novembro de 2022.

GOMES, Luiz Flávio. QUAL A DIFERENÇA ENTRE FEDERAÇÃO CENTRÍPETA E CENTRIFUGA. JusBrasil. Disponível em: https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/36136/qual-a-diferenca-entre-federacao-centripeta-e-federacao-centrifuga. Acesso em 22 de novembro de 2022.

LEITE, Antonio José Teixeira. AS FORMAS DE ESTADO. Jus. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70154/as-formas-de-estado. Acesso em 24 de novembro de 2022.

CHARLEAUX, João Paulo. LEI DA ANISTIA: do alívio na reabertura à impunidade militar. Jornal Nexo. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/explicado/2021/02/21/Lei-de-Anistia-do-al%C3%ADvio-na-reabertura-%C3%A0-impunidade-militar. Acesso em 30 de novembro de 2022.

GUEDES, Neviton. A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A PERDA DA SUA FORÇA NORMATIVA. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jul-16/constituicao-poder-constituicao-1988-perda-forca-normativa. Acesso em 2 de dezembro de 2022.

Sobre o(a) autor(a)
Cesary Christian Silva Ribeiro
Cesary Christian Silva Ribeiro
Ver perfil completo
O conteúdo deste artigo é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
Lista de leitura
Adicione este artigo à sua lista de itens para ler depois
Adicionar à lista

Resumos relacionados Exclusivo para assinantes

Mantenha-se atualizado com os resumos sobre este tema

Economize tempo e aumente sua produtividade com o DN PRO Seja um assinante DN PRO e tenha acesso ilimitado a todo o conteúdo que agiliza seu processo de elaboração de peças e mantém você sempre atualizado sobre o mundo jurídico. 7.530 modelos e documentos essenciais para o seu dia a dia Atualizados regularmente por especialistas em Direito Ideal para advogados e profissionais da área jurídica Apenas R$ 24,90 por mês Veja exemplos gratuitos