A Justiça gratuita para investidores de criptomoedas

A Justiça gratuita para investidores de criptomoedas

Aborda a possibilidade de concessão da gratuidade judiciária em ações envolvendo criptomoedas, incluindo jurisprudências aplicadas ao caso.

Investimentos em criptoativos tem sido utilizado como justificativa para negar a gratuidade da justiça brasileira, visto a atuação direta com o mercado financeiro. 

Contudo, o mecanismo de gratuidade da justiça é um mecanismo de todos, para que se evite custas com os processos, desde que comprovando a insuficiência de recursos para custear as despesas do judiciário.

Algumas decisões revelam que informações sobre investimentos em criptomoedas são utilizadas pela justiça para contestar casos declarados de hipossuficiência, entendendo que ações desta natureza dificilmente devem conseguir isenção de taxas processuais. 

Entretanto, é necessário atenção aos princípios fundamentais dispostos pela Constituição Federal. O Acesso à Justiça é uma garantia fundamental, prevista de forma implícita no ordenamento jurídico, e para a efetivação desta garantia constitucional que foi criado o mecanismo da Gratuidade da Justiça (Lei nº1.060/50), com previsão expressa, também, no Código de Processo Civil.

Vejamos que, o referido diploma traz como requisito do benefício apenas a declaração de hipossuficiência da parte. Todavia, estão cada vez mais comuns alguns obstáculos ao benefício deste mecanismo e, consequentemente, o acesso à justiça – dentre eles, a exigência de comprovação da hipossuficiência, além da presunção prevista em lei.

Isso não quer dizer que não se deve ter cautela para a concessão deste benefício (apesar da lei não estabelecer nenhum requisito probatório). Isso significa dizer que, a análise para a concessão ou não deste benefício, não deve ser feita de forma viciada ou tendenciosa. Se reconhecida a hipossuficiência, e apresentados documentos que comprovem esta condição, não devem ser impostos maiores obstáculos ou justificativas.

Jurisprudências favoráveis à concessão da Gratuidade

A apresentação de provas suficientes da condição de hipossuficiência levou à 4ª Vara Cível de São José dos Campos [1], a 7ª Vara Cível de Santo Amaro [2], ambas do Tribunal de Justiça de São Paulo e a 4ª Vara Cível e Empresarial de Santarém [3], do Tribunal de Justiça do Pará a conceder a gratuidade de justiça em três demandas envolvendo criptomoedas.

Os três autores, provaram a sua condição de hipossuficiência, haja vista a condição, respectivamente, de desemprego e estudante bolsista de iniciação científica. 

A razão de ambas as causas persiste no prejuízo financeiro ocasionado pelo investimento em criptomoedas. 

Houve uma perda de praticamente todas as economias e investimentos. Com isso, os autores alegam a impossibilidade de arcar com as despesas processuais, apresentando extratos bancários, cópia da carteira de trabalho, comprovante da situação de estudante, e documentos similares que comprovassem a condição de hipossuficiência.

Apesar de dois destes casos envolverem valores altos, haja vista o alto prejuízo patrimonial ocasionado aos autores, houve a concessão do benefício da Justiça Gratuita. 

Isso porque, se o pedido for realizado da forma correta e devidamente instruído com documentos comprobatórios desta condição, nada impede a concessão da gratuidade judiciária. 

O benefício da Gratuidade da Justiça tem por objetivo proporcionar meios para que as pessoas com insuficiência de recursos financeiros possam ingressar no Poder Judiciário e obter uma resolução para o seu conflito.

Considerando que, a maioria das demandas envolvendo criptomoedas são de furto, extorsão ou desaparecimento de criptomoedas, justifica-se a concessão deste benefício – as economias que antes os autores possuíam, com o acontecimento do ilícito, já não possuem mais. 

Das decisões

O escritório contratado pelos autores que foram prejudicados conseguiu, em todos os casos mencionados, a concessão da Justiça Gratuita. 

A 4ª Vara Cível de São José dos Campos justificou a concessão do benefício argumentando que “a parte autora, ora parte impugnada, por meio de declaração que, na essência, satisfaz as exigências legais, afirmou que é pobre, sem condições de suportar os ônus processuais (fls. 126), tal assertiva, independentemente da juntada de qualquer outro documento, deve ser recebida como verdadeira, não bastando, para infirmá-la, tão somente indícios em contrário (RT 703/129) (...) Por fim, saliente-se que, “para fazer jus aos benefícios da gratuidade, não precisa ser a parte uma miserável descamisada que mora debaixo da ponte. A lei se contenta, para garantir a concessão daqueles, com a não infirmada presunção decorrente da mera afirmação desta, de que não está em condições de suportar os ônus do processo, sem prejuízo próprio ou de sua família” (12.ª Câm. do 2.º TA Civil-SP, AI n.º 651075-00/2, Rel. Juiz Palma Bisson, j. em19-10-00).” 

No mesmo sentido, decidiram as Varas Cíveis de Santo Amaro/SP e Santarém/PA, confirmando a impossibilidade dos autores de arcar financeiramente com os ônus e custas do processo, sem prejuízo próprio ou de seus dependentes.  

*Decisões Favoráveis: comentadas pela área de Criptomoedas do escritório R Souza Advocacia.

Notas

[1] 1033840-67.2021.8.26.0577 - TJSP
[2] 1066878-49.2021.8.26.0002 - TJSP
[3] 0811475-33.2019.8.14.0051 - TJPA

Sobre o(a) autor(a)
Raphael Souza
Advogado especialista em Criptomoedas | Direito Digital - Mestre em Direito e Informática pela Universidade do Minho em Portugal - Estudante internacional no Master em Direito e Cibersegurança na Universidade de León na Espanha...
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