Em defesa das medidas executivas atípicas

Em defesa das medidas executivas atípicas

As medidas executivas atípicas não devem ser consideradas ofensivas à dignidade do devedor quando o mesmo oculta seu próprio patrimônio e quando ostenta um patrimônio incompatível aos dos autos.

Há uma grande dificuldade em se lograr êxito nos processos de execução. 

Em razão da ação executiva não atingir seu resultado a sociedade frequentemente utiliza o famoso jargão: “ganhou, mas não levou”. 

O tema está diretamente ligado ao direito fundamental à tutela jurisdicional, na qual a Constituição Federal, no seu artigo 5º, XXXV, dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, garantindo o direito de ação, onde o Estado tem por obrigação encontrar uma resposta qualificada, justa e que gere a paz social. 

Dentre as tutelas jurisdicionais, destaca-se a tutela executiva. Diante da importância que tem se dado à efetividade das decisões judiciais, a execução passou ao patamar de extrema atenção e relevância, tendo em vista a materialização de uma obrigação em que o devedor não cumpriu de forma voluntária. 

O objetivo da execução é a obtenção de um meio que garanta a real entrega do bem da vida tutelado, seja pela via da tipicidade ou da atipicidade, ou até mesmo pela combinação das duas. 

As medidas executivas típicas são aquelas que possuem tipificação e previsão específica no Código de Processo Civil. A título de exemplo das medidas típicas, temos a penhora prevista no artigo 835 do diploma mencionado, em que o legislador demonstra o cuidado em estabelecer uma regra que seja menos gravosa ao executado em relação aos bens que podem vir a ser objeto de satisfação da execução, como o bloqueio de valores em conta e a penhora de outros bens. 

Já as medidas executivas atípicas são aquelas que apesar de não previstas taxativamente, foram estabelecidas através de um regramento geral baseado no princípio da efetividade jurisdicional. Assim surgiu o artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil, estabelecendo um instituto no qual confere poder ao magistrado em determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias ao cumprimento das obrigações, inclusive nas que tem por objeto prestações pecuniárias, ou seja, de pagar quantia. 

São exemplos de medidas executivas atípicas: a suspensão da carteira nacional de habilitação (CNH), dos direitos políticos e do exercício da profissão, a apreensão de passaporte, o bloqueio de cartões de crédito, a proibição de participação em licitações, em concurso público, de contratar novos funcionários, etc. 

Tais medidas devem ser usadas em caráter excepcional, ou seja, apenas em casos de esgotamentos dos meios tipificados de execução. 

Intensas discussões têm surgido a respeito da aplicação dessas medidas atípicas. Há posicionamentos em defesa da inconstitucionalidade com fundamento no direito de ir e vir, na dignidade da pessoa humana, bem como no artigo 47, inciso III do Código Penal, que trata das penas de interdição temporária de direitos, como a suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir. 

De outro lado, há defensores sustentando a possibilidade de utilização de medidas executivas atípicas desde que respeitados os direitos e garantias constitucionais do executado. Para esta corrente o princípio da duração razoável do processo ganha relevância, pois seu prolongamento atinge não só o exequente, mas ao judiciário como um todo. 

Voltando à questão da inconstitucionalidade das medidas executivas atípicas é interessante mencionar que foi proposta no Supremo Tribunal Federal a ADI nº 5.941 pelo Partido dos Trabalhadores, e segundo o autor da ação, o artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil (que trata das medidas atípicas) estaria violando as garantias constitucionais, desrespeitando o direito à livre locomoção, bem como ofendendo a dignidade da pessoa humana. Existe uma grande expectativa sobre esse julgamento que ainda se contra pendente. 

Apesar disso, a colisão entre princípios fundamentais não deve importar na não aplicabilidade dessas medidas atípicas, mas em sua adoção de forma balanceada, razoável e adequada ao caso concreto. 

É importante mencionar que o desembargador paranaense José Laurindo de Souza Neto, defende cinco requisitos para a aplicação das medidas coercitivas atípicas, quais sejam: subsidiariedade – esgotamento de todas as medidas executivas típicas; cooperação – observação da conduta negativa do executado, se não atendeu às determinações judiciais, se não tentou de alguma forma viabilizar o crédito; ponderação – realização de um balanceamento entre os princípios; proporcionalidade – verificação da razoabilidade da medida; e por fim, especificidade – verificação da não utilização da medida para impedir a profissão ou o meio de sobrevivência do executado, como por exemplo a apreensão da CNH aos profissionais do transporte de passageiros. 

As medidas executivas atípicas não devem ser consideradas ofensivas à dignidade do devedor quando o mesmo oculta seu próprio patrimônio e quando ostenta um patrimônio incompatível aos dos autos, pois se as mesmas ferem a dignidade do devedor, a ausência de aplicação das medidas efetivas de execução também fere o direito e a dignidade do credor. 

Uma série de debates têm sido suscitado em torno da constitucionalidade dessas providências. 

Enfim, embora a jurisprudência ainda não tenha se consolidado sobre o assunto, é certo que a decisão mais adequada será aquela cuja a efetividade pretendida for realizada com a menor onerosidade para a parte adversária, tendo em vista a análise de cada caso concreto com o devido cuidado e juízo de ponderação.

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Sabrina Felipe Arcoverde
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