Orçamento Público: uma visão condensada

Orçamento Público: uma visão condensada

Estaria o típico orçamento-programa sendo substituído por uma nova espécie?

É notória a crescente escassez de recursos públicos voltados à satisfação do interesse coletivo em seu sentido amplo. Tal situação fática acaba gerando aos gestores públicos o que a doutrina pátria consolidou como “escolhas trágicas”, ou seja, com base na seletividade, é assegurado o mínimo necessário no que tange aos desejos da coletividade.

Ao Poder Executivo cabe então, por critérios ideológicos e políticos (que foram explicitados na campanha eleitoral), discriminar quais devem ser as ações prioritárias. Do ponto de vista econômico, ao exercer esta prerrogativa discricionária, nunca haverá um equilíbrio em sua plenitude, gerando revolta em vários setores da sociedade, que, sentem-se marginalizadas. Nessa linha argumentativa, podemos concluir, que estas prioridades governamentais cristalizam a teoria do ótimo econômico, correlacionada a uma tese defendida pelo economista italiano Vilfredo Pareto, ao sintetizar que não há como proceder uma perfeita alocação de recursos, ou seja, sempre que a situação de qualquer participante seja albergada e aperfeiçoada acarreta a piora de outros agentes, portanto, a teoria do ótimo econômico aduz que se pode apenas buscar o bem-estar máximo alcançável.

As fontes materiais do direito financeiro são justamente estes fatores políticos, sociais e econômicos que darão um alicerce para a correta distribuição do numerário apto a cobrir as despesas estatais. Destarte, o gestor deve agir com base em critérios lógicos e racionais, aplicando com parcimônia os valores pertencentes ao erário.

O orçamento, portanto, instrumentalizado na forma de leis (PPA, LDO E LOA), deveria ser uma espécie de espelho, refletindo os desejos proeminentes da sociedade. Assim, direitos primordiais como os relacionados ao art. 6ºda nossa Constituição Federal deveriam prevalecer quando em confronto, por exemplo, com assuntos relacionados a aquisição de materiais bélicos, que beneficiariam apenas seleto grupo de militares. A história do nosso país retrata que não temos aptidão para a guerra, ao contrário dos Estados Unidos, por exemplo, em que quase metade de seu orçamento está ligado de alguma forma a esta seara.

Privilegiar o direcionamento de vultosa quantia para fins bélicos, com aquisição de satélites ou veículos militares parece ser desprovido, no mínimo, de sensatez, tendo em vista que tal verba poderia beneficiar milhares de cidadãos, caso este dispêndio fosse direcionado para políticas públicas essenciais, como, saúde e educação, por exemplo. Este argumento (prioridade de gastos com direitos básicos) é reforçado por recente alteração na redação da Constituição Federal o qual transcrevemos para uma melhor compreensão:

“Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bemestar e a justiça sociais.
Parágrafo único. O Estado exercerá a função de planejamento das políticas sociais, assegurada, na forma da lei, a participação da sociedade nos processos de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação dessas políticas”. 

Destarte, o parágrafo único acrescentado em 2020 em nossa norma prevalente, autoriza (embora norma de eficácia limitada), o controle e a fiscalização por parte da sociedade no que tange as políticas sociais, podendo manejar, por exemplo, o cidadão, ação popular para corrigir ilegalidades perpetradas pelos gestores desidiosos.

Escolha desta natureza (fins bélicos em detrimento dignidade da pessoa humana), embora pouco eficientes, se encontram no âmbito do poder discricionário inerente a função exercida pelo chefe do poder executivo, a quem cabe a iniciativa dos projetos de leis orçamentárias.

Aprovado formalmente, o orçamento terá a missão de concretizar os anseios gerais em detrimento das prioridades alocativas dos governantes. Nessa linha de raciocínio temos a seguinte lição doutrinária de Ricardo Lobo Torres:

“Orçamento público é o documento de quantificação dos valores éticos, a conta corrente da ponderação dos princípios constitucionais, o plano contábil da justiça social, o balanço das escolhas dramáticas por políticas públicas em um universo fechado de recursos financeiros escassos e limitados”.

Atualmente vige em nosso território o “orçamento-programa”, tendo em vista que os recursos previstos terão a devida estimativa de gastos, com uma relação simbiótica fundamentada, sobretudo, no cumprimento de meta, projetos e objetivos que já foram objeto de análise democrática, na acepção que reflete, pelo menos em tese, as escolhas feitas pelos cidadãos ao elegerem seus representantes legislativos.

Ainda que passe por todo trâmite formal, as leis orçamentárias aprovadas não são imunes ao controle externo, exercido principalmente pelo poder judiciário e pelos Tribunais de Contas, além do próprio controle interno inerente órgão de onde a execução orçamentária ocorrerá.

Vejamos o que a Constituição Federal dispõe a este respeito:

“Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder”.

Árdua é a missão de fiscalizar o dispêndio de verbas públicas em um país cuja cultura da corrupção virou regra e não exceção. A sociedade é bombardeada quase que diariamente por notícias sobre desvio na ordenação das verbas públicas. A grande maioria dos ordenadores de despesa sequer demonstram medo de incorrerem nos crimes contra as finanças públicas (previstos no Código Penal em seus derradeiros artigos).

A balbúrdia, o caos e a distração imperam em um período de comoção, como constatamos atualmente, o qual a humanidade é assolada por um vírus de grande letalidade. Apesar de tais circunstâncias, parece normal atos de pura molecagem perpetrados por alguns governantes, que abusam de seus poderes e acabam direcionando o orçamento público para benefício próprio, seja com gastos exorbitantes no uso de “cartões de crédito governamentais”, seja utilizando vultosas quantias com produtos de duvidoso teor nutricional, como gomas de mascar e leite condensado, por exemplo.

Portanto, tendo em vista as ocorrências fáticas ocorridas em nossa pátria recentemente, podemos concluir que o “orçamento condensado”, aquele que condensa as verbas em prol do próprio governo e seus aliados ganha forma crescente, podendo brevemente ser o substituto do orçamento-programa, vigente atualmente. Aos órgãos de controle de envergadura constitucional como Ministério Público, entre outros, cabe a tarefa de conter esta estapafúrdia transmutação.

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Carlos Helvecio Leite de Oliveira
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