A falsa acusação de um crime sexual e suas consequências jurídicas e sociais

A falsa acusação de um crime sexual e suas consequências jurídicas e sociais

Certamente que qualquer comunicação de crime deve ser averiguada com o devido rigor e parâmetros estabelecidos em nosso ordenamento jurídico pelas autoridades competentes e se comprovando a autoria e materialidade daquele crime comunicado.

A prática da advocacia criminal, mais precisamente no que tange aos crimes sexuais, me deu elementos para escrever este breve esboço sobre uma questão que, lamentavelmente, vem ocorrendo com muita frequência e gerando consequências terríveis para quem a vivência. Como o próprio título do artigo estabelece, nos concentraremos apenas nas falsas acusações de crimes sexuais.

Certamente que qualquer comunicação de crime deve ser averiguada com o devido rigor e parâmetros estabelecidos em nosso ordenamento jurídico pelas autoridades competentes e se comprovando a autoria e materialidade daquele crime comunicado, seu autor deve ser responsabilizado, porém, há de se ressalvar que nem toda comunicação de crime é verdadeira.

Tragicamente são muitos os casos de imputação criminal sexual a quem não cometeu nenhum crime, ou seja, de forma falsa, pois quem os imputa o faz pelo simples fato, por exemplo, de querer para si - e somente para si - a guarda de um filho ou de uma filha; de vingança por diversas ordens; por inveja; por interesses financeiros e materiais e até sem motivo algum, apenas para ver a desgraça alheia.

Sofrer uma falsa acusação de qualquer crime sexual é ser rotulado de estuprador (e aqui nem importa se o crime é realmente o de estupro, tendo em vista que para a grande massa qualquer crime sexual é estupro), para o resto da vida, independentemente se o inquérito ou ação penal são arquivados ou, pior ainda, se processado for e conseguir ser absolvido. Não importa, a pessoa sempre será taxada como “estuprador”.

Os danos causados por uma falsa imputação criminal sexual muitas vezes são irreversíveis não só para quem está sendo acusado, mas também para toda a família. Não são raros os casamentos que terminam; o filho que é colocado para fora de casa pelos pais; o linchamento social, moral e até físico que ocorre; o emprego que se perde; os problemas psicológicos que surgem para quem está sendo acusado falsamente bem como para seus filhos, esposa, namorada; a “justiça pelas próprias mãos” que alguns fazem; São muitos os desdobramentos que ocorrem por uma atitude criminosa e irresponsável de algumas pessoas com os mais diversos interesses e “motivos”.

Apenas para dar uma visão geral do tema aqui discutido abordaremos (longe de esgotarmos o tema) 3 crimes que parecem iguais, entretanto, há diferenças entre eles e, assim, cada um deles gera um tipo de consequência, seja para quem comete, seja para quem sofre.

O primeiro é o crime de Calúnia, previsto no art. 138 do Código Penal que estabelece que:

Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.

Exceção da verdade

§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:

I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível

II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141

III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

Para que se caracterize o crime de Calúnia, deve haver uma falsa imputação de fato definido como crime (não se admitindo fato definido como contravenção penal, que poderá ser tipificado em outro dispositivo) de forma determinada e específica, onde, outrem toma conhecimento. Não basta simplesmente ser uma afirmação vaga sem nenhuma descrição do fato criminoso como, por exemplo, dizer que tal pessoa é um estuprador.

Deve haver uma “narrativa” do fato falsamente imputado, com o mínimo de entendimento que tal fato tenha “começo meio e fim” (ainda que de forma não detalhada).

Exemplo a ser dado, tomando por base o nosso contexto, é o de uma pessoa imputar a outra, falsamente, a seguinte situação: A (pai) molestou sexualmente  B (filho), pois estavam dormindo juntos, onde, A prevalecendo-se de sua condição de pai, praticou tal ato. A narrativa, ainda que breve, teve começo: A molestou sexualmente B; meio: “pois estavam dormindo juntos”; e fim: “sendo que A prevalecendo de sua condição de pai, praticou tal ato”.

Olhando pelo lado técnico objetivo do art. 138, podemos perceber que a pena é branda para que o comete, porém, conforme já dissemos acima, o estrago na vida de quem é acusado falsamente é enorme.

Outro crime que trataremos aqui é o do art. 339 do Código Penal, o crime de Denunciação Caluniosa:

Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei nº 10.028, de 2000).

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.

§ 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.

Este crime configura-se quando o sujeito ativo der causa a qualquer uma das figuras tipificadas na redação do artigo, seja na forma oral, escrita, por telefone etc. Ressalta-se que a falsa imputação deve ser determinada, ou seja, que tenha a característica da prática de um ilícito penal e de pessoa determinada.

Diferentemente do crime de Calúnia, o crime do art. 339 do CP exige que seja dado “...causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente”, ou seja, que o falso acusador procure formalmente

Também há de se destacar que a acusação esteja em contradição com a verdade dos fatos e que o agente ativo tenha a certeza da inocência da pessoa a quem se atribui a prática do crime. Este é o crime de maior incidência no cotidiano dentro do contexto que estamos abordando.

Um dos muitos exemplos que podemos citar é o de uma relação sexual consentida que, por algum motivo posterior, uma das partes se arrepende e procura a polícia, Ministério Público...dizendo que foi obrigada a ter tal relação sob algum tipo de violência ou grave ameaça. Mais uma vez o estrago na vida de quem sofre a falsa imputação é avassalador.

Por fim, ainda que não seja um crime com pessoa determinada a sofrer a falsa imputação criminosa sexual, temos o crime do art. 340 do Código Penal que deve estudado, pois também ocorre no dia-a-dia. Estamos falando do crime de Comunicação falsa de crime ou de contravenção:

Art. 340 - Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Distingue-se do crime de Denunciação caluniosa pelo fato de que neste há a indicação expressa de pessoa determinada como autoria da infração. No delito de Comunicação falsa de crime ou contravenção não há essa indicação. Exemplo: se um dos pais comunica a polícia, falsamente, que o filho foi molestado sexualmente logo após retornar da casa do outro no fim de semana, houve uma comunicação de crime sem citar pessoa determinada (apenas o local). Certamente podem surgir questionamentos sobre o exemplo dado acima, porém, imaginemos uma casa que more o (a) pai (mãe) da criança, a (o) nova(o) esposa(o) e sua(seu) sogra(o).

Dessa forma, com o exemplo dado, houve uma comunicação falsa de crime sem pessoa determinada, onde foi provocada a ação da autoridade (como uma diligência até o local), ainda que tal comunicação não vá além de indagações preliminares, mesmo que não se instaure o inquérito policial.

Como no crime de Denunciação caluniosa, é indispensável que o sujeito ativo saiba da inocência de quem é imputado o crime e, também, que haja o fim de provocar a autoridade ou, ao menos, se assuma o risco.

Certo é que uma imputação falsa de qualquer crime causa reflexos jurídicos e sociais na vida de quem assim o é acusado e, por este motivo, toda e qualquer comunicação de crime às autoridade, ou até mesmo para terceiros, deve ser muito bem filtrada, analisada e, quando investigada, tratada com a maior responsabilidade e imparcialidade possível, sob a grave possibilidade de se cometer uma injustiça irreversível.

Sobre o(a) autor(a)
Denis Caramigo Ventura
Denis Caramigo Ventura: Advogado criminalista especialista em Crimes Sexuais. www.caramigoadvogados.com.br caramigo@caramigoadvogados.com.br 11 98119 8813 (24h) Facebook: Denis Caramigo Ventura; Twitter: @deniscaramigo Instagram...
Ver perfil completo
O conteúdo deste artigo é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
Lista de leitura
Adicione este artigo à sua lista de itens para ler depois
Adicionar à lista

Notícias relacionadas

Veja novidades e decisões judiciais sobre este tema

Termos do Dicionário Jurídico

Veja a definição legal de termos relacionados

Resumos relacionados Exclusivo para assinantes

Mantenha-se atualizado com os resumos sobre este tema

Economize tempo e aumente sua produtividade com o DN PRO Seja um assinante DN PRO e tenha acesso ilimitado a todo o conteúdo que agiliza seu processo de elaboração de peças e mantém você sempre atualizado sobre o mundo jurídico. 7.530 modelos e documentos essenciais para o seu dia a dia Atualizados regularmente por especialistas em Direito Ideal para advogados e profissionais da área jurídica Apenas R$ 24,90 por mês Veja exemplos gratuitos