A responsabilidade civil por falsa atribuição de paternidade

A responsabilidade civil por falsa atribuição de paternidade

O estudo tem por objetivo analisar através das vias legais, como a genitora, pode ser responsabilizada civilmente pela falsa atribuição de paternidade.

Introdução

Nos dias atuais vemos que o Direto de Família tem se aproximado cada vez mais da Responsabilidade Civil. Se antes eram considerados como áreas incomunicáveis, hoje esses ramos do Direito Civil, possuem uma relação intensa, tendo em vista as transformações que sofreram nessas ultimas décadas.

A Responsabilidade Civil já não é observada somente pelo seu perfil patrimonial, hoje o dano moral engloba diversas modalidades de lesões.

É certo que por muitos anos discutiu-se intensamente o cabimento da reparabilidade do dano moral.

No entanto, com o passar do tempo o instituto atingiu sua maturidade e asseverou sua relevância, superando por vez o entendimento de magistrados e doutrinadores de ser impossível reparar o dano moral compensando a dor com dinheiro.

Contudo, na realidade a doutrina timidamente já se manifestava no sentido de sua reparabilidade, enquanto a jurisprudência criava os maiores obstáculos quanto a sua admissão.

Hoje o dano moral é assegurado pelo texto constitucional e enunciado sumular, não restando qualquer duvida a necessidade, bem como a obrigatoriedade de sua reparação.

Já o Direito de Família tem passado por intensas mudanças. Aquele modelo de família onde se priorizava o matrimonio e a posição do marido como o cabeça da casa foi superado.

Novos formatos familiares foram surgindo, não se dando mais importância ao modelo familiar anteriormente existente.

Vê-se que a igualdade entre os cônjuges e conviventes, o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo, foram abrindo caminho para relações livres. 

Consequentemente toda essa mudança traz para o Direito de Família, muitas indagações, além de diversos problemas.

No entanto, toda essa nova gama de problemas, requer soluções eficientes que possam amparar esse novo Direito de Família. E é justamente ai que a responsabilidade Civil e o Direito de Família se encontram.

1. A Responsabilidade Civil nas Relações Familiares

A responsabilidade civil em linhas gerais deriva da violação de uma norma jurídica, atribuindo ao causador do dano à obrigação de repará-lo.

Podemos citar como elementos da responsabilidade civil:

a) conduta humana que pode ser comissiva ou omissiva, própria ou de terceiro;

b) dano violação de um interesse tutelado de ordem patrimonial ou extrapatrimonial;

c) nexo de causalidade relação entre a conduta e o dano experimentado;

Além dos elementos básicos ora apresentados, importante ressaltarmos o elemento volitivo de caráter eventual, qual seja a culpa, onde o sujeito agirá através de uma de suas modalidades que são a imprudência a negligencia e a imperícia.

Portanto, os fatos que ocorrerem nas relações familiares demandarão a prova de culpa de acordo com o que dispõe o art. 186 do Código Civil.

2. Competência para Julgar Demandas sobre Responsabilidade Civil em Direito de Família

Antes de adentramos as questões referentes à responsabilidade civil por falsa atribuição de paternidade, necessário se faz observar uma questão de cunho processual de extrema relevância. A que órgão compete à propositura das demandas referentes à responsabilidade civil diante das relações familiares.

Seria competência das Varas Cíveis ou das Varas de Família?

Não temos duvida em asseverar que as ações que tratam da responsabilidade civil nas relações familiares competem as Varas de Família, pois a analise dos detalhes e demais peculiaridades sobre as relações familiares, devem ser levadas em conta no momento de se prolatar uma decisão.

Cumpre salientar, que a razão da competência das Varas de Família se da pelo conhecimento adquirido pelo Magistrado através do contato frequente com essa espécie de demanda, questão que lhe da vivência e sensibilidade para lidar com essas espécies de conflito.

3. A Paternidade no Brasil

Após revermos os princípios da responsabilidade civil no que tange ao Direito de Família, serão necessárias algumas considerações acerca da paternidade para em seguida adentrarmos ao nosso tema de pesquisa a responsabilidade civil por falsa atribuição de paternidade.

A principio no Brasil, tínhamos a fase da chamada paternidade legal firmada na seguinte presunção (é “filho” do marido “aquele concebido por sua esposa”).

Tal presunção ainda se faz presente no (art. 1.597 do Código Civil), porém, não possui mais a mesma credibilidade em razão do surgimento do exame de DNA.

Em meados de 1990 com a ascensão do exame de DNA, começamos a viver a fase da paternidade biológica onde para a ciência o pai seria aquele que ofereceu o material genético.

Contudo, podemos dizer que os pais são realmente aqueles que geram?

Todavia, diante da evolução pela qual vem passando o Direito de Família vem se admitindo a paternidade socioafetiva, que é aquela que decorre dos valores sentimentais e amorosos, sendo construída ao longo dos anos pela convivência.

Fala-se em “desbiologização da paternidade” termo utilizado pelo Professor João Baptista Villela em conferência pronunciada em 09 de maio de 1979 na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em curso de extensão sobre Direito do Menor.

Termo este que vem ganhando cada vez mais força no Superior Tribunal de Justiça.

“FAMÍLIA. FILIAÇÃO. CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE. ARTIGOS ANALISADOS: 326 DO CPCE ART. 1.593 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Ação de investigação de paternidade ajuizada em 25.04.2002. Recurso especial concluso ao Gabinete em 16/03/2012. 2. Discussão relativa a possibilidade do vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica. 3. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos. 4. A maternidade/paternidade socioafetiva tem seu reconhecimento jurídico decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos em que, nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-filho. [...]” (REsp 1401719/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/10/2013, Dje 15/10/2013).

No entanto, resta esclarecer que a paternidade biológica não perdeu a sua importância.

Porém, em determinadas situações o afeto poderá prevalecer diante da paternidade cientifica, pois como dito ser pai ou mãe vai muito além de gerar.                

4. Formas de Reconhecimento de Filhos

Para que possamos tratar do dano decorrente da falsa atribuição de paternidade, necessário examinarmos as formas de reconhecimento de filiação.

O reconhecimento de filhos em nosso sistema poderá ser feito de forma voluntária ou judicial.

Prevê o art. 1.609 do código Civil as espécies de reconhecimento de filiação.

“Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:

I- no registro de nascimento;

II- por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;

III- por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;

IV- por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido objeto único e principal do ato que o contém.

Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento ou ser posterior até o seu falecimento, se ele deixar descendentes.”

O reconhecimento voluntário é um ato irretratável, incondicional e personalíssimo é na sua essência um ato jurídico.

Como se sabe reconhecer um filho é um gesto de suprema dignidade e sobretudo de amor e respeito.

Mas infelizmente nem todos os pais possuem este comportamento.

Os motivos principais para esse tipos de atitude são a mágoa tendo em vista o fim de uma relação ou o inconformismo advindo de uma separação.

Sendo assim, outra forma não há a não ser ingressar com o reconhecimento da filiação através do poder judiciário com a propositura da ação investigatória de paternidade.

5. Responsabilidade Civil Decorrente de Falsa Atribuição de Paternidade

Necessário esclarecermos que o sentido empregado neste artigo trata-se da situação em que a pessoa é induzida a acreditar na paternidade, realizando o reconhecimento voluntário por erro de filho que não é seu, como também a hipótese em que a ação judicial é manejada individualmente, tendo como resultado uma falsa atribuição de paternidade.

6. Responsabilidade Civil por Reconhecimento Voluntário Derivado de Erro

De acordo com a teoria geral dos negócios jurídicos, podemos citar como exemplos o contrato e o testamento que poderiam ser considerados nulos ou anuláveis, porém não podemos dizer o mesmo com os fatos jurídicos que são os acontecimentos de ordem natural que produzem efeitos no mundo jurídico, ou com os atos jurídicos que tratam das ações humanas que possuem relevância para o direito.

No entanto, como podemos observar o reconhecimento de filho de forma voluntária tem conteúdo de ato jurídico, mas sem conteúdo negocial.

Nesse caso o que se destaca é a conduta humana que produz efeitos estabelecidos pela lei.

Entretanto, vê-se que o agente não tem uma ampla liberdade quanto à determinação dos efeitos resultantes de sua conduta como acontece no negócio jurídico.

Assim, verifica-se que o elemento crucial é a manifestação de vontade.

O Superior Tribunal de Justiça já admitiu a “invalidação” do ato de reconhecimento voluntário de filho, onde o individuo incorrendo em erro, registra filho que imagina ser seu:     

“AÇÃO ANULATÓRIA. PATERNIDADE. VÍCIO. CONSENTIMENTO. O Tribunal a quo, com base no resultado de exame de DNA, conclui que o ora recorrente não é pai biológico da recorrida. Assim, deve ser julgado procedente o pedido formulado na ação negatória de paternidade, anulando-se o registro de nascimento por vicio de consentimento, pois o ora recorrente foi induzido a erro ao proceder ao registro da criança, acreditando tratar-se de sua filha biológica. Não se pode impor ao recorrente o dever de assistir uma criança reconhecidamente destituída da condição de filha.” REsp 878.954-RS, Rel. min. Nancy Andrighi, julgado em 7/05/2007.

Como podemos observar a teoria do Ato Jurídico e das Nulidades, adéquam-se perfeitamente ao Direito de Família ao tratar da invalidação do reconhecimento de filho por vicio de consentimento.

Aliás, se analisarmos com maior atenção percebe-se que o vicio existente na situação em que uma pessoa é persuadida a registrar filho que não é seu é o dolo, conforme descreve o (art.145 do CC).  

“Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.”         

Situação importante a ser cogitada é quando a genitora se equivoca na época da concepção, quando, por exemplo, encerrou um relacionamento, já dando inicio a outro com a pessoa que registrou a criança.

Nesse caso, estaríamos diante de uma declaração de vontade viciada por erro ou ignorância (art. 138, CC), estando ausente neste caso o conhecimento e a má-fé.  

“Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos , quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.”   

Portanto, no que diz respeito a tornar inexistente um falso registro, entendemos que caracterizada a má-fé pelo comportamento doloso da genitora é cabível o pagamento de indenização.

Já a questão do simples erro da genitora que a todo o momento acreditava na paternidade a qual foi atribuída, vemos que inexistindo a má-fé, não lhe caberia à condenação em pagamento indenizatório. 

7. Responsabilidade Civil por Falsa Atribuição Judicial de Paternidade

Sabemos que quando se procura alcançar um pronunciamento jurisdicional favorável, em alguns momentos não é certo o resultado esperado, pois é papel do Estado dizer o direito a quem tem razão.

Podemos utilizar a titulo de exemplo a previsão disposta na Lei de Alimentos Gravídicos, Lei n 11.804/2008, onde o Magistrado fixará a pensão, caso esteja convencido de indícios de paternidade.

Todavia, se ao final da demanda, esta for julgada improcedente, caberá ao Requerido pleitear o ressarcimento devido contra o verdadeiro devedor em razão da irreparabilidade dos alimentos pagos não se falando em responsabilização do Requerente.

Contudo, demonstrada a situação de abuso do direito de demandar poderá haver a aplicação das normas de responsabilidade civil.

Percebe-se que é o que ocorre com a falsa atribuição de paternidade oriunda de uma demanda judicial proposta de maneira impulsiva.

Como anteriormente mencionado os alimentos não são passiveis de restituição.

Sendo assim, o Requerido que prestou alimentos indevidamente perdeu o amparo que lhe era dado pelo art. 10 da Lei 11.804/2008, que previa a responsabilidade da gestante, pois foi vetado por se tratar de norma intimidadora.

O respectivo artigo relatava que em caso de resultado negativo no exame de DNA a Requerente responderia de forma objetiva pelos danos materiais causados ao Requerido.

No entanto, mesmo com o veto do artigo que tratava da responsabilidade objetiva da Requerente da ação de alimentos gravídicos, ainda permanece a responsabilidade subjetiva, onde é necessária a prova da culpa da Requerente para configuração da responsabilidade.

Todavia, a requerente deverá ser responsabilizada subjetivamente diante da conduta culposa, bem como pela conduta dolosa, pois notório é o abuso de direito, ou seja, ocorre no presente caso o exercício irregular de um direito, que diante do art. 927 do Código Civil, se equipara ao ato ilícito. Tornando-se fundamento para a responsabilidade civil.

A demonstração dos danos materiais experimentados será feita através dos demonstrativos das quantias gastas indevidamente, valendo-se de descontos em folhas de pagamento, bloqueios judiciais ou qualquer outro documento que ateste o quanto foi pago em alimentos gravídicos, imposto de maneira irregular, sendo cabível a cumulação com pedido indenizatório por danos morais, pois a condenação daquele que não era pai, além de lhe ter gerado encargo financeiro, sem duvida lhe acarretou grande abalo psíquico.

8. Conclusão

O presente trabalho, com fundamento na legislação e na doutrina procurou identificar a possibilidade de responsabilizar civilmente a quem atribuiu falsa paternidade a outrem.

Sendo assim, demonstrada a conduta dolosa da parte infratora, bem como a má-fé processual, inegável é o dever de reparação dos danos causados não só na esfera patrimonial, mas também na moral.

Referências

Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal. In: Vade Mecum Saraiva. São Paulo: 2014.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfho Pamplona. Novo curso de direito civil: direito de família – as famílias em perspectiva constitucional. 5. ed.
São Paulo: Saraiva, 2015. v. 6.

VENOSA, Silvio. Direito civil: direito de família. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

VILLELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de minas Gerais, Belo Horizonte, n 21, maio 1979.

MADALENO, Rolf, BARBOSA, Eduardo. Responsabilidade civil no direito de família. São Paulo. Atlas. 2015.

Cahali Yussef Said. Dano Moral. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

Sobre o(a) autor(a)
Marcos Mendonça
Marcos Mendonça é Advogado especializado em Direito Civil, Processual Civil e Direito de Família e Sucessões, Consultor jurídico e Palestrante. Atuante nas áreas da Responsabilidade Civil, Direito do Consumidor e Direito de...
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