Estudo teórico sobre o remédio constitucional habeas corpus

Estudo teórico sobre o remédio constitucional habeas corpus

Direito individual de liberdade. Transgressão disciplinar. Possibilidade jurídica.

E ste estudo teórico sobre o habeas corpus começa por defini-lo, analisa o entendimento de alguns autores de renome, como também a possibilidade de se impetrar o instituto quando se tratar da transgressão disciplinar do militar para finalmente chegar a uma conclusão.

Habeas corpus – direito individual de liberdade – transgressão disciplinar – possibilidade jurídica.


INTRODUÇÃO

Esse artigo visa fornecer uma análise vertical do “remédio” constitucional habeas corpus e mostrar quando se deve utilizá-lo para defender o direito à liberdade. Além disso, far-se-á uma análise acerca da possibilidade jurídica, a justiça competente para o julgamento e os casos possíveis à impetração do instituto na transgressão disciplinar militar.


DEFINIÇÃO DE HABEAS CORPUS

Trata-se de uma locução composta do verbo latino habeas, de habeo (ter, tomar, andar com), e corpus (corpo), de modo que se pode traduzir a expressão da seguinte forma: ande com o corpo ou tenha o corpo.

É o instituto jurídico que tem a finalidade de proteger a liberdade de locomoção ou o direito de andar com o corpo.

Assim, vem para garantir a pessoa contra qualquer violência ou coação ilegal na sua liberdade de impedir, mover-se, parar, ficar, entrar e sair, em que se funda o direito de locomoção.

O habeas corpus foi criado na Inglaterra pela Magna Carta, outorgada em 1215 pelo rei João Sem-Terra. Entretanto, este instituto deriva do Direito Romano. Por ele, naquela época, qualquer cidadão podia reclamar da exibição do homem livre, que era retido ilegalmente, por meio de uma ação privilegiada, a que se chamava em latim de interdictum de libero homine exhibendo.

Na verdade, os romanos acionavam o habeas corpus contra o particular que retinha indevidamente o homem livre. Dessa forma, esse instituto foi um remédio para várias espécies de violências e coações ilegais contra a pessoa e o seu objeto é exatamente a liberdade total de locomoção, desde que não se entenda como cumprimento de sanção penal, já com relação à transgressão disciplinar, será analisada mais adiante a possibilidade jurídica de impetração daquele.

Com relação às duas grandes divisões do habeas corpus, diversos autores, entre eles CELSO RIBEIRO BASTOS, DE PLÁCIDO E SILVA, MANOEL GONÇALVES FERREIRA PINTO e PINTO FERREIRA são unânimes em definir o habeas corpus preventivo e o suspensivo. O primeiro, o preventivo, deve ser feito antes da perpetração da violência ou da atuação, com o objetivo precípuo de impedi-las, e o segundo, para ser utilizado pelo indivíduo quando já consumadas a violência ou a coação. Diante disso:

a) Habeas corpus preventivo (salvo-conduto): pode-se aplicar esse remédio constitucional quando alguém, pessoa física, se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. Com isso, pretende-se evitar o desrespeito à liberdade de locomoção;

b) Habeas corpus liberatório ou repressivo: é o habeas corpus que embasa a pessoa física quando esta estiver sofrendo violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder.

Tanto um quanto o outro são ações constitucionais de caráter penal e de procedimentos especiais, isentos de custas, e que visam evitar ou cessar violência ou ameaça à liberdade de locomoção.


POSSIBILIDADE DE IMPETRAÇÃO DO HABEAS CORPUS NA TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR

Ressalte-se, por oportuno, que na transgressão disciplinar militar, a autoridade pode impor uma pena restritiva da liberdade de até 30 (trinta) dias de prisão.

Certo é que o artigo 142, da Constituição Federal (CF), no seu parágrafo segundo, prescreve que "não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares." Ocorre que, em atendimento ao Princípio Republicano, adotado pela República Federativa do Brasil, essa restrição deve ser interpretada de maneira relativa (art. 1º, CF).

Assim sendo, o magistrado deve acatar a impetração do habeas corpus, analisá-lo, sob o prisma da legalidade, tanto na formação do ato administrativo, bem como nas garantias individuais. Deve, assim, julgar: a feitura do ato administrativo obedeceu à competência, a finalidade, o motivo? Houve a devida motivação? Foi assegurado ao militar, o devido processo legal? Foi oportunizada a mais ampla defesa, com seus meios? Foi-lhe assegurado o contraditório, e aí, se inclua, foi assistido por um advogado ou defensor público, já que não existe contraditório sem estes profissionais? Houve motivos determinantes? Se um, ou mais, desses pressupostos não foi atendido, segundo o art. 4º, d) da lei 4.898/65, é dever de ofício do juiz, na liminar, mandar relaxar a restrição de liberdade, deixando para, ao final, julgar da ilegalidade do ato administrativo e assim não procedendo caberá a impetração do instituto para livrar o paciente militar da punição disciplinar por transgressão.

O que é vedado aos Juízes e Tribunais, até mesmo como natural decorrência do princípio da Separação dos Poderes, é a apreciação da conveniência, da utilidade, da oportunidade e da necessidade da punição disciplinar. Isso não significa, porém, a impossibilidade de o Judiciário verificar, se existe, ou não, causa legítima que autorize a imposição da sanção disciplinar. O que se lhe veda, nesse âmbito, é, tão-só, o exame do mérito da decisão administrativa, já que mérito trata-se de elemento temático inerente ao poder discricionário da administração pública.

Corroborando, é bom trazer o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), hierarquicamente superior aos Juizes e Tribunais, tanto estaduais, quanto federais, professado no Recurso em habeas corpus 1999/0066031-5, verbis:

"RECURSO EM HABEAS CORPUS. COMPETÊNCIA. JULGAMENTO. HABEAS CORPUS. PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR.

A proibição inserta no artigo 142, parágrafo 2º, da Constituição Federal, relativa ao incabimento de habeas corpus contra punições disciplinares militares, é limitada ao exame de mérito, não alcançando o exame formal do ato administrativo-disciplinar, tido como abusivo e, por força de natureza, próprio da competência da Justiça Castrense." (destacou-se).

Outro ponto controvertido é o enfrentamento formal da vedação imposta aos militares (art. 142, § 2º, da CF), em detrimento da garantia material e individual, prevista no art. 5º, LXVIII, da CF, que assegura: "Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”

Deve-se alardear que o militar, soldado ou general, antes da situação profissional de ser militar, é um cidadão brasileiro, sendo certo que também está inserido na garantia constitucional.

Assim, resta dizer que o art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, é uma garantia consolidada, petrificada, imutável, que até mesmo ao congressista, descabe suprimir ou modificar. E mais, o parágrafo 2º, do mesmo artigo 5º, da CF, impôs que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Donde se conclui que o habeas corpus previsto no art.5º, LXVIII, a contar de 05 de outubro de 1988, teve eficácia imediata, sem que dependa de outras normas infraconstitucionais para vigorar.

Cumpre observar que o direito natural da vida e da liberdade é uma imposição de ordem pública, por ser base da própria sociedade.

O art. 124, da CF, diz que à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. Portanto, só compete à justiça castrense julgar os crimes militares, definidos no Código Penal Militar. Como transgressão disciplinar não é crime, mas um ato administrativo, fica este afastado do crivo da justiça militar.

Resta que, por se tratar de interesse público, quem julga o habeas corpus, na transgressão disciplinar militar, é a justiça comum. De tal modo que, quando a medida cuidar de punição por transgressão disciplinar militar, praticada no âmbito das polícias militares e corpos de bombeiros militares, o Juiz competente é o da Justiça Estadual (125, §1º, da CF), em especial, o da Fazenda Pública. E, por outro lado, fica por conta da Justiça Federal (art. 109, VII, da CF) o julgamento do habeas corpus, quando cuidar de punição transgressional praticada por militar das Forças Armadas, ditos federais.


CONCLUSÃO

Neste trabalho, teve-se a intenção de dar uma visão sistêmica do instituto do habeas corpus, previsto na Magna Carta, outorgada em 05.10.88.

Diante do exposto, pode-se admitir que em qualquer situação de cerceamento de liberdade de locomoção, caberá a impetração do remédio constitucional habeas corpus, ressaltando-se a possibilidade jurídica da impetração deste para livrar o paciente militar da punição disciplinar por transgressão, quando a restrição da liberdade for aplicada ao arrepio da legalidade ou com abuso de poder, sendo que a justiça competente é a comum, seja de âmbito estadual ou federal.

Como se pôde depreender, trata-se de um remédio extremamente poderoso que, se corretamente conhecido pelo povo do Brasil, pode transformar a sociedade tão desigual em outra, em que, certamente, haverá cerceamento da liberdade de ir, vir e ficar, mas devidamente minimizado. O importante é que esse instrumento, calcado nos mais altos ideais de democracia, liberdade e justiça, seja efetivamente utilizado.


BIBLIOGRAFIA

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário básico de direito Acquaviva. 2.ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1997. 293p.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 1998. 499 p.

CRETELLA JÚNIOR, José. Os writs na Constituição de 1988: Mandado de Segurança, Mandado de Segurança Coletivo, Mandado de Injunção, Habeas Data, Habeas Corpus, Ação Popular. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996. 167 p.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 1997. 367 p.

FERREIRA, Pinto. Teoria e prática do Habeas Corpus. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1988. 118 p.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 15.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. 877 p.

Sobre o(a) autor(a)
Raimundo Júnior Mangabeira Gonçalves
Advogado. Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes. Pós-Graduado em Direito Público pela Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira - FUNCESI.
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