A sentença condenatória e a detração penal
O objetivo do legislador, por questões de política criminal e a fim de atender ao princípio constitucional da individualização da pena, foi antecipar o reconhecimento de direito que será concedido em momento posterior, qual seja, a transferência do apenado para regime prisional mais brando.
Sabe-se que o juiz, ao proferir a sentença condenatória, deverá considerar o “tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro”, para a “determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”, conforme determina o art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal.
Não podemos nos esquecer, ainda, do conteúdo do art. 42 do Código Penal, que prevê o seguinte: “computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior”.
Embora caiba ao magistrado do processo de conhecimento a aplicação do art. 387, § 2º, do CPP, ao proferir a sentença condenatória, alguns togados deixam de “descontar” a pena cumprida provisoriamente, seja preventiva ou temporária, com fundamento no fato de que compete ao juízo da execução tal proceder e, principalmente, que os requisitos para a progressão de regime não estão preenchidos (art. 66, III, ‘b’ e ‘d’, da Lei n. 7.210/1984 – LEP).
Porém, a possibilidade de alteração do regime inicial para o resgate da pena, observado, é claro, o art. 59 do CP e a agravante da reincidência, não está atrelado aos requisitos para a progressão de regime.
Se fosse o caso, certamente o legislador teria descrito o art. 387, § 2º, do CPP, de modo diverso.
Segundo Guilherme de Souza Nucci, basta o cômputo do período da prisão, assim como a análise de outras questões, para que o juízo da condenação possa avaliar a possibilidade de fixação de regime mais brando na sentença. Veja-se:
48-H. Detração e regime de cumprimento da pena: estabelece o art. 42 do Código Penal que o tempo de prisão provisória, de qualquer espécie, deve ser computado como cumprimento de pena. Isso significa que, inaugurando-se o processo de execução, o juiz deve descontar aquele período (prisão cautelar) do total da pena. Feito o referido desconto, passa a verificar se cabe a concessão de algum benefício, como, por exemplo, a progressão de regime. A Lei 12.736⁄2012 inovou, nesse cenário, ao inserir o § 2º no art. 387 do CPP. Permite que o julgador promova o desconto pertinente à detração para escolher o regime inicial apropriado ao réu, em caso de condenação. Não significa, de modo algum, transformar o juiz da condenação num juiz de execução penal; concedese autorização legislativa para que o magistrado, ao condenar, leve em consideração o tempo de prisão cautelar. Ilustre-se: o acusado, preso há dois anos, cautelarmente, é condenado a nove anos de reclusão; antes do advento da Lei 12.736⁄2012, o regime inicial seria o fechado necessariamente (pena superior a oito anos, conforme o art. 33, § 2º, CP); agora, o julgador deve descontar os dois anos de prisão provisória, chegando à pena de sete anos, que será o montante efetivo a cumprir. Para esse quantum (sete anos), são cabíveis dois potenciais regimes: fechado e semiaberto. Não está o julgador obrigado a conceder sempre o regime mais favorável; pode fixar o regime fechado inicial, se considerar o mais adequado, nos termos do art. 59 do Código Penal, indicado pelo art. 33, § 3º. Afinal, somente o juiz da execução, ao receber o processo, com a pena de sete anos (em regime fechado ou semiaberto), decidirá o que fazer. Por outro lado, é possível que, estabelecida a pena de nove anos e já descontados os dois anos de prisão provisória, o julgador entenda pertinente fixar o regime inicial semiaberto, o que está autorizado legalmente a fazer. Não se deve padronizar o entendimento nesta hipótese, mas individualizar a pena, o que inclui o regime, de maneira correta (Código de processo penal comentado, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, pág. 805-806).
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça segue na mesma trilha:
A previsão inserida no § 2º do art. 387 do CPP não se refere à verificação dos requisitos para a progressão de regime, instituto que se restringe à execução penal, mas à possibilidade de o Juízo de 1º Grau, no momento oportuno da prolação da sentença, estabelecer regime inicial mais brando, em razão da detração” (STJ. AgRg no REsp 1756250, julgado em 13/11/2018. Relator: Min. Reynaldo Soares da Fonseca).
O artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal não versa sobre progressão de regime prisional, instituto próprio da execução penal, mas, sim, acerca da possibilidade de se estabelecer regime inicial menos severo, descontando-se da pena aplicada o tempo de prisão cautelar do acusado (STJ. HC 408.596, julgado em 19/6/2018. Relator: Min. Nefi Cordeiro).
Conforme se observa, o objetivo do legislador, por questões de política criminal e a fim de atender ao princípio constitucional da individualização da pena, foi antecipar o reconhecimento de direito que será concedido em momento posterior, qual seja, a transferência do apenado para regime prisional mais brando durante a execução.
Nada mais justo, na medida em que os condenados, por vezes, enfrentam demora demasiada para ter o direito à progressão de regime assegurado.