A falta médica disciplinar e a prescrição da pretensão punitiva
Abordagem sobre prescrição da pretensão punitiva em relação a falta médica disciplinar.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça, o dies a quo da prescrição da pretensão punitiva de profissional liberal em decorrência de falta disciplinar inicia-se com a verificação do fato pela entidade competente – Conselho Regional de Medicina (Resp 1.653.646, julgado em 13/3/2018. Relator: Min. Herman Benjamim; Resp 1.263.157, julgado em 5/3/2015. Relator: Min. Benedito Gonçalves).
Em outras palavras, segundo a Corte da Cidadania, o prazo prescricional não é contato do dia do fato, ou seja, da prática da suposta falta disciplinar.
O art. 1º da Lei n. 6.838/1980, que dispõe sobre o prazo prescricional para a punibilidade de profissional por falta sujeita à processo disciplinar a ser aplicada pelo órgão competente, prevê que “a punibilidade de profissional liberal, por falta sujeita a processo disciplinar, através de órgão em que esteja inscrito, prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data de verificação do fato respectivo”.
Por outro lado, o art. 52 do Código de Processo Ético Disciplinar Médico, aprovado pela Resolução n. 2.023/2013-CFM, publicada no Diário Oficial da União, em 28 de agosto de 2013, descreve:
A punibilidade por falta ética sujeita a Processo Ético-Profissional prescreve em 5 (cinco) anos, contados a partir da data do conhecimento do fato pelo Conselho Regional de Medicina.
Conforme se observa, o dito prazo será contado somente “a partir da data do conhecimento do fato pelo Conselho Regional de Medicina”.
Porém, entendo de forma diversa.
Frisa-se, mais uma vez, que “a punibilidade de profissional liberal, por falta sujeita a processo disciplinar, através de órgão em que esteja inscrito, prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data de verificação do fato respectivo” (art. 1º da Lei n. 6.838/1980).
A regra, em que pese admita interpretação em favor do infrator (contagem do prazo a partir da data de verificação do fato pela pessoa lesada), isso por conta da redação da lei, também admite interpretação a favor do Conselho Regional de Medicina (contagem do prazo a partir da data de verificação do fato pelo CRM).
Acontece que, havendo a dupla interpretação, especialmente de norma que pode influir na condenação, cabe aplicar entendimento mais favorável ao suposto infrator, ou seja, aquele previsto no art. 1º da Lei n. 6.838/1980, em analogia ao princípio do in dubio pro reo.
Mas, não é só isso!
De acordo com o sistema de hierarquia das normas jurídicas (pirâmide de Kelsen), o órgão de classe não poderia, por meio de ato normativo (Resolução), editar norma que extrapola e amplia o disposto no art. 1º da Lei n. 6.838/1980, como o art. 52 da Resolução n. 2.023/2013-CFM.
Dessa forma, não há dúvidas de que, ao admitirmos o ato normativo editado, estamos permitindo que, decorridos 10, 20, 30, 40 anos da data da falta, o médico ainda possa ser punido pelo órgão de classe, uma vez que o prazo prescricional, conforme interpretação conferida pelo órgão respectivo, é contado somente a partir da ciência do fato pelo CRM.
É, sem dúvida, uma regra que viola o princípio constitucional da razoabilidade, porque a punibilidade do infrator não pode perdurar ad adeternum, ou seja, sem que exista um limite temporal anterior ao conhecimento do fato pelo órgão profissional, especialmente quando se trata de falta disciplinar.
Ora, se no Direito Penal existe a regra da decadência, da perempção e da prescrição, ou seja, existe um prazo certo para que a vítima e/ou o Ministério Público tomem providências para iniciar a ação penal contra o réu (exemplo: arts. 103, 107, IV e 111 do CP), também deve haver regra para as faltas disciplinares cometidas por médicos.
Sim, porque, como dito, existe apenas a regra injusta e imposta pelo órgão de classe de contar a prescrição somente a partir da ciência do fato pelo mencionado órgão.
Não há nenhuma razoabilidade nessa norma, uma vez que, para o homicídio culposo, por exemplo, que ocorre com frequência nos hospitais, a prescrição se verifica em 8 anos (artz. 109, IV e 121, § 3º, do CP).
A jurisprudência, embora em baixo número, já se manifestou de forma favorável ao entendimento aqui sustentado:
MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. PRESCRIÇÃO DA PUNIBILIDADE DE MÉDICO, DENUNCIADO PELO COMETIMENTO DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR. INOCORRÊNCIA. INTERRUPÇÃO DO PRAZO COM O RECEBIMENTO DE NOTIFICAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE DEFESA. I – Da leitura do Art. 1º, da Lei n. 6.838/80, conclui-se que o termo inicial do prazo prescricional para apuração e punição de profissional liberal por falta sujeita a processo disciplinar é a ocorrência do fato que se reputa infracional. II – Prazo prescricional para a apuração e punição da falta de que é acusado o impetrante é 19/01/89, data em que tornou-se público o laudo que deu ensejo à controvérsia. [...] (TRF3. Apelação em mandado de segurança n. 2002.03.99.011825-9. Relator: Des. Baptista Pereira).
Cabe estacar, o princípio da razoabilidade é uma diretriz de senso comum, ou seja, de bom senso aplicada ao Direito, que zela para que as leis sejam aplicadas de modo adequado ao caso concreto.
Isso faz com que a Administração Pública, o legislador, atuem de acordo com critérios aceitáveis do ponto de vista lógico e racional, proibindo o excesso e mantendo a proporcionalidade na criação e aplicação das normas jurídicas.
Pelo exposto, acredita-se que o reconhecimento da prescrição quinquenal deve ser contada a partir da data do fato.