Da não-incidência do ISS em relação a advogados que patrocinem até 5 causas ao ano

Da não-incidência do ISS em relação a advogados que patrocinem até 5 causas ao ano

O exercício da advocacia, dentro do limite de até cinco causas por ano, configura-se a atuação do advogado como exercício não habitual da advocacia, por conseguinte, não se configurando nessa situação o advogado como contribuinte do ISS.

O Imposto de Indústria e Profissões, instituído por meio da Constituição promulgada em 1891, com competência impositiva atribuída dos Estados-Membros, tinha por fato gerador o exercício de atividade econômica com o objetivo de contrapartida remuneratória.

O Imposto de Indústria e Profissões foi mantido, quando da promulgação de nova Carta Constitucional de 1934, na competência tributária dos Estados, tendo sido todavia metade de sua receita atribuída aos Municípios, situação que perdurou quando da outorga da Carta de 1937.

A Carta de 1946 incluiu o Imposto de Indústria e Profissões na competência tributária dos Municípios, contudo, com a Reforma introduzida pela Emenda Constitucional n.º 18/65, foi este tributo dividido em dois. O “Imposto de Indústria”, teve seu campo de incidência adicionada à do “Imposto sobre consumo de mercadorias” para resultar no “Imposto sobre Produtos Industrializados-IPI”, inserido na competência tributária da União. O “Imposto de Profissões”, sob o nome de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, foi incluído na competência tributária dos Entes Municipais, em sistemática de tributação até hoje vigente.

O Imposto sobre Serviços, sob tal denominação inserido no ordenamento jurídico brasileiro pelo artigo 25 da Emenda Constitucional n.º 18, de 06/12/65, abaixo transcrito, requeria Lei Complementar que distinguisse seu campo de incidência do campo de incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias-ICM, este último inserido no campo tributante dos Estados-Membros.

“Art. 25. Compete aos Municípios o Impôsto sôbre serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência tributária da União e dos Estados.

Parágrafo Único. Lei Complementar estabelecerá critérios para distinguir as atividades a que se refere êste artigo das previstas no art. 12.”

O disciplinamento originário do ISS, inclusive a distinção de seu campo de incidência do campo de incidência do ICM, deu-se pelo Código Tributário Nacional-CTN, Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966, que, em seu art. 71, caput, abaixo transcrito, definia o fato gerador do ISS como a prestação, por empresa ou profissional autônomo, de serviço que não estivesse sob a competência da União ou dos Estados, caracterizando-se o contribuinte como a empresa ou o profissional autônomo que prestasse tais serviços (art 73, in litteris).

“Art. 71. O impôsto, de competência dos Municípios, sôbre serviços de qualquer natureza tem como fato gerador a prestação, por emprêsa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço que não configure, por si só, fato gerador de impôsto de competência da União ou dos Estados.”

“Art. 73. Contribuinte do impôsto é o prestador do serviço. ”

Como na normatização existente não se encontrava clara a distinção entre o ISS e o ICM e, ainda, com o “fito de dirimir os conflitos de competências que as operações mistas estavam causando”, envolvendo prestação de serviço e fornecimento de mercadorias, foi promulgado, em 31 de dezembro de 1968, o Decreto-lei n.º 406/68, até hoje vigente, o qual estabeleceu as normas gerais relativas ao ISS.

Como o conceito de prestação de serviço é sobremaneira abrangente, o próprio Decreto-lei 406/68 estabeleceu, em seu Anexo I, a relação dos serviços que estariam sujeitos à incidência do ISS, anexo que ficou conhecido por “Lista dos 100”, por listar exatos 100 serviços sujeitos à incidência do ISS.

O Decreto-lei 406/68 manteve o conceito de fato gerador do ISS (art. 8º), o conceito de base de cálculo do imposto (art. 9º) e a definição de contribuinte (art. 10), contudo, passou a expressamente excluir do campo tributário do ISS (art. 10, Parágrafo único, in litteris) a remuneração de trabalho prestado sob égide de relação de emprego, a remuneração dos trabalhadores avulsos e a remuneração dos membros de conselhos consultivo ou fiscal de sociedades.

 “Art 10. Contribuinte é o prestador do serviço.

Parágrafo único. Não são contribuintes os que prestem serviços em relação de emprêgo, os trabalhadores avulsos, os diretores e membros de conselhos consultivo ou fiscal de sociedades.”

Nesse momento, perdia o ISS toda e qualquer similaridade ainda existente em relação ao “Imposto de Indústrias e Profissões”, visto que, enquanto este abarcava qualquer atividade econômica desenvolvida com o fito de se obter remuneração, inclusive as profissões de comerciante, industrial e produtor rural, o ISS teve sua incidência restrita à atividade de prestação de serviços com natureza mercantil (venda de serviços), pois, como nos esclarece o ilustre tratadista Sérgio Pinto Martins, em sua obra Manual do ISS:

“O ISS não incide sobre serviços prestados com vínculo de emprego, pois inexiste autonomia na prestação de serviços, mas subordinação. Não haverá incidência também sobre serviços de empregados domésticos, de servidores públicos, pois também não há autonomia na prestação de serviços, nem sobre os serviços prestados pelos serventuários da justiça, porque os serventuários da justiça não podem ser considerados como empresas, segundo a acepção econômica desse termo, que foi adotada pelo ISS.”

Como o intuito do legislador ao modelar o ISS foi tributar a circulação econômica de serviços e sua exploração “mercantil” dos serviços, restringiu o campo de incidência do ISS aos serviços prestados por empresas ou por profissionais autônomos, e nem de forma diversa poderia o legislador estabelecer, visto que o fato de determinada pessoa eventualmente efetuar uma prestação de serviço, e até receber por isso, não implica em automática consideração econômica de prestador de serviços.

Os serviços sujeitos à incidência do ISS são aqueles prestados no sentido de exploração de atividade econômica, e por isso restringiu o Decreto-lei n.º 406/68 a incidência do ISS aos serviços prestados por empresas ou por profissionais autônomos.

Para fins de tributação pelo ISS define-se empresa como todo aquele que, assumindo o risco de atividade econômica, admite, assalaria e dirige prestação pessoal de serviços, e profissional autônomo como todo aquele que exerce, habitualmente e por conta própria, serviços profissionais e técnicos remunerados.

Portanto, para que determinado serviço esteja sob a incidência do ISS, necessário sejam atendidos os seguintes requisitos:

  • que o serviço esteja previsto na Lista de Serviços constante de Lei Complementar, in casu, a constante do Decreto-lei n.º 406/68;
  • que o serviço seja prestado por empresa ou por profissional autônomo, considerando-se autônomo aquele que exerce tal atividade com habitualidade.

A definição de empresa encontra-se consolidada na legislação brasileira, além de ser compreensão de senso comum, todavia o mesmo não ocorre em relação à definição de profissional autônomo, o que compele buscar, em outras fontes, uma definição mais precisa para o termo profissional autônomo.

Definindo autônomo, o ilustre tratadista Sérgio Pinto Martins, em sua obra Manual do ISS:

“Profissional autônomo é aquele que presta serviços habitualmente a terceiros, sem subordinação e mediante paga.

O trabalhador autônomo é, portanto, a pessoa que presta serviços habitualmente por conta própria a uma ou mais de uma pessoa, assumindo os riscos de sua atividade econômica...

Distingue-se o trabalhador autônomo do eventual, pois o primeiro presta serviços com habitualidade, e o segundo, ocasionalmente, esporadicamente.

O ISS irá incidir sobre os serviços prestados com habitualidade pelo profissional autônomo. Serviços prestados eventualmente, ocasionalmente, esporadicamente, tanto pela empresa, quanto pelo profissional autônomo não terão incidência do ISS, mesmo que tiverem por objetivo lucro, pois há necessidade de habitualidade, na prestação dos serviços.”

Por conseguinte, para fins de tributação pelo ISS, define-se como profissional autônomo aquele que atenda aos seguintes requisitos:

  • ser pessoa física;
  • exercer atividade de prestação de serviços profissionais e técnicos;
  • estar sendo remunerado pelo desempenho dessa atividade econômica;
  • não estar sujeito à subordinação hierárquica nem jurídica, inexistindo vínculos empregatícios;
  • desempenhar essa atividade econômica com habitualidade.

De todos os esses requisitos, o único que, a priori,  não se apresenta revestido de objetividade é o requisito “habitualidade”, visto que nem o Decreto-lei n.º 406/68, nem a Lei Complementar n.º 56/87 ou a Lei Complementar n.º 100/99, que alteraram aquele, estabelecem o conceito de habitualidade para fins de tributação por parte do ISS.

Determinada pessoa pode limpar a chaminé de seu vizinho (item 19 do Anexo I do Decreto-lei n.º 406/68), e até receber por isso, sem que seja, de forma alguma, prestador de serviço de limpeza de chaminé; o mesmo ocorrendo em relação a uma eventual limpeza de jardins (item 15); em relação a um eventual serviço de digitação de um trabalho para algum “colega” de faculdade (item 29); em relação à guarda do veículo do vizinho enquanto este viaja (item 57); em relação a um convidado, em determinada festa, que decide animá-la, interpretando músicas acompanhado por um violão (item 62); no transporte do filho do vizinho para a escola (item 97), já que estuda na mesma escola do seu filho. Como estas, podem ser citadas inúmeras outras situações similares.

Não objetivou o legislador tributar tais situações, e nem diferente poderia ser, visto que são situações comuns, do dia a dia, sem o intuito de exploração econômica desses serviços, mas prestações em caráter absolutamente eventuais, mesmo que remuneradas, mas sem objetivo de “mercancia”, pois, como bem define o ilustre tributarista Kiyoshi Harada, “O ISS tem natureza nitidamente mercantil”, incidindo tão somente sobre a prestação desses serviços de forma habitual..

Como somente há incidência do ISS sobre serviços prestados por autônomos, e como autônomo é todo aquele presta serviços com habitualidade, é necessário definir-se habitualidade para obter-se a definição de autônomo para fins de tributação pelo ISS.

Trata-se de uma lacuna legislativa, um caso onde, em conformidade com o art. 108 do CTN, abaixo transcrito, torna-se necessária a utilização do instituto da “integração da legislação tributária”, que se define por utilização, na ausência de disposição expressa, por parte da autoridade competente para aplicar a legislação tributária, sucessivamente, da analogia, dos princípios gerais de direito tributário, dos princípios gerais de direito público, e, por último, da equidade para preenchimento da lacuna legislativa.

“Art. 108 - Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I - analogia;

II - os princípios gerais de direito tributário;

III - os princípios gerais de direito público;

IV - a eqüidade.”

O conceito de habitualidade varia também de acordo com a espécie de serviço prestado, visto que quem guarda 20 carros em um ano não pode ser definido como prestador de serviço de guarda de veículos, contudo, um advogado que tenha 20 causas em um ano, pode, e deve, ser definido como um prestador de serviços de advocacia.

Por isso, no presente caso concreto, somente será possível a integração da legislação tributária, em relação à definição de habitualidade, caso este conceito encontre-se definido em uma norma que verse especificamente sobre atividade de prestação de serviços de advocacia.

Neste caso específico, existe normatização, a lei federal n.º 8.906, de 04/07/94, que versa sobre advocacia, e, conforme sua ementa “dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB”, a qual, em seu art. 10, §2º, abaixo transcrito, estabelece a definição de habitualidade em relação ao exercício da advocacia, conceituando-se habitualidade na atividade de advogado como a intervenção judicial que exceder de cinco causas por ano.

“Art. 10. A inscrição principal do advogado deve ser feita no Conselho Seccional em cujo território pretende estabelecer o seu domicílio profissional, na forma do Regulamento Geral.

omissis

§1º Além da principal, o advogado deve promover a inscrição suplementar nos Conselho Seccionais em cujos territórios passar a exercer habitualmente a profissão, considerando-se habitualidade a intervenção judicial que exceder de cinco causas por ano.”

Portanto, define-se como profissional autônomo, em relação ao desempenho da atividade de advocacia, aquele que atenda aos seguintes requisitos:

  • ser pessoa física;
  • exercer atividade de prestação de serviços advocatícios, uma espécie de serviço técnico-profissional;
  • estar sendo remunerado pelo desempenho dessa atividade econômica;
  • não estar sujeito à subordinação hierárquica nem jurídica, inexistindo vínculos empregatícios;
  • intervir judicialmente em mais que cinco causas por ano, visto que em quantidade abaixo desta inexistirá habitualidade na atividade prestacional.

Por conseguinte, o exercício da advocacia, dentro do limite de até cinco causas por ano, configura-se a atuação do advogado como exercício não habitual da advocacia, por conseguinte, não se configurando nessa situação o advogado como contribuinte do ISS, posto que ausente um dos requisitos essenciais para a definição de sujeito passivo do ISS, em conformidade com as normas gerais existentes sobre este imposto, qual seja, a habitualidade.


Bibliografia:

MARTINS, Sérgio Pinto, Manual do ISS.

HARADA, Kiyoshi, Sistema Tributário do Município de São Paulo, 2ª Ed., 1993, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo.

Sobre o(a) autor(a)
Dênerson Dias Rosa
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