A lavagem de capitais, a sonegação fiscal e a evasão de capitais (o procedimento de "blanqueo" de dinheiro)

A lavagem de capitais, a sonegação fiscal e a evasão de capitais (o procedimento de "blanqueo" de dinheiro)

Breves notas a Lavagem de Dinheiro.

A Imputação Objetiva pode ter um papel importante na delimitação da responsabilidade penal nas hipóteses acima elencadas. O crime organizado precisa avocar grandes montes de capitais e, para tal, necessita de todo um esquema, de um aparato legal para realização das atividades criminosas, que rompem as fronteiras nacionais alcançando os paraísos fiscais e até mesmo outras atividades empresariais para novamente inserir o capital no mercado financeiro.

A Lei de Lavagem de Capitais é a tentativa de restringir a movimentação econômica dos conglomerados criminosos, porém, antes de iniciarmos a analisar a teoria da imputação objetiva nesse crime, passaremos a tecer algumas considerações acerca do esquema de blanqueo e do tipo penal.

Em primeiro lugar, convém esclarecermos o que significa a lavagem de capital e, para tal, utilizaremos a conceituação de Raul Cervini:

los procedimientos de lavado de dinero, es decir la conversión de dinero ilegítimo em activos monetarios o no, con apariencia legal, o dicho de forma más simple: los mecanismos dirigidos a disfrazar como lícitos fondos derivados de uma actividad ilícita, han estado asociados desde principios de siglo com varias actividades del crimen organizado, pero la expresión se aplica comúnmente hoy para designar la conversión del producto económico del narcotráfico [1].

Uma rede complexa envolvendo instituições financeiras, doleiros, narcotraficantes, membros de todos os poderes estatais, comerciantes e criminosos, montam uma verdadeira sceleris societatis para que o dinheiro angariado com o fomento de atividades ilícitas seja convertido em moeda limpa, eliminando o caráter criminoso de sua origem e dando azo a propensão e crescimento da célula criminosa. A lavagem de capitais apresenta consigo uma intensa simulação de atos jurídicos encadeados pelo elo de suprimissão de uma realidade e inserção de um plano maquiador da origem escusa do dinheiro, fatores que causam abalos e instabilidade no mercado econômico, por causa da manipulação da entrada e saída de dólares no país, o que burla o Fisco e provoca oscilação nos índices inflacionários, além de fomentar a base do esquema ilícito, reforçando o crime organizado, principalmente o narcotráfico, por via da regularização de suas fontes primárias de capital.

A Lavagem de Capitais não trabalha somente com a moeda em espécie, mas também, com outros elementos, como a propriedade, direitos reais, dentre outros, o que aponta o grau de complexidade organizacional da célula, que funciona como uma empresa.

A razão de ser da Lei 9613/98 está na tentativa de conter a fúria em um mercado econômico muito célere advindo da tecnologia e seus aparatos, tais como, internet banking, a transferência de capitais imediata de um pólo a outro, as net conferences e a dominação estrutural das células delinqüentes que introduzem no bojo social uma decadência nas relações humanas. Com tudo isso, sendo efeito reflexo da evolução assombrosa da tecnologia humana, no cerne da sociedade de risco em que vivemos. As barreiras territoriais inexistem, pois o dinheiro é transferido de um local para outro muito rapidamente permitindo o fomento de atividades criminosas em diversos locais.

O procedimento de lavagem de dinheiro segue um fluxo de fatos que exporemos de forma sintética.

Em primeiro lugar, aloca-se todo o capital obtido com a realização das atividades de base da célula, a saber, o narcotráfico, a mercancia ilícita de armas, o roubo de cargas, as extorsões direta e indireta e as demais condutas lucrativas ilícitas aos olhos da lei penal fundindo esse capital com outros de origem lícita, envolvendo aqui uma rede de suborno de funcionários bancários e agentes da Receita Federal. Daí, há a remessa do capital negro aos paraísos fiscais e os centros off-shores europeus e centro - americanos, como a Suíça, Liechenstein, Antilhas Holandesas, Ilhas Cayman, Bahamas, Panamá, etc. Esses locais são aqueles em que há uma menor fiscalização governamental acerca da entrada e saída de capitais, bem como menores taxas a serem pagas, em virtude da circulação monetária e oferecem com condições mais vantajosas, um alto teor protetivo do seguro bancário.

Rodrigo Tigre Maia explica:

A primeira etapa é a do “placement” ou conversão: tendo como momentos anteriores a captação de ativos oriundos da prática de crimes e sua eventual concentração, nesta fase busca-se a escamoteação (ocultação) inicial da origem ilícita, com a separação física entre os criminosos e os produtos de seus crimes. Essa é obtida através da imediata aplicação destes ativos ilícitos no mercado formal para lograr sua conversão em ativos lícitos, por exemplo, swap, doleiros, trocas de notas de valores menores, utilização de mulas, remessa de dinheiro para o exterior, até mesmo mediante pagamentos de faturas de cartões de crédito internacionais creditados para empresas de fachada [2]

Ao angariar todo o capital, as células visam distribuir e recolocar no mercado, transformando o dinheiro negro em branco e também pela redistribuição desse dinheiro entre as parcelas do grupo, com o montante recebido sendo direcionado às células criminosas para manter as fontes de fomento a impunidade, como o suborno, a propina, entre outras formas. Ainda, serve para de forma eficaz mantenha a logística da organização, com o subsídio material desta e despesas na manutenção, como a aquisição e fomento a plantação de entorpecentes, a compra de armamento, etc.

O blanqueo dá-se por via do investimento desse capital em atividades notoriamente corretas e sem margem a qualquer ilicitude, isso se dá por via da compra e venda de imóveis para fixação de bases de apoio ou para o aluguel de imóveis para possuir uma base sólida de investimento lícito e renda, também ocorrendo pelo fomento de empresas que na verdade são fachadas, para a realização do esquema ilícito ou pela injeção no mercado de capitais, com a compra de ações na bolsa de valores ou em demais investimentos. Essa etapa do procedimento funciona com os

chamados “white collar criminals” que por deterem facilidade, conhecimento e respeito aos olhos da sociedade, tranqüilamente adentram no circuito financeiro e espalham o dinheiro branqueando-o. A nocividade encontra-se justamente na especulação por eles provocada, o que pode gerar um colapso financeiro e desequilíbrio nas atividades e funções econômicas.

Por fim, tem-se o repatriamento do dinheiro, onde o processo de lavagem nacionaliza o direito remetido ao estrangeiro de forma ilícita. A lavagem pode ou não entrar na terceira fase, chamada de integração do dinheiro, apagando os traços ilícitos e integrando – o por via de importações. Rodney da Silva elucida a terceira fase dizendo que consiste na:

Integração ou "lavagem" propriamente dita do dinheiro "sujo", onde as atividades se concentram na repatriação dos fundos. Consiste em dificultar o rastreamento contábil dos recursos ilícitos. O objetivo é quebrar a cadeia de provas ante a possibilidade da realização de investigações sobre a origem do dinheiro. Nesta fase, já apagado o rastro do dinheiro obtido ilegalmente, convém que se proporcione uma explicação aparentemente legítima para a origem da riqueza do criminoso. Dentre os mecanismos utilizados destacam-se os empréstimos de bancos ou empresas estrangeiras, pagamento de cartas de crédito, taxas de consultoria, arrendamento ou serviços fictícios e superfaturamento [3].

Rodrigo Tigre Maia explica:

O segundo grande momento do processo designa-se por “layering”, dissimulação: os grandes volumes de dinheiro inseridos no mercado financeiro na etapa anterior, para disfarçar sua origem ilícita e para dificultar a reconstrução pelas agências estatais de controle e repressão da trilha do papel (paper trail), devem ser diluídos em incontáveis estratos, disseminados através de operações e transações financeiras variadas e sucessivas, no país e no exterior, envolvendo multiplicidade de contas bancárias de diversas empresas nacionais e internacionais, com estruturas societárias diferenciadas e sujeitas a regimes jurídicos os mais variados [4]

Ivan Luiz da Silva nos apresenta as os momentos da lavagem de capitais:

A operação de lavagem dos “fundos negros”, segundo Maierovitch, dá-se em dias fases distintas: money laundering e a recycling. A operação de money laundering destina-se a apagar a mancha caracterizadora da origem ilícita. Realiza-se por meio de trocas (ouro, moedas fortes, etc) ou de remessa para conta corrente bancária aberta em certos países, em nome de sociedades fictícias, isto é, pessoas jurídicas, como explica Maierovitch. A recycling consiste na operação de reintegração dos capitais lavados no circuito econômico – financeiro e para emprego em negócios lícitos segundo o referido autor [5].

Raul Cervini diz que: “el llamado “dinero negro” que es aquel producido por actividades legales, pero que no ha sido sometido a control fiscal del “dinero sucio” que es el que procede de las más diversas actividades ilícitas” [6].

A evasão e a sonegação fiscal foram tratados na Lei 8137/90, sendo que esses são fatos que existiram em todo o sistema tributário, por causa da majorada carga tributária e a necessidade do poder público manter políticas públicas por via dos tributos. Apesar desse caráter podemos notar uma imprecisão na terminologia evasão, confundindo evasão e elisão, o que nos faz exortar lição de Juary C. Silva:

O vocábulo “evasão” padece de sensível ambigüidade, tanto exprimindo as fórmulas lícitas usadas pelo contribuinte para evitar, reduzir ou retardar o pagamento de um tributo, como aquelas ilícitas, externadas em processos ardilosos e fraudulentos. De acordo com essa sistemática haveria uma evasão lícita e legítima, a par de outra, ilícita, conhecida por fraude, simulação e conluio [7].

A Lei 8137/90 estabelece os crimes contra a Ordem Tributária e lá aprecem múltiplas ações ilícitas deixando a sonegação como resultado e passando assim:

Com isso, o tipo da sonegação fiscal dissocia-se em duas ações (ou momentos), a falsidade ou fraude, previstas nos incisos do art. 1º, e a sonegação propriamente dita, consoante do caput do artigo. O texto fala integralmente dessas condutas como meios executivos da sonegação, aludindo que esta se perfaça mediante aquelas [8].

Os tipos penais são vinculados, com todas as formas que não forem subsumíveis ao descrito, sendo atípicas por força do princípio da legalidade penal. Após esses apontamentos sobre o tema das infrações, podemos apontar que em face de essa diversidade delituosa em rede a imputação objetiva funcionaria eficazmente, no controle dos riscos proibidos ao mercado financeiro, que vive uma fase de sensibilidade incrível, fruto do entrelace econômico e as crises mundiais, coibindo a especulação monetária como forma de lavagem de capital. A formulação de juízos de valoração da tipicidade e regulação dos patamares da responsabilidade penal por via de um controle dos papéis sociais, restringindo-a com base no âmbito de proteção da norma e na proibição de regresso, onde poderá entender o risco produzido, seu teor e grau de lesibilidade e arbitrar uma linha causal correta. A rede do crime seria afetada seriamente com o implemento da imputação objetiva e não com uma mera incidência de um nexo hipotético de causalidade, uma vez que teríamos um delineamento da responsabilidade dentro de patamares lógicos, com a fixação da autoria e determinação da rede de lavagem.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CERVINI, Raúl, et alli. Lei de Lavagem de Capitais. 8ª Ed. RT. São Paulo/SP. 1998.

MAIA, Rodrigo Tigre. Lavagem de Dinheiro (Anotações às disposições criminais da Lei 9.613/98). 4ª Ed. Malheiros. São Paulo/SP. 1999.

SILVA, Juary C. Elementos de Direito Penal Tributário. 1ª Ed. Saraiva. São Paulo/SP. 1998.

SILVA, Ivan Luiz da. Crime Organizado. 1ª Ed. Nossa Livraria. Recife/PE. 1998.



[1] CERVINI, Raul et alli. Op. cit. p. 29.

[2] MAIA, Rodrigo Tigre. Lavagem de Dinheiro (Anotações às disposições criminais da Lei 9.613/98). 4ª Ed. Malheiros. São Paulo/SP. 1999. p. 28.

[3] SILVA, Rodney. SILVA. A Lavagem de Capitais – Noções Gerais e Aspectos Procedimentais. Revista do Centro de Ensino Superior de Catalão – CESUC – Ano IV. Nº 06. 1º Semestre. 2002. Disponível na internet: www.cesuc.br/revista/ed-1/ALAVAGEMDECAPITAIS.pdf. Acesso em: 22. jan. 2003.. p. 3.

[4] MAIA, Rodrigo Tigre. Op. cit. p. 39.

[5] SILVA, Ivan Luís da. Op. cit. p. 74.

[6] CERVINI, Raul et alli. Op. cit. p. 30.

[7] SILVA, Juary C. Elementos de Direito Penal Tributário. 1ª Ed. Saraiva. São Paulo/SP. 1998. p. 35.

[8] SILVA, Juary C. Op. cit. p. 182/183.

Sobre o(a) autor(a)
Flávio Augusto Maretti Siqueira
Advogado, Pós Graduado pela FDDJ e Pós Graduando em Direito Penal e Processo Penal na UEL.
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