Extinção de conflitos sobre contrato administrativo deve observar normas gerais sobre licitação
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deferiu pedido do município de Carauari (AM) para que o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas examine, em apelação, todas as circunstâncias fáticas referentes ao descumprimento do contrato com a empresa Ocma Construções Ltda. que conduziu ao não-pagamento das cártulas emitidas pelo município.
A empresa ajuizou ação de cobrança contra o município para receber o pagamento dos valores contidos em cheques por ele emitidos, que foram devolvidos por falta de fundos. Segundo a defesa da Ocma, ela foi vencedora em licitação sob a modalidade de concorrência pública, celebrando contrato administrativo com o município para prestação de serviços de topografia, compactação de subleitos e afins, a ser executada por etapas.
Acrescentou, ainda, que o valor global do contrato perfazia o montante de R$ 155 mil, sendo que desse total recebeu a importância de R$ 40 mil, mediante quatro cheques. O juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido, condenando o município ao pagamento dos valores contidos nos cheques.
Inconformado, o município apelou, e o Tribunal de Justiça estadual negou provimento considerando que "o cheque é ordem de pagamento à vista e, uma vez posto em circulação ou entregue ao portador de boa-fé, transforma-se em título de crédito, formal e abstrato, desvinculando-se totalmente do negócio jurídico que determinou sua emissão".
O município recorreu, então, ao STJ para reformar a decisão do Tribunal de Justiça estadual, sustentando que a causa que deu origem à emissão dos cheques cobrados é essencial ao deslinde da controvérsia, devendo o caso ser apreciado sob o amparo da lei federal de licitações e contratos administrativos, afastando-se a aplicação das normas de direito privado.
Para o relator, ministro Luiz Fux, a pretensão do município merece ser prestigiada, já que não se mostra sustentável o entendimento de que é irrelevante para o deslinde da ação de cobrança de cheques, emitidos como pagamento de serviço público contratado pela Administração Pública, a causa originária de sua emissão.
"No caso, a ação ajuizada é de cobrança, tendo a sentença registrado que os cheques emitidos sem provimento de fundos haviam perdido a força executiva. Oportuno ressaltar que as cártulas discutidas são originárias de contrato administrativo e a ele atreladas, razão pela qual inaplicável a teoria da abstração das cambiais. Assim, mostra-se relevante a causa que originou o não-pagamento, fazendo-se mister perquirir o motivo que levou a Administração ao não-pagamento do serviço contratado", disse o ministro.
Segundo o ministro Luiz Fux, a solução para o caso deve embasar-se na lei de licitações e contratos, afastando-se, em um primeiro momento, as regras do Código Civil que serviram de fundamento para a decisão do Tribunal de Justiça, porquanto devem ser aplicadas supletivamente.
Assim, o relator votou pelo provimento do recurso do município, determinando a anulação da decisão do Tribunal de Justiça do Estado, "para que seja enfrentado o pedido postulado em sede de apelação, com base na Lei nº 8.666/93, exaurindo-se todas as circunstâncias fáticas referentes ao descumprimento do contrato que conduziu ao não-pagamento das cártulas".