Doação de imóvel aos filhos do casal não é fraude contra credor se a família continua morando nele

Doação de imóvel aos filhos do casal não é fraude contra credor se a família continua morando nele

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a dois recursos por meio dos quais uma família defendeu que a doação do imóvel em que reside, dos pais para os filhos, não caracterizou fraude contra o credor, pois a propriedade – considerada bem de família – seria impenhorável. Um dos recursos foi interposto pelo marido, devedor, e o outro, por sua esposa e filhos.

Por unanimidade, o colegiado considerou que a doação do imóvel – no qual a família permaneceu residindo – não configurou fraude, uma vez que o prejuízo ao credor seria causado pela alteração da finalidade de uso do bem ou pelo desvio de eventual proveito econômico obtido com a transferência de propriedade.

Segundo os autos, uma empresa do devedor emitiu cédula de crédito bancário de cerca de R$ 2,3 milhões em favor do Desenvolve SP, instituição financeira do governo do estado de São Paulo. O empresário, com a concordância de sua esposa, foi avalista do financiamento, tornando-se devedor solidário, ao lado da empresa.

O credor ajuizou ação de execução de título extrajudicial contra a empresa e o avalista. No curso do processo, constatou-se que ele e sua esposa doaram os imóveis de sua propriedade aos três filhos após a constituição da dívida. Alegando que as doações foram fraudulentas, a agência de fomento requereu a anulação da transferência dos bens por meio de ação específica.

O tribunal estadual entendeu que houve fraude e declarou a ineficácia das doações em relação ao credor, em vez da anulação pleiteada. No recurso dirigido ao STJ, o devedor sustentou que a corte paulista não examinou a impenhorabilidade de um dos bens doados. Sua esposa e filhos defenderam que a parte dela nos imóveis não poderia ser atingida pela execução, pois não seria devedora.

Critérios para avaliar existência de fraude contra credores

Relatora dos recursos, a ministra Nancy Andrighi explicou que, de acordo com a orientação do STJ, a ocorrência de fraude contra credores requer a anterioridade do crédito, a comprovação de prejuízo ao credor e o conhecimento, pelo terceiro adquirente, do estado de insolvência do devedor.

A magistrada lembrou que há divergência na jurisprudência do tribunal quanto à preservação da garantia da impenhorabilidade na hipótese em que o bem é alienado em fraude à execução, que se assemelha à fraude contra credores, pois nessas duas hipóteses o reconhecimento da fraude objetiva garantir o pagamento da dívida.

Dessa forma, apontou a ministra, em cada caso, o juiz deve ponderar entre a proteção do bem de família e os direitos do credor. Ela observou que o principal critério para identificação de fraude contra credores ou à execução é a ocorrência de alteração na destinação original do imóvel ou de desvio do proveito econômico da alienação (se houver) que prejudique o credor (REsp 1.227.366).

Imóvel permaneceu destinado à moradia

No caso dos autos, a relatora ressaltou que "o bem permaneceu na posse das mesmas pessoas e teve sua destinação (moradia) inalterada. Destaque-se, ademais, que os filhos do casal ainda não atingiram a maioridade".

De acordo com a magistrada, essas peculiaridades demonstraram a ausência de prejuízo ao credor e de intenção fraudulenta, de maneira que deve ser preservada a impenhorabilidade do imóvel em que a família reside.

A ministra acrescentou que, mesmo que não se aplicasse tal raciocínio, a proteção da impenhorabilidade continuaria presente, tendo em vista que a esposa do devedor "jamais ocupou a posição de devedora" em relação ao Desenvolve SP, "mas se limitou a autorizar o oferecimento da garantia pessoal por seu cônjuge, em razão do disposto no artigo 1.647, inciso III, do Código Civil".

Assim, afirmou Nancy Andrighi, a doação da cota dos imóveis pertencente à mulher (50%) não pode ser considerada fraudulenta, bem como está protegida pela impenhorabilidade, considerando que os recebedores da doação residem no local. Segundo a ministra, o reconhecimento da impenhorabilidade da metade relativa à meação de um imóvel deve ser estendida à totalidade do bem (REsp 1.405.191).

Segundo a relatora, por qualquer ângulo que se examine a questão, o imóvel em que os recorrentes residem "é impenhorável e, por isso, não há que se falar em fraude contra credores". Seguindo seu voto, o colegiado reformou o acórdão da corte estadual e determinou o retorno dos autos ao primeiro grau para outras deliberações.

Esta notícia refere-se ao processo: REsp 1926646

RECURSO ESPECIAL Nº 1.926.646 - SP (2020/0335315-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MARCELO DAHRUJ
ADVOGADOS : FERNANDA FAGUNDES DAHRUJ - SP127797
RICARDO TAURIZANO JULIANO - SP340900
RECORRENTE : FERNANDA FAGUNDES DAHRUJ
RECORRENTE : RODRIGO FAGUNDES DAHRUJ
RECORRENTE : GUSTAVO FAGUNDES DAHRUJ
RECORRENTE : JULIANA FAGUNDES DAHRUJ
ADVOGADOS : ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS - DF006811
CARLOS HENRIQUE SPESSOTO PERSOLI - SP138630
THALES MANZANO PARISOTTO - SP305639
GABRIELA NAZARETH VELOSO RIBEIRO - DF050185
RECORRIDO : DESENVOLVE SP - AGENCIA DE FOMENTO
DO ESTADO DE SAO PAULO S.A
ADVOGADOS : SÍLVIA FONSECA DA COSTA - SP128738
DENISE DESSIE CABRAL DIAS - SP091398
GRAZIELA NAVARRO GUIMARÃES - SP262382
DIEGO SHIMON FERRARACIO ESPOZ - SP353540
EMENTA
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PAULIANA.
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA.
BEM DE FAMÍLIA.
MANUTENÇÃO DA DESTINAÇÃO. IMPENHORABILIDADE.
RECONHECIMENTO. FRAUDE CONTRA CREDORES AFASTADA.
CERCEAMENTO DE DEFESA. CONFIGURAÇÃO.
1. Ação pauliana ajuizada em 31/03/2015, da qual foi extraído os presentes
recursos especiais interpostos em 28/02/2020 e 02/03/2020 e conclusos ao
gabinete em 04/02/2021.
2. O propósito recursal é decidir se a) houve negativa de prestação jurisdicional;
b) a doação de imóvel onde reside a família configura fraude contra credores e
c) houve cerceamento de defesa.
3. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao
art. 1.022 do CPC/15
quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível
à hipótese soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação,
ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. Precedentes.
4. A ocorrência de fraude contra credores requer: (i) a anterioridade do crédito;
(ii) a comprovação de prejuízo ao credor (eventus damni) e (iii) o conhecimento,
pelo terceiro adquirente, do estado de insolvência do devedor (scientia fraudis).
O eventus damni trata-se de pressuposto objetivo e estará configurado
quando o ato de disposição impugnado pelo credor.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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