É impenhorável bem de família oferecido como caução em contrato de locação comercial

É impenhorável bem de família oferecido como caução em contrato de locação comercial

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou impenhorável o bem de família oferecido como caução em contrato de locação comercial. Para o colegiado, o oferecimento de bem familiar em garantia nesse tipo de contrato locatício não implica, em regra, renúncia à proteção legal concedida pela Lei 8.009/1990.

O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que admitiu a penhora de imóvel oferecido como caução em contrato de locação comercial, por entender que haveria semelhança entre a caução e o instituto da hipoteca – este último previsto pelo artigo 3º, inciso V, da Lei 8.009/1990 como uma das hipóteses de exceção à impenhorabilidade.

Relator do recurso especial, o ministro Marco Buzzi explicou que a impenhorabilidade do bem de família protege direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e a moradia, sendo vedado ao Judiciário criar novas hipóteses de limitação dessa proteção.

"O escopo da Lei 8.009/1990 não é proteger o devedor contra suas dívidas, mas sim a entidade familiar no seu conceito mais amplo, razão pela qual as hipóteses permissivas da penhora do bem de família, em virtude do seu caráter excepcional, devem receber interpretação restritiva", disse.

Exceção prevista para a fiança não deve ser estendida à caução

Por isso mesmo, destacou Marco Buzzi, a jurisprudência do STJ considera que a exceção à impenhorabilidade prevista pela Lei 8.009/1990 para a fiança em contrato de locação não deve ser estendida ao bem de família oferecido como caução.

Segundo o relator, essa impossibilidade ocorre porque os institutos da fiança e da caução foram disciplinados pelo legislador como diferentes modalidades de garantia da locação, nos termos do artigo 37 da Lei 8.245/1991. "Trata-se de mecanismos com regras e dinâmica de funcionamento próprias, cuja equiparação em suas consequências implicaria inconsistência sistêmica", afirmou.

Citando doutrina sobre o tema, Buzzi comentou que a caução de imóvel não se confunde com a fiança, a qual possui natureza pessoal, tampouco com a hipoteca – que, apesar de também ser uma garantia real, é formalizada apenas por meio de escritura pública, ao passo que a caução deve ser averbada na matrícula do bem dado em garantia, nos termos do artigo 38, parágrafo 1º, da Lei de Locações.

Ofertante do bem em caução não renuncia à impenhorabilidade

De acordo com Marco Buzzi, violaria a isonomia e a previsibilidade das relações jurídicas estender à caução as consequências aplicadas à fiança pela Lei 8.009/1990.

"É que o ofertante do bem em caução não aderiu aos efeitos legais atribuídos ao contrato de fiança. Noutros termos, a própria autonomia da vontade, elemento fundamental das relações contratuais, restaria solapada se equiparados os regimes jurídicos em tela", ponderou o ministro.

No caso dos autos, porém, o relator entendeu não ser possível reconhecer, de imediato, a impenhorabilidade alegada no recurso especial, pois os requisitos para que o imóvel seja considerado bem de família não foram objeto de análise. Dessa forma, a Quarta Turma determinou que o TJSP julgue novamente o agravo de instrumento interposto na origem para verificar as condições previstas pela Lei 8.009/1990.

Esta notícia refere-se ao processo: REsp 1789505

RECURSO ESPECIAL Nº 1.789.505 - SP (2018/0344105-2)
RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI
RECORRENTE : GILBERTO SAMPAIO MOURA
RECORRENTE : NORMA JUSTI MOURA
ADVOGADO : DANIEL FERNANDES MARQUES - SP194380
RECORRIDO : LEANDRO FIGUEREDO D OLIVEIRA
ADVOGADO : LEANDRO SAAD - SP139386
EMENTA
RECURSO ESPECIAL - LOCAÇÃO - AUTOS DE AGRAVO
DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - PRETENSÃO DE
RECONHECIMENTO DE IMPENHORABILIDADE DE BEM
DE FAMÍLIA OFERECIDO EM CAUÇÃO - INSTÂNCIAS
ORDINÁRIAS QUE REJEITARAM O PEDIDO.INSURGÊNCIA
RECURSAL DA PARTE AGRAVANTE.
Hipótese: possibilidade de penhora de bem de
família oferecido como caução, pelos recorrentes, em contrato
de locação comercial firmado entre o recorrido e terceiro.
1. O escopo da Lei nº 8.009/90 não é proteger o devedor
contra suas dívidas, mas sim a entidade familiar no seu
conceito mais amplo, razão pela qual as hipóteses permissivas
da penhora do bem de família, em virtude do seu caráter
excepcional, devem receber interpretação
restritiva. Precedentes.
2. O benefício conferido pela mencionada lei é norma
cogente, que contém princípio de ordem pública, motivo pelo
qual o oferecimento do bem em garantia, como regra, não
implica renúncia à proteção legal, não sendo circunstância
suficiente para afastar o direito fundamental à moradia,
corolário do princípio da dignidade da pessoa
humana. Precedentes.
3. A caução levada a registro, embora constitua garantia
real, não encontra previsão em qualquer das exceções
contidas no artigo 3º da Lei nº 8.009/1990, devendo, em
regra, prevalecer a impenhorabilidade do imóvel, quando se
tratar de bem de família.
4. Na hipótese, contudo, verifica-se inviável reconhecer, de
plano, a alegada impenhorabilidade, pois os requisitos para
que o imóvel seja considerado bem de família não foram objeto
de averiguação na instância de origem, sendo inviável
proceder-se à aplicação do direito à espécie no âmbito desta
Corte Superior por demandar o exame de fatos e provas, cuja
análise compete ao Tribunal de origem.
5. Recurso especial parcialmente provido a fim de
determinar o retorno dos autos à Corte a quo para que, à luz
da proteção conferida ao bem de família pela Lei nº 8.009/1990
e afastada a exceção invocada no acórdão recorrido, proceda
ao reexame do agravo de instrumento, analisando-se se o
imóvel penhorado no caso concreto preenche os requisitos
para se caracterizar como tal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão (Presidente), Raul
Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Brasília (DF), 22 de março de 2022 (Data do Julgamento)
MINISTRO MARCO BUZZI
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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